Joaryvar e Dimas Macedo (1979)
Em 19
de outubro de 1989, ao tomar posse na Academia Cearense de Letras, deixei
escapar esta confissão: “Neto de um expressivo poeta popular e repentista
cearense, e vinculado, por relações de parentesco, à linhagem dos desbravadores
que construíram a civilização do Cariri, como produtor de cultura orgulho‑me e
jamais poderia desprezar essa minha requintada tradição”.
Hoje,
contadas as conquistas e os horizontes que em mim se foram armazenando, sinto‑me
feliz em poder invocar esses meus registros parentais. Cresce, portanto, em
mim, a convicção de que as minhas raízes atávicas constituem o intrincado
labirinto com que costumo distrair a minha dispersão.
Na
sala de retratos em que deparo os meus mitológicos ancestrais caririenses, vejo
que esses tangedores de gado, provenientes do rio São Francisco, já portavam em
suas aventuras as marcas inconfundíveis da determinação, que fariam deles uma
comunidade familiar respeitada em toda a história de sua região.
Quando
o historiador João Brígido dos Santos, em fins do século dezenove, vasculhava
os arquivos da história do Cariri, já se referia a esses meus antecedentes como
nucleadores de várias povoações e fazendas de criar, entre todas, sobressaindo‑se
aquela denominada Engenho Santa Teresa, fundado pelo capitão Domingos Paes
Landim.
Núcleo
originário e socioeconômico das famílias Terésios, segundo observações dos
maiores historiadores do Cariri, a exemplo de Irineu Pinheiro e do Padre
Antônio Gomes de Araújo, que pesquisaram suas origens e os primeiros anos de
sua formação, o Engenho Santa Teresa, por séculos afora, manteria acesa a
temperatura de suas chaminés.
Deles,
os Terésios, ocupar-se-ia o historiador Joaryvar Macedo ao traçar as linhas da
sua inculcada genealogia, detendo‑se na descendência do capitão Domingos Paes
Landim e da sua mulher Isabel da Cruz Neves, ascendentes dos Terésios que hoje
se reúnem para proclamar a glória de Antônio Martins Filho e reconhecer o
quanto Joaryvar Macedo é um imenso traço de união entre nós.
No
seu monumental e não por demais relembrado A Estirpe da Santa Teresa (Fortaleza:
Imprensa Universitária, 1976), cuja segunda edição ora se dá à estampa,
Joaryvar Macedo desvenda a linhagem dessas famílias e nos leva a intuir o que a
trajetória dos Terésios poderia representar como desafio para os historiadores
e sociólogos do Ceará.
Abstraindo‑se
o dado genealógico dos Terésios, o que registrou a historiografia sul‑cearense,
pertinente aos labores nos quais se envolveram alguns de seus integrantes, a
mim me parece constituir algo de substância singular com que a pesquisa
histórica e a sociologia política poderiam se entreter.
Quando
o coronel Joca do Brejão mandava no Município de Barbalha, Antônio Joaquim de
Santana era senhor absoluto em Missão Velha, Felinto da Cruz Neves resistia aos
ataques dos seus adversários, em Santana do Cariri, e Marica Macedo do Tipy
escrevia, com tintas de destemor e bravura, a chamada “Questão do Oito”, em
Aurora, parece indiscutível que os Terésios espelhavam uma das elites do
Cariri.
E,
mais ainda, era evidente o papel dos Terésios quando o tenente‑coronel José
Joaquim de Maria Lobo era o mentor das irmandades religiosas de Juazeiro
e alter ego do Padre Cícero Romão, no período que antecedeu a
Floro Bartolomeu, e quando o Município de Aurora exportava um caudilho tão
ambicioso como Joaquim Vasques Landim, o célebre Quinco Vasques, que ousou
violar o feudo de Dona Fideralina Augusto, em Lavras da Mangabeira, aos 7 de
abril de 1910.
Nos
velhos tempos da Primeira República, quando o sul do Ceará parecia um
caldeirão, os Terésios ali já se destacavam qual um grupo de famílias muito
singular. Enquanto os clãs patriarcais de Várzea Alegre, Crato, Brejo Santo e
Lavras da Mangabeira pareciam sempre preparados para a autofagia das suas
linhagens parentais, as distâncias entre os integrantes dos Terésios
gradativamente se iam confundindo.
Tocar‑se
num Macedo, em Aurora, num Lobo de Macedo, em Lavras, num Vasques Landim, em
Missão Velha, era colocar o Tipy, o Calabaço e o Santa Teresa em prontidão. No
Calabaço, por exemplo, o sítio onde nasci e onde nasceu Joaryvar, existia uma
veneração quase sagrada aos nossos ancestrais e aos parentes que se espalhavam
pelos municípios da região.
Quando a projeção dos Terésios já não se continha nos limites da vida
municipal, alguns dos seus membros alçaram voo para novas conquistas sociais,
entre elas, o exercício de mandatos eletivos e de postos na magistratura
estadual e federal, e o desempenho de funções administrativas nos altos
escalões da República.
O ramo que fincou raízes em Barbalha se projetaria com os Martins de Jesus.
Quando eles resolveram se despedir das nascentes do Caldas, demandaram em busca
de Fortaleza para emprestar serviços de relevo à história cultural do Ceará.
Antônio Martins Filho para fundar a Universidade Federal do Ceará e ser seu
primeiro Reitor; Cláudio Martins para presidir à Academia Cearense de Letras e
ao Conselho Estadual de Educação; Fran Martins para coordenar o Grupo Clã de
Literatura, responsável pela implantação definitiva do modernismo no Ceará, e
para se destacar como um dos maiores juristas do Brasil.
A eles, no papel engrandecimento da cultura cearense, juntar-se-iam os
escritores Mozart Soriano Aderaldo, que seria presidente do Instituto do Ceará;
Murilo Martins, que presidiu à Academia Cearense de Letras; Joaryvar Macedo e
José Denizard Macedo de Alcântara, que seriam Secretários de Cultura do Estado
e primorosos historiadores.
Durval
Aires se destacaria como romancista, Martins de Alvarez como um dos nossos
melhores escritores e Nertan Macedo como historiador do cangaço, do fanatismo
religioso e do coronelismo da região, ampliando os seus estudos para outros
Estados do Nordeste, especialmente como um dos mais respeitados intérpretes da história
de Lampião.
Primos
entre si, não se pode negar que esses homens não tenham atingido um patamar
superior no processo de construção do Ceará cultural.
No
Cariri, os Terésios desfrutaram e ainda desfrutam a fama de haverem gerado
alguns poetas populares daquela região. O ramo dos Lobo de Macedo foi o mais
expressivo neste setor.
Meu
trisavô, meu bisavô, meu avô e meu pai, por exemplo, sobressaíram-se como
trovadores e repentistas. Dentre eles, meu avô, Antônio Lobo de Macedo,
conhecido como Lobo Manso, tem ocupado a atenção de folcloristas e
historiadores em face da sua condição de poeta popular, merecendo elogios de
Florival Seraine, na Antologia do Folclore Cearense, e de Luís da
Câmara Cascudo.
A
eles, por via de consequência, devo boa parte do meu tirocínio intelectual e
da minha acanhada inspiração. Orgulho‑me, no entanto, de terem sido eles
menestréis matutos que nunca precisaram sair do recinto municipal para se
projetar e crescer.
Quem,
mais do que os integrantes dessa família, poderia ter contribuído para a
cultura do Ceará e para a sociologia política do Cariri? Esta pergunta cabe à Historiografia
responder. Não me compete traçar conjecturas. Lamento apenas que Marica Macedo
do Tipy seja hoje objeto de pesquisa no Centro Interdisciplinar de Estudos
Contemporâneos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na série Matriarcas
do Ceará, ao lado de Fideralina Augusto e de Bárbara de Alencar, e no Ceará se
ignore a sua atuação.
Marica
Macedo do Tipy, Antônio Joaquim de Santana, Joca do Brejão, Joaquim Vasques
Landim, Felinto da Cruz Neves, José Joaquim de Maria Lobo e João Lobo de
Macedo, entre os mais antigos representantes da família, são símbolos da
história política e cultural do Cariri a quem não podemos deixar de prestar
respeito e admiração.
Não falo dos novos nem dos que vieram depois, lembrando aqui tão somente que
João Antônio de Macedo (João de Zeca) e Edson Olegário de Santana tornar-se-iam
protótipos do nosso folclore político, por serem matutos sagazes e espertos que
se espraiaram para além de sua região. Falo daqueles que devemos cultuar como
referências e que sedimentaram em nós a solidariedade e o tecido da nossa
convivência.
A
Associação Cearense de Integração dos Terésios, portanto, tem a finalidade de
congregar esses valores parentais, tem o fito de unir um conjunto de famílias
que possui um marco genealógico comum e uma série de ramificações, denunciando
para nós o quanto é importante cultivar uma tradição, porque o sentido de sua congregação
não deixa de ter um objetivo a atingir, que seria a união da fraternidade
parental.
Para
os que fazemos a Casa dos Terésios não nos basta a esperança de que o mundo
terá que mudar. Conforta-nos saber que a nossa união é um sonho que
se faz com a contribuição do que somos e com o legado dos nossos ancestrais,
todos portadores de méritos que ora se tecem projetados na figura de Joaryvar
Macedo, cujo livro, A Estirpe da Santa Teresa, é no momento
oferecido aos leitores em sua segunda edição.
Em
verdade, esse livro que tenho a honra de apresentar, editado pela primeira vez
em 1976, permanece até hoje como a mais extensa e criteriosa pesquisa
genealógica cearense, sendo o seu autor o nosso maior genealogista, dada a
envergadura dos estudos que realizou nessa seara do conhecimento.
A
linhagem dos desbravadores que construíram a civilização do Cariri,
especialmente aquela proveniente do Engenho Santa Teresa, encravado às margens
do rio Salamanca: eis o assunto de que trata esse livro de Joaryvar Macedo,
reeditado pela Casa de José de Alencar, graças à lucidez e ao tirocínio do
Professor Antônio Martins Filho, ele próprio, o mais ilustre descendente dessa
monumental árvore genealógica.
Faz‑se
agora oportuno registrar que esta edição fac‑similar de A Estirpe da
Santa Teresa é uma realização, que julgo altamente relevante, da
Associação Cearense de Integração dos Terésios (ACEITE), fundada em 31 de março
de 1992, dirigida atualmente pelo Dr. Edilson Cruz Santana e da qual tive a honra
de ser o primeiro presidente.
Orgulho-me,
é claro, de pertencer à Casa dos Terésios e de ter sido o escolhido para falar
em nome de todos vocês, me parecendo justo registrar que a republicação
de A Estirpe da Santa Teresa é a melhor homenagem que a ACEITE
poderia prestar à memória de Joaryvar Macedo, que foi aclamado seu Patrono e de
quem tenho a honra de ser sobrinho e admirador. Foi ele o primeiro escritor que
procurei imitar e aquele que exerceu sobre mim a maior de todas as influências.
Professor
da Universidade Regional do Cariri e chefe do seu Escritório em Fortaleza,
Joaryvar Macedo foi ainda membro do Conselho Estadual de Educação e sócio
correspondente de várias instituições culturais, nacionais e internacionais,
constituindo a sua morte prematura, em 29 de janeiro de 1991, uma tragédia que
abalou, profundamente, a historiografia do Nordeste.
Em vida, foi Joaryvar Macedo a própria
história do Cariri se movimentando, se expressando nas páginas dos livros e
opúsculos que escreveu, e nos trabalhos que respingou em órgãos culturais do
Cariri e na Revista do Instituto do Ceará, cujas páginas enriqueceu
com a originalidade das suas visões de historiador.
Joaryvar Macedo
consolidou sua formação cultural estabelecido numa região e tratando quase que
exclusivamente da temática histórica do Cariri, o que não o impediu de ter “uma
visão histórica do Brasil através da região em que viveu”, segundo a opinião de
Murilo Martins.
Esse
grande escritor cearense, sem nenhuma dúvida, foi uma das personalidades mais
ilustres da nossa literatura e um dos mais eruditos historiadores do Ceará,
cuja formação histórica pesquisou com argúcia de um beneditino.
Fortaleza, 05.12.1997
Olá, também sou descendente dos antigos moradores do Engenho Santa Tereza. Gostaria de saber como posso adquirir uma edição do tão bem afamado livro! Grato
ResponderExcluirBruno, acho que a edição está esgotada. Veja se encontra na Estante Virtual.
ExcluirEu tambem gostaria.
ResponderExcluirEsclareço que o livro está esgotado. Talvez você o encontre em sites virtuais.
ExcluirEdição Esgotada
ExcluirOlá, descendo de Antonio Pimenta da Costa e Ursula paes Landim e desejo muito ter o livro "A Estirpe da Santa Teresa". Por favor contacte-me pelo email: dalvasallescosta@gmail.com
ResponderExcluirGrata!
Dalva, o livro A Estirpe de Santa Teresa esta esgotado, mas é possível acessar uma versão on line da Internet.
ResponderExcluirEu não achei a versão online, pode me dar uma orientação? meus bisavós foram Antonio Sant"anna e João Coelho de sá Barreto. Obrigada.
ExcluirOi Dimas Macedo, eu também faço parte dessa genealogia, meus avós paternos são: Deoclécio Pinto da Costa e Raimunda Lobo de Macedo e os maternos são: José furtado Tavares e Maria de Lourdes Macedo. Gostaria de comprar o livro, mas ohhhh livro difícil de encontrar...
ResponderExcluirComo faço pra acessar uma versão on line da Internet.
ResponderExcluirOlá! Também gostaria de ter acesso ao livro a estirpe de santa Teresa! Você não tem a versão digitalizada ?
ResponderExcluir