quarta-feira, 28 de maio de 2014

A Estirpe da Santa Teresa

                   Dimas Macedo

                       
                                                                                          Joaryvar e Dimas Macedo (1979)
                                    
          Em 19 de outubro de 1989, ao tomar posse na Academia Cearense de Letras, deixei escapar esta confissão: “Neto de um expressivo poeta popular e repentista cearense, e vinculado, por relações de parentesco, à linhagem dos desbravadores que construíram a civilização do Cariri, como produtor de cultura orgulho‑me e jamais poderia desprezar essa minha requintada tradição”. 

        Hoje, contadas as conquistas e os horizontes que em mim se foram armazenando, sinto‑me feliz em poder invocar esses meus registros parentais. Cresce, portanto, em mim, a convicção de que as minhas raízes atávicas constituem o intrincado labirinto com que costumo distrair a minha dispersão. 

        Na sala de retratos em que deparo os meus mitológicos ancestrais caririenses, vejo que esses tangedores de gado, provenientes do rio São Francisco, já portavam em suas aventuras as marcas inconfundíveis da determinação, que fariam deles uma comunidade familiar respeitada em toda a história de sua região.

        Quando o historiador João Brígido dos Santos, em fins do século dezenove, vasculhava os arquivos da história do Cariri, já se referia a esses meus antecedentes como nucleadores de várias povoações e fazendas de criar, entre todas, sobressaindo‑se aquela denominada Engenho Santa Teresa, fundado pelo capitão Domingos Paes Landim.

         Núcleo originário e socioeconômico das famílias Terésios, segundo observações dos maiores historiadores do Cariri, a exemplo de Irineu Pinheiro e do Padre Antônio Gomes de Araújo, que pesquisaram suas ori­gens e os primeiros anos de sua formação, o Engenho Santa Teresa, por séculos afora, manteria acesa a temperatura de suas chaminés.

        Deles, os Terésios, ocupar-se-ia o historiador Joaryvar Macedo ao traçar as linhas da sua inculcada genealogia, deten­do‑se na descendência do capitão Domingos Paes Landim e da sua mulher Isabel da Cruz Neves, ascendentes dos Terésios que hoje se reúnem para proclamar a glória de Antônio Martins Filho e reconhecer o quanto Joaryvar Macedo é um imenso traço de união entre nós. 

       No seu monumental e não por demais relembrado A Estirpe da Santa Teresa (Fortaleza: Imprensa Universitária, 1976), cuja segunda edição ora se dá à estampa, Joaryvar Macedo desvenda a linhagem dessas famílias e nos leva a intuir o que a trajetória dos Terésios pode­ria representar como desafio para os historiadores e sociólogos do Ceará.

        Abstraindo‑se o dado genealógico dos Terésios, o que registrou a historiografia sul‑cearense, pertinente aos la­bores nos quais se envolveram alguns de seus integrantes, a mim me parece constituir algo de substância singular com que a pesquisa histórica e a sociologia política poderiam se entreter.

         Quando o coronel Joca do Brejão mandava no Município de Barbalha, Antônio Joaquim de Santana era senhor absoluto em Missão Velha, Felinto da Cruz Neves resistia aos ataques dos seus adversários, em Santana do Cariri, e Marica Macedo do Tipy escrevia, com tintas de destemor e bravura, a chamada “Ques­tão do Oito”, em Aurora, parece indiscutível que os Terésios espelhavam uma das elites do Cariri.

         E, mais ainda, era evidente o papel dos Terésios quando o tenente‑coronel José Joaquim de Maria Lobo era o mentor das irmandades religiosas de Juazeiro e alter ego do Padre Cícero Romão, no período que antecedeu a Floro Bartolomeu, e quando o Município de Aurora exportava um caudilho tão ambicioso como Joaquim Vasques Landim, o célebre Quinco Vasques, que ousou violar o feudo de Dona Fideralina Augusto, em Lavras da Mangabeira, aos 7 de abril de 1910.

         Nos velhos tempos da Primeira República, quando o sul do Ceará parecia um caldeirão, os Terésios ali já se destacavam qual um grupo de famílias muito singular. Enquanto os clãs patriarcais de Várzea Alegre, Crato, Brejo Santo e Lavras da Mangabeira pareciam sempre preparados para a autofagia das suas linhagens parentais, as distâncias entre os integrantes dos Terésios gradativamente se iam confundindo. 

        Tocar‑se num Macedo, em Aurora, num Lobo de Macedo, em Lavras, num Vasques Landim, em Missão Velha, era colocar o Tipy, o Calabaço e o Santa Teresa em prontidão. No Calabaço, por exemplo, o sítio onde nasci e onde nasceu Joaryvar, existia uma veneração quase sagrada aos nossos ancestrais e aos parentes que se espalhavam pelos municípios da região.

         Quando a projeção dos Terésios já não se continha nos limites da vida municipal, alguns dos seus membros alçaram voo para novas conquistas sociais, entre elas, o exercício de mandatos eletivos e de postos na magistratura estadual e federal, e o desempenho de funções administrativas nos altos escalões da República.

        O ramo que fincou raízes em Barbalha se projetaria com os Martins de Jesus. Quando eles resolveram se despedir das nascentes do Caldas, demandaram em busca de Fortaleza para emprestar serviços de relevo à história cultural do Ceará. Antônio Martins Filho para fundar a Universidade Federal do Ceará e ser seu primeiro Reitor; Cláudio Martins para presidir à Academia Cearense de Letras e ao Conselho Estadual de Educação; Fran Martins para coordenar o Grupo Clã de Literatura, responsável pela implantação definitiva do modernismo no Ceará, e para se destacar como um dos maiores juristas do Brasil.

        A eles, no papel engrandeci­mento da cultura cearense, juntar-se-iam os escritores Mozart Soriano Aderaldo, que seria presidente do Instituto do Ceará; Murilo Martins, que presidiu à Academia Cearense de Letras; Joaryvar Macedo e José Denizard Macedo de Alcântara, que seriam Secretários de Cultura do Estado e primorosos his­toriadores. 

         Durval Aires se destacaria como romancista, Martins de Alvarez como um dos nossos melhores escritores e Nertan Macedo como historiador do cangaço, do fanatismo religioso e do coronelismo da região, ampliando os seus estudos para outros Estados do Nordeste, especialmente como um dos mais respeitados intérpretes da história de Lampião. 
         Primos entre si, não se pode negar que esses homens não tenham atingido um patamar superior no processo de constru­ção do Ceará cultural.

         No Cariri, os Terésios desfrutaram e ainda desfru­tam a fama de haverem gerado alguns poetas po­pulares daquela região. O ramo dos Lobo de Macedo foi o mais expressivo neste setor.

         Meu trisavô, meu bisavô, meu avô e meu pai, por exemplo, sobressaíram-se como trovadores e repentistas. Dentre eles, meu avô, Antônio Lobo de Macedo, conhecido como Lobo Manso, tem ocupado a atenção de folcloristas e historiadores em face da sua condição de poeta popular, merecendo elogios de Florival Seraine, na Antologia do Folclore Cearense, e de Luís da Câmara Cascudo.

         A eles, por via de consequência, devo boa parte do meu tirocínio inte­lectual e da minha acanhada inspiração. Orgulho‑me, no en­tanto, de terem sido eles menestréis matutos que nunca precisa­ram sair do recinto municipal para se projetar e crescer.

         Quem, mais do que os integrantes dessa família, poderia ter contribuído para a cultura do Ceará e para a sociologia política do Cariri? Esta pergunta cabe à Historiografia responder. Não me compe­te traçar conjecturas. Lamento apenas que Marica Macedo do Tipy seja hoje objeto de pesquisa no Centro Interdisciplinar de Estudos Contemporâneos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na série Matriarcas do Ceará, ao lado de Fideralina Augusto e de Bárbara de Alencar, e no Ceará se ignore a sua atuação.

           Marica Macedo do Tipy, Antônio Joaquim de Santana, Joca do Brejão, Joaquim Vasques Landim, Felinto da Cruz Neves, José Joaquim de Maria Lobo e João Lobo de Macedo, entre os mais antigos representantes da família, são símbolos da história po­lítica e cultural do Cariri a quem não podemos deixar de pres­tar respeito e admira­ção. 

         Não falo dos novos nem dos que vieram depois, lembran­do aqui tão somente que João Antônio de Macedo (João de Zeca) e Edson Olegário de Santana tornar-se-iam protótipos do nosso folclore político, por serem matutos sagazes e espertos que se espraiaram para além de sua região. Falo daqueles que devemos cultuar como referências e que sedimentaram em nós a solidariedade e o tecido da nossa convivência.

         A Associação Cearense de Integração dos Terésios, por­tanto, tem a finalidade de congregar esses valores parentais, tem o fito de unir um conjunto de famílias que possui um mar­co genealógico comum e uma série de ramificações, denunci­ando para nós o quanto é importante culti­var uma tradição, porque o sentido de sua congregação não deixa de ter um objetivo a atingir, que seria a união da fraternidade parental.

        Para os que fazemos a Casa dos Terésios não nos basta a esperança de que o mundo terá que mudar. Conforta-nos saber que a nossa união é um sonho que se faz com a contribuição do que somos e com o legado dos nossos ancestrais, todos portadores de méritos que ora se tecem projetados na figura de Joaryvar Macedo, cujo livro, A Estirpe da Santa Teresa, é no momento oferecido aos leitores em sua segunda edição.

         Em verdade, esse livro que tenho a honra de apre­sentar, editado pela primeira vez em 1976, permanece até hoje como a mais extensa e criteriosa pesquisa genealógica cearense, sendo o seu autor o nosso maior genealogista, dada a envergadura dos estudos que realizou nessa seara do conhecimento.

         A linhagem dos desbravadores que construíram a civili­zação do Cariri, especialmente aquela proveniente do Enge­nho Santa Teresa, encravado às margens do rio Salamanca: eis o assunto de que trata esse livro de Joaryvar Macedo, reeditado pela Casa de José de Alencar, graças à lucidez e ao tirocínio do Professor Antônio Martins Filho, ele próprio, o mais ilustre descendente dessa monu­mental árvore genealógica.

        Faz‑se agora oportuno registrar que esta edição fac‑si­milar de A Estirpe da Santa Teresa é uma realização, que julgo altamente relevante, da Associação Cearense de Integração dos Terésios (ACEITE), fundada em 31 de março de 1992, dirigida atualmente pelo Dr. Edilson Cruz Santana e da qual tive a hon­ra de ser o primeiro presidente.

       Orgulho-me, é claro, de pertencer à Casa dos Terésios e de ter sido o escolhido para falar em nome de todos vocês, me parecendo justo registrar que a republicação de A Estirpe da Santa Teresa é a melhor homenagem que a ACEITE poderia prestar à memória de Joaryvar Macedo, que foi aclamado seu Patrono e de quem tenho a honra de ser sobrinho e admirador. Foi ele o primeiro escritor que procurei imitar e aquele que exerceu sobre mim a maior de todas as influências.

        Professor da Universidade Regional do Cariri e chefe do seu Escritório em Fortaleza, Joaryvar Macedo foi ainda membro do Conselho Estadual de Educação e sócio correspondente de várias instituições culturais, nacionais e internacionais, constituindo a sua morte prematura, em 29 de janeiro de 1991, uma tragédia que abalou, profundamente, a historiografia do Nordeste. 

         Em vida, foi Joaryvar Macedo a própria história do Cariri se movimentando, se expressando nas páginas dos livros e opúsculos que escreveu, e nos trabalhos que respingou em órgãos culturais do Cariri e na Revista do Instituto do Ceará, cujas páginas enriqueceu com a originalidade das suas visões de historiador.

        Joaryvar Macedo consolidou sua formação cultural estabelecido numa região e tratando quase que exclusivamente da temática histórica do Cariri, o que não o impediu de ter “uma visão histórica do Brasil através da região em que viveu”, segundo a opinião de Murilo Martins.


        Esse grande escritor cearense, sem nenhuma dúvida, foi uma das personalidades mais ilustres da nossa literatura e um dos mais eruditos historiadores do Ceará, cuja formação histórica pesquisou com argúcia de um beneditino.

                                                                                           Fortaleza, 05.12.1997






11 comentários:

  1. Olá, também sou descendente dos antigos moradores do Engenho Santa Tereza. Gostaria de saber como posso adquirir uma edição do tão bem afamado livro! Grato

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    1. Bruno, acho que a edição está esgotada. Veja se encontra na Estante Virtual.

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  2. Olá, descendo de Antonio Pimenta da Costa e Ursula paes Landim e desejo muito ter o livro "A Estirpe da Santa Teresa". Por favor contacte-me pelo email: dalvasallescosta@gmail.com
    Grata!

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  3. Dalva, o livro A Estirpe de Santa Teresa esta esgotado, mas é possível acessar uma versão on line da Internet.

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    1. Eu não achei a versão online, pode me dar uma orientação? meus bisavós foram Antonio Sant"anna e João Coelho de sá Barreto. Obrigada.

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  4. Oi Dimas Macedo, eu também faço parte dessa genealogia, meus avós paternos são: Deoclécio Pinto da Costa e Raimunda Lobo de Macedo e os maternos são: José furtado Tavares e Maria de Lourdes Macedo. Gostaria de comprar o livro, mas ohhhh livro difícil de encontrar...

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  5. Como faço pra acessar uma versão on line da Internet.

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  6. Olá! Também gostaria de ter acesso ao livro a estirpe de santa Teresa! Você não tem a versão digitalizada ?

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