sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Edições Poetaria

        Dimas Macedo                                     


Edições Poetaria

Editores
Dimas Macedo
Geraldo Jesuino

Conselho Editorial
Giselda Medeiros
Aila Sampaio
Sânzio de Azevedo
Batista de Lima
Rodrigo Marques

Títulos publicados

1 ▪ Dicas Para um Jovem Poeta (1998)
       Pedro Henrique Saraiva Leão
2 ▪ Trajetória (2000)
       Pio Rodrigues
3 ▪ Po&sia Concret@ no Ceará (2001)
       Pedro Henrique Saraiva Leão
4 ▪ As Plumas de João Cabral (2002)
       Pedro Henrique Saraiva Leão
5 ▪ Joaquim de Sousa: O Byron da Canalha ou O Castro Alves Cearense (2003)
       Sânzio de Azevedo
6 ▪ A Metáfora do Sol, ed. (2003)
       Dimas Macedo
7 ▪ Circunstânsias (2003)
       Pedro Henrique Saraiva Leão
8 ▪ Primeiros Poemas, 2ª ed. (2003)
       Dimas Macedo
9 ▪ Algumas Palavras, 2ª ed. (2003)
       Dimas Macedo
10 ▪ Poesias, 2ª ed. (2004)
       Barbosa de Freitas
11 ▪ Bibliografia - Roteiro para Pesquisadores (2004)
       Dimas Macedo
              12 ▪ Recordel (2004)
       Virgílio Maia
13 ▪ Estrela, Vida Minha (2004)
       Inez Figueiredo
14 ▪ O Tatuador de Palavras (2006)
       Fernando Siqueira Pinheiro
15 ▪ Sintaxe do Desejo (2006)
Dimas Macedo
16 ▪ Poemamassado (2006)
       Pedro Henrique Saraiva Leão
17 ▪ Transpondo os Umbrais da Academia (2007)
       Noemi Eliza/ César Barros Leal
18 ▪ Longa é a Noite (2007)
       João Clímaco Bezerra
19 ▪ Oblívio da Ilusão (2007)
       Eduardo Pragmácio Filho
20 ▪ Escritura do Tempo no Conto de Samuel Rawet (2007)
       Vládia Mourão
21 ▪ Tempero (2007)
       Amélia Rocha
22 ▪ Bissextos (2007)
       Luiz Teixeira Neto
23 ▪ Crítica e Literatura (2008)
       Dimas Macedo
24 ▪ As Areias Ardentes do Rio (2008)
       André Lopez
25 ▪ Os Cantos do Luar (2008)
       Rosa Firmo Bezerra
26 ▪ A Expressão Musical e o Direito (2009)
       Diego Nogueira Macedo
27 ▪ O Rumor e a Concha (2009)
       Dimas Macedo
28 ▪ Cinema, A Lâmina que Corta (2010)
       Walter Filho
29 ▪ Poemas Populares (2010)
       José Edimar de Macedo
30 ▪ As Cidades de Chico Buarque (2010)
       Cristina de Almeida Couto
31 ▪ Lavoura Úmida, 3ª ed. (2010)
       Dimas Macedo
32 ▪ Trovas e Poemas (2011)
       Zito Lobo
33 ▪ Literatura Lavrense - Notas para sua História (2011)
       Dimas Macedo
34 ▪ Palavras por Aí, à Ventura (2011)
       Inez Figueredo
35 ▪ Pesquisas de Direito Público (2011)
       Dimas Macedo
36 ▪ A Face do Enigma (2012)
       Dimas Macedo
37 ▪ {Guadalupe} (2012)
       Dimas Macedo
38 ▪ A Voz do Boqueirão (2013)
       Dimas Macedo
39 ▪ Dicionário de Sacerdotes Lavrenses (2013)
       Dimas Macedo
40 ▪ Uma Biografia do Coração (2014)
       José Telles
41 ▪ Caderno de Loucuras (2015)
       Joaryvar Macedo
42 ▪ Liturgia do Caos, 2ª ed. (2016)
       Dimas Macedo
43 ▪ Diálogos Brasileiros (2018)
       André Lopez
44▪ {Codocirio} (2018)
       Dimas Macedo
45 ▪ Oratório de Santa Luzia (2018)

       Rodrigo Marques

























quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Em Torno de Sinhá D ' Amora


      Dimas Macedo


                                                                                                Boqueirão de Lavras
                                                                                               Próximo ao local em que
                                                                                               Sinhá D ' Amora nasceu.

          Sinhá d’Amora tem sido considerada por críticos de arte e historiadores como a maior artista plástica do Ceará e uma das grandes pintoras do Brasil. A sua importância para as artes plásticas, portanto, é incalculável. Acho que a sua obra devia ser mais pesquisada e discutida, assim como acontece com a produção de outros artistas de renome.

         Existe uma pequena biografia de Sinhá que aqui recomendo – aquela que foi escrita pelo Túlio Monteiro. Intitula-se Sinhá D’Amora e foi publicada em 2004 pela coleção Terra Bárbara das Edições Demócrito Rocha, de Fortaleza.

         No contexto da obra produzida por Sinhá D‘Amora, ponho em destaque o apuro clássico e erudito que ela emprestou à sua arte, com trânsito livre por diversas escolas e tendências, mas sempre mantendo os traços da sua originalidade e da sua fidelidade ao Ceará.

          Mesmo com seus quadros expostos em galerias e museus da Europa e da América Latina, tinha um amor muito grande pela sua terra. A Prefeitura Municipal de Fortaleza reconheceu a sua expressão cultural e lhe dedicou um Memorial, com parte do seu acervo, mas isso foi removido posteriormente sem nenhuma explicação, até o momento.

         Sinhá D'Amora circulou muito no exterior e tornou-se bastante conhecida. Esse seu intercâmbio foi de suma importância para a difusão da sua obra. A partir de 1933, ela passou a residir no Rio de Janeiro, onde cursou a Escola Nacional de Belas Artes, complementando os seus estudos na Aliança Francesa, e seguindo, neste passo, a tradição cultural do seu pai, que foi aluno do Bacharelado de Ciências e Letras do Colégio Pedro II.

        Em 1949, transferiu-se para Itália, onde se graduou pela Academia de Belas Artes de Florença, ali tendo cursado, também, a Universidade de Estudos de Línguas e Artes e o Centro di Cultura per Stranieri.

        Em Florença, conheceu alguns nomes expressivos das artes plásticas do século XX, contando-se, dentre eles, Pablo Picasso. Em seguida, ela tomou o destino de Paris, para onde viajou em outras oportunidades e onde cursou a Acadèmie de la Grand Chaumière.

         Sinhá foi uma mulher excepcional. Teve uma formação cultural rigorosa. Foi casada com o escritor Amora Maciel, da Academia Cearense de Letras, mas sempre se mostrou livre e decidida diante dessa relação.

          Preferiu não ter filhos e se dedicou à sua arte e aos seus intercâmbios sempre com muita liberdade. Não se deixou aprisionar pelas convenções sociais. Seu nome oficial – Fideralina – constituía uma homenagem à avó paterna – Dona Fideralina Augusto –, a célebre matriarca de Lavras da Mangabeira (CE), que tanto se destacou na história política do Nordeste.

         Para a minha honra, sou conterrâneo de Sinhá d’Amora, cujo perfil foi por mim tracejado no livro Lavrenses Ilustres (1981, 3ª ed. 2012). Com ela me correspondi bastante, eu, residindo em Fortaleza; ela, no Rio de Janeiro.

          Na década de 1990, Sinhá fixou residência em Fortaleza, e aí, consolidamos uma grande amizade. Frequentei as rodas de chás que ela oferecia para seus amigos, sendo o pivô desses encontros, o Cláudio Pereira, na época, presidente da Fundação Cultural de Fortaleza.

          Sinhá D’Amora tinha uma conversa vivaz e agradável. Era acolhedora e carinhosa. Um grande ser humano, acima de tudo.



domingo, 9 de dezembro de 2018

A Poesia do Salgado - Os Títulos

         Rodrigo Marques

                                           
                                                                      Escritor Rodrigo Marques


Dos livros de poemas de Dimas Macedo, restarão, para uma posteridade ainda longe, apenas as palavras dos seus títulos: Caos; Liturgia; Úmida; A distância; Lavoura; Vozes; Sintaxe; Silêncio; Desejo; Codicírio e outras que a leitora acompanhará neste capítulo ou em alguma parte perdida deste pequeno ensaio sobre o poeta de Lavras da Mangabeira.

Dimas, um aprendiz de ermitão, é daqueles escritores que não abdicam do espaço em branco do papel, manchando-o apenas quando algo válido surge. Nesta espécie de meditação, os títulos também são versos e o que vem depois deles são sombras do que está inscrito na capa. A tradição latino-americana produziu belos títulos. Neruda, Ferreira Gullar, Victoria Ocampo, Hilda Hilst, Octávio Paz: Arte de pájaros, Memorial de Isla Negra, Dentro da Noite Veloz, Tu não te moves de ti, A dupla chama; nem tudo é de poesia, mas os títulos são. Há uma tentação de minha parte em listar mais e mais a confirmar que no fundo todo escrito sobre literatura não passa de uma lista do que se deseja ler ou do que se gostaria de ter escrito.

É preciso conter-me, se não um a um, pelo menos aos títulos de Dimas Macedo de que mais gosto ou daqueles que invejo com um ódio benigno. Não vou seguir a cronologia de publicação, e é mera coincidência aqui tratarmos do primeiro, A distância de todas as coisas, publicado em 1987.

O título lembra igualmente o primeiro livro de Vinícius de Moraes: O caminho para a distância (1933). Ambos apresentam a “distância” em uma dúbia significação, tanto no seu campo semântico natural, relacionado ao espaço, aos mapas, aos destinos e às viagens; como numa significação temporal, de algo perdido no tempo, que ficou para trás, como a infância ou um amor findo. Que a distância é matéria da literatura não se discute, ela está lá nos romances de Joseph Conrad ou no Grande Sertão de Guimarães Rosa, também habita poemas e novelas imemoriais, como o conto do Mandarim, que ganhou forma em português com Eça de Queiroz, e que foi tão bem comentado por Carlos Guinzburg no seu imperdível Olhos de Madeira – nove reflexões sobre a distância.

As distâncias de Vinícius e de Dimas é também uma cartografia literária destes dois poetas, que em seus percursos partiram da palavra solene para o encontro do cotidiano. Vinícius, da linguagem oracular do seu primeiro livro, que depois adequadamente compilou com o título Sentimento do Sublime, chegou, como se sabe, ao mais prosaico cotidiano. Suas últimas parcerias musicais nada lembram o poeta que dizia:

                      Eu compreendi que a morte já estava no teu corpo
E que era preciso fugir para não perder o único instante
Em que foste realmente a ausência de sofrimento
Em que realmente foste a serenidade.

Dimas foi ao encontro do cotidiano não pelo compasso do samba, embora haja em seus versos um latente desejo de música. Sua poesia abandonou o sentimento do sublime através das viagens mundo afora, ao resenhar, em seus últimos livros, cidades e situações corriqueiras, como o menu de um restaurante, um quarto de hotel, uma rua...  sem falar na estratégia de reviver a dicção popular dos seus avós, como o poeta Lobo Manso e os cantadores anônimos do sertão, pela reinvenção da quadra. O destino é o mesmo de Vinícius, resguardadas as paixões de cada um e a dimensão delas. De A distância de todas as coisas até Codicírio (2018), sua poesia se distanciou do tom mais caricato da geração de 45 e se aproximou dos temas e de uma dicção mais informal, sem aquele ar pretensioso de alguém que guarda a verdade do mundo. Aliás, o parceiro de Garota de Ipanema parece ser mesmo o arquétipo de poeta no Brasil, afinal, todos ainda queremos ser Vinícius, e como ninguém consegue ser Marcus Vinícius de Moraes, Dimas, neste início, tateava o que veria a ser Dimas Macedo, o poeta.

Sem se perder do círculo do primeiro título, o seu complemento, “de todas as coisas”, é sintagma que qualifica filosoficamente a distância espacial e temporal. A distância de todas as coisas, pronunciada assim, afirma o caos e o isolamento das partes do mundo, é uma metáfora da nossa solidão e da incapacidade de dizê-la por completo. É o mistério sem mistério, pois no fundo só há o silêncio, e quando o rompemos fabricamos enigmas e não soluções para a Esfinge que, incomodamente, permanece muda.

 Qual a distância de todas as coisas se não o desespero e a consciência de que nos distanciamos de uma Unidade ou mesmo que esta Unidade nunca existiu? Se todas as coisas se distanciar, o que sobrará, o pó, o barro esfacelado? Tal o quadro O Grito, de Edvard Munch, o título da estreia do poeta Dimas é desolador. A imagem, na sua veste de versículo bíblico, é ela mesma uma charada, e nos confunde e nos põe a pensar, a inquirir se o tempo, a distância ou as coisas nos deixaram para trás ou se fomos nós mesmos que abandonamos o chão. E como nos paradoxos pessoanos, a construção desse verso é toda substantivada, sem a presença de verbos ou adjetivos, linguagem primeira que sintetiza um pensamento concreto sem perder o movimento.

A verdade é que Dimas anuncia uma poesia metafísica ou alinhada a esta tradição filosófica, e com ela, ele corre o risco de ser místico ou ensimesmado na própria variação do seu eu. Se seus livros de direito se apoiam no materialismo, sua poesia é idealista, mas daquele idealismo de George Berkeley ou David Hume, questionadora dos limites da própria metafísica e da importância da linguagem para a constituição da realidade. Neste passo, o título Liturgia do Caos, publicado em 1997, sugere uma cerimônia em louvor ao Caos, destrutivo e criador.

A leitora que por ventura tomar este livro, lerá uma espécie de missal ou hinário, e pela brevidade do volume entenderá tratar-se apenas de um fragmento dos rituais do Caos. É uma coletânea de poemas e pronto, e o que se vê ali são poemas breves e distantes de um culto pagão. A sugestão é de que a poesia ela mesma tenha uma potência de Caos, pois ao mesmo tempo que é uma linguagem que desagrega a sintaxe, a coerência e a coesão de uma Ordem racional, cria à maneira do Deus, segundo os desejos de sua consciência e o modo como opera as relações de causa e efeito. Caos e criação de forma cíclica e contínua. Mas o que cria Dimas com seus poemas? Por se tratar eminentemente de uma lírica, Dimas cria uma persona, um personagem, um ser feito de palavras, mais do que feito de palavras, é feito de gestos, de acentos, de uma entonação, de uma voz. Aí, acredito, reside o sentido mais precioso da palavra liturgia neste contexto.

Uma liturgia não é só feita de palavras, senão de gesto e música. O aspecto teatral da liturgia, sua mise en scene, compõe a formação daquela persona. É uma persona eminentemente dramática, o sentimento é o de um poeta do final do século XIX, cuja tradição em língua portuguesa se assenta em Cesário Verde, Camilo Pessanha, Fernando Pessoa e Augusto dos Anjos. A liturgia do Caos também é uma liturgia de um Eu que Dimas Macedo arrisca compor ao longo dos seus livros. A dificuldade não está propriamente nas palavras, mas em adensar uma voz própria. A liturgia também se faz na repetição, na disciplina, em termos poéticos, na técnica, no leit motiv, na consciência estética, no diálogo com os mais antigos.

E nesse falar em Línguas, Codicírio, é dessas palavras que surgem no auge do transe, na embriaguez dionisíaca. E em sua novidade de neologismo, deixa em aberto possíveis significados. O mais evidente destes significados transparece a ideia de um alfarrábio ou de uma coleção apócrifa de algum poeta coletivo, um códice que fora perfumado ou manchado por um Círio seco, memória de alguma leitora que o folheou. O livro é uma exsicata de um círio, túmulo de uma memória de leitura. E mais do que um livro imaginário são as histórias da leitura deste códice improvável que o título projeta, como se a leitora que esquecera a flor na página fosse feita de areia e não o livro, para aqui recriar a imagem de Borges, e por metonímia as leituras que se fizeram desse Códice. Afinal, em que lugar da cidade de Fortaleza ou do mundo se ler Dimas Macedo? E quem mais, além de tu, leitora, e de Geraldo Jesuíno, está lendo A Poesia do Salgado? O plano da escrita e talvez de toda a escrita literária seja mesmo o da falta, uma lacuna que, em outra chave, podemos ler como silêncio, é o preço do texto poético e o motor último do Desejo.

Sintaxe do Desejo e Vozes do Silêncio são os últimos que acabo de glosar, porque os vejo como sinônimos, apesar de meu impulso seja remoer outras tantas páginas sobre Estrela de Pedra, uma estrela que perdeu o brilho, mas não o calor.... Enfim, a sintaxe do silêncio é o desejo e só a poesia poderia chegar a este paradoxo de forma clara como um enigma.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Dona Fideralina Augusto - Mito e Realidade


       Cristina Couto


   O efeito mágico que as águas do Rio Salgado têm feito na vida dos lavrenses sempre foi um verdadeiro prodígio. Seu poder de fertilização edificou na mente dos seus filhos a capacidade de poetizar e de buscar a fundo suas origens.

Em Lavras da Mangabeira (CE) e na região do Cariri ninguém reinou tanto como Dona Fideralina Augusto, mulher forte, que viveu à frente do seu tempo, numa época comandada pelos homens. Ela foi senhora da sua vontade e da vontade de muitos. Nada nem ninguém ousou desobedecer a essa velha matrona.

            Na sua terra natal, tudo parece que virou folclore, como nos contos mitológicos das grandes civilizações, especialmente porque aquele Município viveu todas as suas fases, tais como o nascimento, apogeu e declínio, nos permitindo, agora, uma volta ao seu passado glorioso.

            Dimas Macedo é, hoje, o maior historiador lavrense. Com a sua memória fotográfica e o seu poder de percepção aguçada, capta as histórias perdidas e as informações escondidas. Sua sensibilidade de poeta e sua genialidade intelectual ultrapassam as fronteiras do tempo.

Ao escrever Dona Fideralina Augusto – Mito e Realidade (Fortaleza: Armazém da Cultura, 2017), Dimas faz justiça com as próprias mãos e com o brilho da sua palavra, contestando as muitas inverdades sobre a velha matrona lavrense. Neste livro, o autor busca resgatar a história como ela é, e não como as pessoas gostariam que ela fosse.

Com a leitura deste livro, o que acabamos descobrindo é que a fênix lendária de Lavras da Mangabeira – Dona Fideralina Augusto –, renasce das cinzas em que muitos dos seus opositores teimaram em enterrar a sua memória.

            Nele, Dona Fideralina Augusto ressurge magnífica, imperiosa e poderosa como sempre foi, e sua história, que outrora fora escrita com estilhaços de pólvora do seu bacamarte, agora acha-se reescrita com a caneta do seu admirador maior e arqueólogo da cultura lavrense, Dimas Macedo.

domingo, 2 de dezembro de 2018

Decifrando Dimas Macedo

       Cristina Couto
                                                 


          O universo literário, ao qual pertence o poeta Dimas Macedo é tão amplo quanto o seu universo cultural. Dotado de uma inteligência ímpar, de uma memória invejável e de uma sensibilidade notável, carrega numa só alma e numa única existência a inspiração do poeta, a marca criativa do escritor, a inquietude do pesquisador, a imparcialidade do jurista, a analise valorosa do crítico literário, e a generosidade do amigo.

          Esse ser é tão especial e tão grande que chega a transbordar pelos poros, pelos dedos e pelos sentidos.

        Assim, como todo e bom lavrense, Dimas carrega no peito e na alma a marca e o amor pela terra natal. Ele pertence a uma geração de grandes poetas, escritores e pesquisadores lavrenses que sempre colocaram o torrão natal em primeiro plano. Os poetas a cantam, os pesquisadores a decifram e os escritores a descrevem.

        Conhecida como celeiro de intelectuais, terra de homens destemidos, corajosos e prestigiosos, a Princesa do Salgado viveu seus tempos de apogeu, mas, como toda grande civilização teve seu declínio e seu fim. Vivemos hoje dos seus tempos áureos de muita luta e muita glória, de um passado brilhante, do qual, podemos nos orgulhar.

        Não tenho dúvidas, a nossa pequena Lavras, existe apenas, na literatura, e para nós, lavrenses que a amamos incondicionalmente ela se encontra no tempo da delicadeza perdida. O que é lamentável.

        Dimas como poeta consegue transportar sua alma para os mais diversos mundos, sobrevoa leve toda a galáxia, mas sempre retorna para as margens do Rio Salgado, e corre outra vez menino para as travessuras na Rua da Praia; a inquietude do pesquisador mexe com a alma sensível do poeta e o faz retomar as investigações dos fatos passados, e agora na pele do escritor os registram para que a nossa história não seja esquecida.

        O olhar microscópico com que analisa as obras literárias acaba valorizando a escrita e o viés de cada autor dentro do seu universo literário; Dimas é um amigo generoso, um caçador de talentos, dando a cada um de nós a oportunidade da revelação.

        Filho de uma grande mulher, Dona Eliete, do poeta Zito Lobo e sobrinho do historiador Joaryvar Macedo, Dimas herdou da mãe a coragem, do pai a diplomacia e do tio a responsabilidade de continuar as pesquisas e os registros sobre a história de Lavras da Mangabeira e do Ceará. Herança que sempre levou ao pé da letra e tem desfrutado com muita maestria.

      Amante das letras e apaixonado pela vida, Dimas é uma figura pública reconhecida e respeitada por todos. Seu nome é sinônimo de credibilidade e de referência nas mais diversas áreas do conhecimento. 

       Autoridade em Direito Constitucional, em História do Ceará, em especial, de Lavras da Mangabeira, biógrafo, cordelista, poeta erudito e popular, ele consegue desde a erudição ao populismo, sem perder a genialidade do seu espirito poético.

         Dimas é único e muitos, é grande demais para caber nos recantos minúsculos da mente humana, mas ele não deixa por menos, se faz pequeno para entender a pequenez dos mortais. Ele é capaz de ocupar um espaço e todos os outros.
     
             Ele é enigmático, é mágico, e é real. Homem ele é grande, amigo é cativante e poeta é altíssimo.
                                                                                          Fortaleza, 10 de agosto de 2017

sábado, 1 de dezembro de 2018

Clauder Arcanjo e a Separação


Dimas Macedo



        Separei-me da crítica e já não tenho habilidades para fazer uma resenha. Tenho lido romances e coleções de contos que agradam, como é o caso de Separação, de Clauder Arcanjo (Mossoró: Sarau das Letras, 2017), contudo, após a leitura, as ideias se dissipam e se contorcem como se fossem sarças.

        Tenho consultado críticos de renome, como Vera Oliveira e Dias da Silva, mas eles apenas me confundem. Dizem que a crítica não existe e que sou um visionário em busca de uma mãe, e que a ausência que sentimos da mãe, transforma-se num princípio de dissolução que nos leva para a criação da arte. Citaram Freud e depois Montaigne, Ulisses e Guy de Maupassant.

        Pediram-me os escritores Sânzio de Azevedo e o Batista de Lima que eu rezasse pensando na alma de Araripe Júnior, de Antônio Cândido ou de Braga Montenegro, e que fosse até Belo Horizonte e pedisse para o Fábio Lucas alguma sugestão para continuar escrevendo, mesmo diante da morte da crítica e do ensaio.

       Disseram-me, ademais, esses dois escritores, que o Clauder Arcanjo nunca seria um Machado de Assis, e que Licânia era apenas um pontinho no mapa diante da Macondo de García Márquez. E acrescentam que a Comala de Rufo ou a Santa Maria de Juan Carlos Onetti eram superiores a esse lugarzinho sem eira nem beira, povoado de búfalos e dragões.

       E se não era Campanário, a cidade mítica de Audifax Rios, perguntei se estavam falando de Alcides Pinto, o criador de demônios e dragões, que viera da gente de Licânia, mas achei que estavam cobertos de razão, especialmente, quando Sânzio de Azevedo se referiu à utopia que Batista de Lima chamou de Tabocal.

        Quanto às minhas ilusões de crítico literário, pensei: “Freud, que seja, lembrando os ensaios de Vera Oliveira reunidos em O Beijo da Mãe (Brasília: Thesaurus, 2017), mas Dias da Silva, jamais, pois não se pode mesmo confiar em um crítico nascido em Mangabeira”!

        Durante toda a minha vida, nada mais fui do que um princípio de dissolução. Daí eu ter me identificado tanto com o novo livro do autor de Licânia, que disse, certa feita, ter se inspirado num poema meu para escrever um dos seus contos mais conhecidos.

        Duvido que isso tenha acontecido, apesar do autor ter usado uma epígrafe de minha autoria no início de um dos seus textos. Na época, achei a coisa um pouco exagerada, mas depois, de forma vaidosa, fui me acostumando com o fato de ser um escritor referido por um grande contista.

        “O deserto da alma, poeta, foi que me levou a escrever Separação, a melhor coisa que consegui realizar, o que me deixa um pouco apreensivo, pois não tenho mais jeito para cavoucar as ideias. Acho que a minha medida saiu um pouco do lugar. Não sei mais o que contar, porque, igualmente, acho que já menti de forma exagerada”.

          Esta confidência do Clauder, me pegou de surpresa e me deixou um pouco abobalhado, pois, ao que sei, trata-se de um escritor de sucesso, de um leitor voraz e compulsivo, que sabe o quanto custa A Consciência de Zeno, e que teve a coragem de dizer que Ana Karenina é uma grande personagem.

          Claro que o autor de Licânia (Mossoró: Sarau das Letras, 2007) sabe o que é uma estória curta, mas em Separação tornou-se tão econômico com o verbo, que terminou resumindo o seu primeiro conto a uma revoada de pássaros, como se o casamento fosse um ato de suspensão da vida.

           Daí em diante, Clauder tomou uma tesoura, fez uma coivara dos textos e os nubentes nunca mais foram os mesmos. Até eu me separei da crítica e divorciei-me da literatura como se fosse morrer de verdade.

           Achei, então, que estava imitando Machado de Assis, o mais inacessível dos nossos escritores e o mais denso e sutil dos nossos romancistas, ainda hoje repetindo em nossa consciência as lições que nos levam à beira do abismo.

           Separei-me da crítica, sim, mas para viver com a proposta pregada pelo Clauder Arcanjo: separações plurais, separações sem fim, porque, leitores, o casamento entre pessoas jamais existiu, e porque a vida é uma separação entre o que existe e aquilo que nunca se tornou possível.
                                                                                     
                                                                                                             Barro Preto (CE), 1º/06/2018