terça-feira, 24 de maio de 2016

Salim Miguel - Crítica e Recensão


          Dimas Macedo

     


                O escritor catarinense Salim Miguel representa um momento de transformação e referência da moderna literatura do Brasil, entrelaçada que se encontra a sua contribuição com os movimentos de vanguarda e transição literária que se operaram em Santa Catarina em boa parte da região Centro-Sul.

           Escritor dos mais expressivos da sua geração, ao lado de Dalton Trevisan, João Antônio, Hélio Pólvora, Moreira Campos e outros nomes exponenciais da curta ficção brasileira, integra uma elite das mais importantes da nossa história literária, dimensionada, principalmente, pelo aparato de modernização que incorporou ao nosso acervo cultural.

          Na década de 1970, a personalidade de Salim Miguel destacou-se, basicamente, através das páginas da revista Ficção, que fundou e ajudou a editar, contribuindo, assim, para a documentação do conto brasileiro com o mais ousado projeto que, neste sentido, foi erigido entre nós.

           Em livros como Velhice e Outros Contos (1951), Alguma Gente (1953), Rede (1955), O Primeiro Gosto (1973), A Morte do Tenente e Outras Mortes (1979) e A Voz Submersa (1984) flui, com certeza, o tirocínio do escritor polivalente e maduro que Salim Miguel não conseguiu ocultar e que a crítica soube documentar com muita precisão.c

           Contudo, é acerca do ensaísta que habita o universo literário de Salim Miguel que neste artigo ouso discorrer. Nas suas anotações sobre livros e autores, enfeixadas em O Castelo de Frankenstein (Florianópolis: Universidade de Santa Catarina, 1986), aparece a face do crítico literário posta acima de qualquer suspeição.

          Enfocando aspectos da literatura do Brasil, especialmente de Santa Catarina, e projetando a sua visão de ensaísta em torno do romance hispano-americano, em O Castelo de Frankenstein mostra-nos o autor a engenhosidade da sua visão de escritor, instigando-nos, também, com as suas incursões pelo discurso de Ítalo Svevo, Umberto Eco, Saul Below e Alexandre Lenard.

           As raízes do discurso crítico de Salim Miguel encontram-se assim explicitadas segundo as palavras do autor: “Desde muito cedo, criança ainda, ao mesmo tempo em que vdava início à minha ficção, imaginando-a e recontando-a primeiro oralmente, e depois em rascunhos que circulavam de mão-em-mão, ia intentando uma reflexão crítica sobre o ato de viver e o ato de escrever”.

            Ficcionista consciente dos mistérios que envolvem a pesquisa da linguagem e o ofício da literatura, em permanente processo de recriação, Salim Miguel revela-se crítico literário consciente e audaz, extraindo dos segredos da arte literária as ferramentas necessárias ao seu processo de cosmovisão.

             Humilde, no entanto, na “explicação necessária” com a qual abre O Castelo de Frankenstein, Salim Miguel encanta os seus leitores ao confessar o seguinte: “Nestes escritos que ora publico existem vários onde me debrucei mais detidamente, analisando autores e obras, procurando desvelar a intenção última da proposta inscrita e dela extrair a minha leitura; noutros estão o que eu chamo de manchas, sucintas anotações, pinçando algo do que mais me tocou. Gostaria também de esclarecer que se muitos dos trabalhos foram solicitados pelos órgãos de imprensa, para alguns a sugestão foi minha. Nem todos, claro, são atores de minha preferência – e a respeito de alguns que mais me marcaram nunca consegui escrever”.

           E assim vai fluindo pelas páginas de O Castelo de Frankenstein o discurso de Salim Miguel, explicando aspectos ainda ignorados da obra de escritores como Guido Wilmar Sassi, Ricardo Hoffnann, Autran Dourado, José Montello, Jorge Amado, Mário Pontes, José Américo de Almeida, Marques Rabelo e Inácio de Loyola Brandão.

             Agiganta-se o autor quando se volta para a obra de monstros sagrados da literatura latino-americana, como Carlos Fuentes, Julio Cortázar, Ernesto Sábato, Guilhermo Cabrera Infante, Jorge Icaza, Juan Rulfo e Gabriel García Marquez, cuja escritura literária interpreta com argúcia e grande cosmovisão cultural.

              Interessante a abordagem feita por Salim Miguel, em torno da obra de Braga Montenegro, mestre consumado do conto brasileiro, mas ainda pouco conhecido do público nacional, pelas circunstâncias do destino que o aferrou aos espaços da sua província natal.

               Gratificante, também, me foi observar a precisão com que o autor penetrou no universo de Gógol, traçando um dos seus mais densos perfis. A interpretação da obra de O. G. Rego de Carvalho igualmente muito me valeu, mostrando-nos Salim Miguel o quanto a sua experiência de crítico o situa como um escritor fora do comum.

                                                                                           In Ossos do Ofício
              v                                                                    Fortaleza: Editora Oficina, 1992

sábado, 7 de maio de 2016

Lavras da Mangabeira - Acervo Documental


              Dimas Macedo


             Lavras da Mangabeira – Ceará (16/05/1816 -16/05/2016): eis o marco de uma civilização e de uma cultura que extrapolaram as fronteiras do Nordeste e que pedem inscrição na própria história do Brasil.

             Desde a aventura da mineração, em meados do século dezoito, até o início do seu declínio, nas últimas décadas do século precedente, viveu de fulgores e de lutas políticas renhidas essa velha comuna cearense.

             Produto de um cruzamento de ribeiras (a do Aracati com aquela denominada de Ribeira do Rio do Peixe), Lavras foi a capital colonial cearense na época da mineração (1752-1754), quando o Ceará era governado por Luiz Quaresma Dourado.

              Depois, tornou-se palco das lutas pela Independência do Ceará (1822-1823) e capital nacional da Confederação do Equador (1824), quando Frei Caneca, perseguido desde a cidade do Recife, dirigiu-se para Lavras com o fim de ali se incorporar ao exército de Pereira Filgueiras.

                A Vila de Lavras era, então, dominada pela família Xavier Sobreira, da qual procede a oligarquia dos Augustos, já “turbulenta e sangrenta intestinamente no seu alvorecer”, na opinião de Joaryvar Macedo, o maior historiador daquela comuna sertaneja.

                 Em 2016, Lavras da Mangabeira comemora duzentos anos da sua emancipação política. Data, portanto, de celebração de suas vitórias, de suas vinditas e da sua nobreza que se vai derruindo, em face das ameaças ao seu patrimônio.

                  Lavras da Mangabeira é uma das cidades do Ceará de história mais bem documentada e de historiografia rica e empolgante, graças às pesquisas de Joaryvar Macedo, no passado, e à exposição dos seus fatos históricos, no presente, pela pena incansável de Rejane Monteiro Augusto Gonçalves.

                  Rejane é autora de um quinteto de livros que tem como foco a história da sua terra e da sua gente, entre os quais, eu destaco os seus perfis biográficos acerca de Fideralina Augusto e do coronel João Augusto e a sua História Eclesiástica de Lavras da Mangabeira, divulgada em 2013.

                Neste ano de 2016, quando o município de Lavras completa duzentos anos de emancipação, eis que Rejane Augusto apresenta-nos mais um fruto das suas pesquisas -  Acervo Documental de Lavras da Mangabeira (Fortaleza: Ed. Expressão Gráfica), repertório de informações e documentos por ela resgatados do Arquivo Público Estadual.

                   Livro rico e precioso e de importância mais do que histórica, porque resgata e cataloga os ofícios da Câmara Municipal de Lavras da Mangabeira, desde 1828, data a partir da qual é possível rastrear a sua vida institucional e as suas manifestações.

                    Este novo livro de Rejane segue os passos daquela que eu considero a sua pesquisa mais afortunada e a mais importante, que é Lavras da Mangabeira – Um Marco Histórico, publicada em 1984.

                     A obstinação de Rejane e o seu trabalho em prol da sua terra, muitos frutos ainda nos trarão. Basta que aguardemos 2017, quando ela nos fará a entrega da sua pesquisa acerca de uma das figuras de maior destaque da história de Lavras – o Dr. Gustavo Augusto Lima, de quem tem o orgulho de ser filha e continuadora da sua tradição.