segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Reedição Deleitosa da Liturgia do Caos

               Vianey Mesquita

                                                                             
            Eis que me chegou de improviso, sem qualquer recado prévio e recebido de presente da parte do acadêmico Geraldo Jesuíno, a segunda edição do cânon poético, objeto da titulação deste comentário, oriundo da colheita fartamente produtiva do ecumênico escritor Dimas Macedo. 

            Lavrense dos mais ilustres, ele é componente de uma admiranda fileira de conterrâneos militantes em vários terrenos da produção intelectiva, com ativo fixo de 35 livros, dos quais foram sacadas várias reedições, fato que ajuda, en passant, a se mensurar, conquanto por cima, a axiologia qualitativa dos seus bens literários de raiz. 

            Sem dúvida, é apontamento favorável, registro propício à história cultural da nossa Terra, recheio novo para seus armazéns caligráficos, não somente porque se esgotara a príncipe vintenária, cujo rebento foi delivrado em 1996, mas, em especial, pelo fato de que concede ao público mais verde na seara poética o lance de se aprofundar nos pés mimosos dos seus metros brancos, insuperáveis no engenho estrófico e inexcedíveis em fascínio e entusiasmo.

            O Cantor de Estrela de Pedra (1994) e Vozes do Silêncio (2003) detém uma lista fecunda com proveitos de boa monta até hoje publicados, aliás, evento pouco comum em se referindo a escritores do Ceará e de outras unidades federadas menores. Eo ipso, atraiu imensa aleia de admiradores, mediadores de nomeada, apreciadores honestos e desinteressados, arquitetos circunspectos da palavra, os quais o acolitam, às dezenas, ao retratarem com detenção e compostura analítica os seus escritos, enricando, pro rata tempore, o romaneio crítico afortunadamente amealhado por Dimas Macedo, em sua tematicamente multímoda pilha librária, iniciada em 1978, com a vinda a público de Cor de Estrela, contando ele 22 anos de idade.

            Para unicamente demarcar o sinal de seus haveres críticos, é suficiente informar o leitor de que, somente nas guarnições da segunda edição do Liturgia do Caos (2016), tem registo a opinião alçadamente positiva em nada menos de sete juízos analíticos, expendidos por figuras da intelectualidade nacional, em cujo meio se expressam, por exemplo, José Alcides Pinto, Jorge Tufic e Antônio Justa, acrescendo-se o Prof. Dr. Roberto Pontes, também escritor cearense de renome em todos os países de glotologia lusofônica, o qual assinou matéria, inserta  na quarta capa da edição sob comento, publicada no O Pão, de 10.12.1997.

            Sobejamente me apraz a mim, consequentemente, proceder a este registro, na convicção de que o livro transmitirá, segundo fez comigo, a mais completa satisfação a consulentes afeitos à poesia de alteada qualidade, ao jeito como soem ser as do Escritor lavrense – um das dezenas que há por aqueles pagos, a quem o Criador concedeu dotes, a destra cheia, para o ofício de edificadores de textos e portadores de outros apercebimentos científicos e culturais, a for dos casos - verbi gratia e entre os constantes de um alentado catálogo - de Almir (dos Santos) Pinto, João Gonçalves de Souza, Linhares Filho, Filgueiras Lima e Batista de Lima.

            Guardo com orgulho o fato de já haver tido sob glosa o meu antepenúltimo trabalho, intitulado Nuntia Morata – Ensaios e Recensões (2014), em subida exegese positiva do Prof. Dr. Dimas Macedo, ao mesmo passo em que armazeno a felicidade de ter logrado poder comentar livros seus – e com os aprovos e aplausos – como o ocorrido com A Metáfora do Sol e Direito Constitucional, seções de meu Reservas de Minha Étagére – Aproximações Literocientíficas (no prelo).

            Desta arte e a jeito de fecho, performo novamente a expressão do meu júbilo pela ocorrência da segunda edição de Liturgia do Caos, do Prof. Dr. Dimas Macedo, livro a conceder à Arte Literária coestaduana o atestado de veracidade e essência, configurado no caráter de correção (desta literatura e da pessoalidade de seu Autor), e a peculiar inseparabilidade elocutória, cujo estilo o consulente bem aprestado conhecerá desde as primeiras linhas, mesmo sem ter visto sua assinatura, no âmago de sua [...] palavra lírica, telúrica, metafíisica, erótica, mutante, conforme dicção de Jorge Tufic, n’A Crítica, de Manaus – outubro de 1996.

            Glorifique-se, por derradeiro, um dos melhores poemas da segunda edição, a repousar no tratamento gráfico magistral concedido pelo Prof. Geraldo Jesuino da Costa, aformoseando, plástica e superfluamente, a então já copada e frutuosa árvore do nada caótico, mas bastante litúrgico volume.

            Benedicamos Domino!

A Fideralina de Jussara Germano



             Dimas Macedo


Jussara Germano - Qual é a relação de Fideralina Augusto na constituição da sociedade lavrense? E quais aspectos ela significou à sua sociedade?

Dimas Macedo – A relação de Dona Fideralina Augusto com a sociedade lavrense é visceral e representa a afirmação e a arrancada definitiva da vila e, depois, da cidade de Lavras para a sua inserção no quadro da cultura nordestina. Desde os seus primórdios, o seu bisavô, Francisco Xavier Ângelo Sobreira, os seus tios-vós e o seu avô materno, Manoel Rodrigues da Silva, se fizeram baluartes da emancipação política do município de Lavras, e tomaram partido nas lutas pela Independência no Ceará. Também o seu pai, o tenente-coronel João Carlos Augusto, e o seu marido, o major Ildefonso Correia Lima, contribuíram, de forma irreversível, com esses atos de constituição e de crescimento de Lavras da Mangabeira. A ela coube o papel de continuadora dessa tradição, mas é sob a sua égide que a vila de Lavras alcança o seu status de cidade e o apogeu do seu sistema político, baseado em uma oligarquia que ela comandou com pulso de ferro, cuidando da educação dos seus filhos e administrando, com rara competência, o seu patrimônio político. Dona Fideralina não foi apenas uma líder política extraordinária, mas uma latifundiária e uma empresária de grande visão.

Jussara - Fideralina viveu em uma época onde as mulheres não tinham tanta participação social, o que você diria que possibilitou a ela o espaço na política, economia e administração?
Dimas – Na vila de São Vicente das Lavras a educação formal do sexo feminino somente foi permitida em 1856, quando Fideralina Augusto tinha vinte e quatro anos, já era casada e mãe de vários filhos. É interessante observar que ela ficou viúva ainda jovem e que cuidou com esmero da educação dos seus filhos. Tudo, na sua época, funcionava contra as aspirações e os direitos da mulher. Ela, no entanto, soube furar esse bloqueio e firmar a sua personalidade. Nesse sentido, ela foi uma pioneira. E uma pioneira ainda mal estudada, mal interpretada, diluída entre fantasias e histórias que falam de um mito, mas que não se voltam para a sua vida real. Daí me parecer oportuno o estudo da sua época e da sua personalidade no âmbito da vida acadêmica, com os recursos da pesquisa de ordem científica. 
 
Jussara - Sendo mulher de decisões firmes, Fideralina possibilitou aos lavrenses e às demais pessoas a criação de uma memória sobre a sua personalidade enquanto figura pública e mulher. Diante de tantas pesquisas e da vivência lavrense, o que possibilitou a criação desta memória? Qual é a memória que prevalece sobre Fideralina Augusto Lima em Lavras da Mangabeira Ceará?

Dimas – A disputa de memória em torno de Dona Fideralina Augusto está ainda começando. O que se firmou, até agora, foi unicamente o mito e a fantasia, apesar dos estudos de Joaryvar Macedo e das minhas contribuições. O roteiro biográfico de Rejane Augusto (A Vocação Política da Fideralina Augusto Lima, 1990) e a biografia de Melquíades Pinto Paiva (Uma Matriarca do Sertão – Fideralina Augusto Lima, 2008) são ainda embrionários e estes autores são seus descendentes diretos, isto é, trazem dos seus ancestrais os fulgores da herança e a força da tradição familiar. Esse ciclo precisa ser rompido. É o que pretendo fazer nos próximos anos, com a publicação de um livro definitivo sobre essa ilustre matrona. Um livro contextualizado, que tem como marcos os anos de 1773 (quando ocorre o matrimônio do bisavô materno de Fideralina, na Igreja Matriz do Icó) e 1923 (data em que se verifica o assassinato do Coronel Gustavo, última representação de Dona Fideralina, no centro comercial de Fortaleza). Um ensaio escrito com as luzes da Ciência Política e da Sociologia Política, mas que paga tributo à Historiografia e à verificação apodítica dos documentos e dos fatos protagonizados por Fideralina Augusto e pelos seus descendentes, na época em que ele atuou como soberana e como rainha sem coroa.

Fátima Lemos - Moinhos do Tempo

              Dimas Macedo

  
            Maria de Fátima Lemos Pereira Cândido, ou Fátima Lemos, como é conhecida no meio literário, é natural de Lavras da Mangabeira. Foi alfabetizada por sua mãe, a professora Ester Lemos, com a qual estudou até a segunda série primária, tendo Sebastião Pereira de Sousa, seu pai, como referência.

           Fátima fez o seu aprendizado, igualmente, com a professora Socorro Oliveira, e iniciou o ginasial no colégio da CENEC, em Mangabeira, transferindo-se para Fortaleza em 1970, onde concluiu o primeiro grau no Colégio Estadual Marwen, cursando o pedagógico no Instituto de Educação do Ceará e no Colégio Capistrano de Abreu.

           Na Universidade Estadual do Ceará cursou licenciatura plena em História, e ali concluiu a sua formação em Pedagogia, com habilitação em Administração Escolar, fazendo na Unifor, o cursou de Especialização em Família – Uma Abordagem Sistêmica.   
   
           Em 1972, iniciou sua carreira de professora no Colégio Casimiro de Abreu, no Carlito Pamplona e, em 1976, foi contratada pelo Governo do Estado para integrar o quadro de professores fundadores do Colégio Estadual Paulo VI, em Mangabeira, seu distrito de berço.

Ainda como professora da rede pública de ensino, trabalhou no Colégio Dom Quintino, na cidade do Crato, e na Escola Normal de Juazeiro do Norte. De volta à Fortaleza, em 1980, fez-se professora da Escola Estadual Maria Gonçalves, assumindo, também, a coordenação pedagógica do Colégio Monteiro Lobato, do seu tio, o professor Paulo Crispim.

           Em 1984, fundou o seu próprio estabelecimento de ensino, a Escola Professora Maria Ester, hoje Colégio Maria Ester, com serviços prestados às comunidades da Serrinha, Passaré, Itaperi e bairros vizinhos.

           O Colégio Maria Ester, sob sua orientação, é muito conceituado em Fortaleza. Conta com aproximadamente mil e quinhentos alunos, e mantém uma Academia de Letras, a Academia Maria Ester de Leitura e Escrita (AME), formada por crianças e jovens das duas unidades de ensino.

            Pedagoga de renome, em todo o Ceará, tem como referência teórica principal os ensinamentos de Paulo Freire. Escreve textos pedagógicos para pais e professores, que são divulgados no jornal Perspectiva, do Colégio Maria Ester, e em seminários, cursos e palestras por ela ministrados.

            É autora de dois livros infantis de caráter pedagógico: Lili, a Boneca de Pano e Veloso, o Gatinho Congelado, ambos publicados em 2009, e de um livro de ensaios e poemas: Histórias Para Contar e Poemas do Meu Viver (Fortaleza: Premius, 2010).

            A sua formação pedagógica e o domínio da Literatura Infantil fazem do seu nome uma legenda. Trata-se de pessoa afável e afetuosa e de escritora de texto sutil e elegante, surpreendo-nos, de quando em vez, com o exercício da sua produção, como é o caso do seu livro Moinhos do Tempo (Fortaleza, 2016), no qual, ela desata os alforjes e lima os seus poemas e os seus textos em prosa, ajustando, com tecidos de linho, a sua arte literária.

            A modéstia com que constrói a sua trajetória, pondo cimento e areia e apenas um pouco de fermento no seu texto, não nos deixa ver, de permeio, a importância e o significado que a sua obra representa.

            No seu livro Moinhos do Tempo, Fátima Lemos expõe o seu universo estético e criativo, elevando a sua escritura literária a uma estação ainda mais eloquente, o que faz desse conjunto de textos um relicário aberto para a fruição dos sentidos.

 Apesar das atividades que desenvolve em Fortaleza, sempre dispõe de tempo para colaborar com o seu Município, ali proferindo palestras para pais e professores e integrando uma equipe de voluntários que desenvolve atividades em prol da Paróquia de São Sebastião.


  Integra, como sócia titular, a Academia de Letras dos Municípios do Ceará, a Academia Feminina de Letras do Ceará, a Academia Lavrense de Letras e a Ala Feminina da Casa de Juvenal Galeno.

                                                                                                                                        Fortaleza, 2016.

domingo, 14 de agosto de 2016

A Bagaceira - Um Clássico da Nossa Ficção


         Dimas Macedo
             

          É sempre com alegria que retomo, de tempos em tempos, a leitura dos clássicos da literatura nacional, flutuando as minhas preferências ao sabor dos encantos com que descubro edições críticas ou fac-similares de livros consagrados pelo público ou aprovados pelo rigor metodológico da crítica.

          A vigésima segunda edição do romance A Bagaceira, de José Américo de Almeida (Rio: José Olímpio, 1985), que traz ilustrações de Poty e estudo crítico de M. Cavalcanti Proença, é bem um exemplo, tipicamente brasileiro, de livro que tem resistido à voragem do tempo e às circunstâncias eliminatórias da durabilidade e da tradição.

         Publicado, pela primeira vez, em 1928, A Bagaceira passaria para a nossa história literária como um dos momentos mais lúcidos da sua maturação, abrindo perspectiva nos processos de crise e de tragédia em que se encontrava hibernado o romance nacional, a ponto de renovar, inclusive, a elaboração estética que a literatura das secas havia instaurado entre nós.

         Ostentando uma trama simples e comovente, sem maiores complexidades psicológicas ou de natureza linear, esse romance de José Américo de Almeida empolga, principalmente, pela profusão de uma linguagem aliciante e metafórica, exibida como condição de denúncia dos cenários que o autor busca interpretar, tendo em vista a nossa estrutura social.

         O sentido possessivo e indominável da personalidade de Dagoberto; os conflitos que modelam a compreensão das diferenças experimentados por Lúcio Marçau; o instinto libidinoso e erótico, sempre palpitante e aceso no espírito e no corpo de Soledade; os valores referentes à reparação da honra ultrajada, vivenciada pela revolta de Valentim; o desejo de satisfação sensual permanentemente reprimido nas cogitações sexuais e afetivas de Pirunga; e a condição de subproduto social divisada na expressão submissa de Xinane – são situações que, incontestavelmente, emprestam ao romance de José Américo de Almeida uma envolvente beleza polissêmica e uma aliciante grandeza literal.

          O livro, todo ele costurado por uma simbologia sensorial e sugestiva, trescala como que o aroma da poesia brejeira e o perfume estonteante da simplicidade das coisas do sertão. 

           Em A Bagaceira, cada assunto aflorado na tessitura discursiva, recebe do autor um tratamento todo especial, quer seja de natureza estética ou estilística, quer seja de valorização da linguagem ou do conteúdo paisagístico vividos pelos seus personagens principais.

           Trata-se, pois, de um livro cuja leitura hoje mais do que nunca se impõe. Desfrutar aquilo que se esconde por trás da expressão dessa obra de José Américo de Almeida é vivenciar um exercício de admiração. Mais do isso: é penetrar num universo que somente os obstinados pela sugestão da arte literária sabem compreender e, integralmente, problematizar.
                                                          
                                        In Ossos do Oficio (Fortaleza: Editora Oficina, 1922)

Literatura, Arte e Direito


         Dimas Macedo
 
                                             
            Fernando Ferraz é poeta. Pertence à grei dos que vieram ao mundo para recriá-lo pelo domínio soberbo da linguagem, pela expressão da palavra com a qual a vida humana se conforma.

            O Direito é Linguagem, e Fernando Ferraz também é jurista, o que significa dizer que ele sabe transitar pela Pragmática da alteridade, tendo-se em vista a busca da Justiça e a conciliação dos conflitos nos quais o homem se enreda, enquanto construtor da vida social.

              Equilibra-se, portanto, o professor Fernando Ferraz, entre o reino absoluto do desejo e os limites jurídicos ligados ao interesse público; entre a Cátedra do Direito, que sempre exerceu com maestria, e a oficina das formas que modela a sua criação.

              Viajante do Direito, assim como arquiteto vigoroso da Poesia, Fernando Ferraz conhece as coisas da Política pelo coração; e pela estima ele se projeta, recriando para os seus alunos a Hermenêutica do Direito.

               Direito, Arte e Literatura (Fortaleza: Expressão Gráfica, 2016) é livro no qual ele afirma a paixão por estes insights de apreensão da realidade, provocando-nos com as suas perguntas sobre o ser, o existir e a cumplicidade com que estas formas de pensamento se articulam almejando a sua parceria.

                O que é o Direito? O que é a Música como expressão do sentimento? Quais as repercussões da Música e da Literatura diante dos quadros do Poder? E qual a influência do Cinema e da Literatura na construção soberana da Cidadania e no desdobramento do cotidiano?

                 São perguntas e não respostas aquilo que Fernando Ferraz formula para os seus leitores, como se isto constituísse a sua dimensão socrática a provocar a nossa autonomia, com a semântica das suas reflexões e com as conclusões da sua cultura filosófica.

                  Leitor, não seja indulgente com o autor deste livro. Mergulhe, ao revés, na espessura do seu texto, no espelho harmonioso da palavra que ele reinventa, enquanto Liberdade e significado do Direito, fenômeno social que já não é o mesmo, diante da Arte e da Literatura.