quinta-feira, 28 de novembro de 2019

O Erotismo em Guadalupe, de Dimas Macedo

Fernanda Diniz



Introdução


O objetivo deste trabalho é apresentar um estudo acerca do caráter erótico presente nos poemas que compõem o livro Guadalupe, publicado por Dimas Macedo em 2012. A obra é composta por 45 poemas distribuídos em três partes, a saber: 1) “Alfabeto”; 2) “Suíte” e 3) “Poemas e canções”. Neste trabalho, focalizaremos os poemas constantes na segunda parte da obra.
Para o desenvolvimento dessa proposta faremos uso das contribuições de estudiosos como: Octávio Paz, Georges Bataille e Lúcia Castello Branco.
A partir dos textos estudados, é possível verificar que a expressão artística dos poemas de Dimas Macedo, assim como a essência do erotismo, concretiza-se em função de um impulso em busca da totalidade do ser e da vitória sobre qualquer forma de repressão do corpo e da alma.

Sobre o Autor

Dimas Macedo é professor, jornalista, jurista, ensaísta e crítico.  Nasceu em Lavras da Mangabeira no dia 14 de setembro de 1956. É filho de Maria Eliete de Macedo e José Zito Macedo, poeta popular. Em sua cidade natal, estudou no Grupo Escolar Filgueiras Lima e no Colégio São Vicente Ferrer. Já em Fortaleza foi aluno dos Colégios Joaquim Albano e João Hipólito de Azevedo e Sá.
Dimas é Bacharel pela Unifor. Tem Mestrado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (1987) e Livre-Docência em Direito Constitucional pela Universidade do Vale do Acaraú (2012). Foi Professor Adjunto da Universidade de Fortaleza no período de 1985-1990. É Procurador do Estado do Ceará e Professor Adjunto da Universidade Federal do Ceará.
É integrante da Academia Cearense de Letras e da Academia de Ciências Sociais do Ceará. Publicou diversas obras, dentre as quais estão: A Distância de Todas as Coisas (1980, 2ª ed.1987); Lavoura Úmida (1990); Lavrenses Ilustres (1981, 2ª ed. 1986); Leitura e Conjuntura (1984); A Metáfora do Sol (1989); Ossos do Oficio (1992); Ensaios de Teoria do Direito (1985); O Discurso da Constituinte (1987); A Brisa do Salgado (2011) e Dona Fideralina Augusto: mito e realidade (2017).
O conjunto da obra de Dimas Macedo revela um escritor cônscio do seu fazer literário e do seu compromisso com a arte da palavra. Ao tratar, por exemplo, sobre a obra poética de Dimas Macedo, Hildeberto Barbosa Filho ressalta:

Dimas Macedo se revela um poeta plural, plural no terreno pantanoso do desejo, mas unitário e uniforme dentro da concepção estilística e das exigências técnicas e formais. Dimas Macedo é um poeta da palavra, mas da palavra de índole discursiva e de pesquisa metafórica, infenso, portanto, aos chamados lúdicos e metalúdicos de certas tendências experimentais em que tanto se comprazem alguns poetas contemporâneos[1].

            Assim, a produção do escritor permite a visualização de uma trajetória artística e intelectual consolidada no âmbito da Literatura Brasileira, configurando-se como uma das vozes mais significativas do contexto literário cearense da atualidade.

O Erotismo em Guadalupe

            Guadalupe é composto por três partes. A primeira parte, “Alfabeto”, é integrada por 18 poemas intitulados com nomes de cidades de diferentes lugares do mundo. A segunda, que recebe o nome de “Suíte”, é composta por 16 poemas, e a última, cujo título é “Poemas e Canções”, abarca 11 poemas.
            Para o estudo do caráter erótico da obra, deteremos nossa atenção aos poemas da segunda parte do livro, “Suíte”.
            Antes de iniciarmos a análise dos poemas é interessante apresentar, ainda que brevemente, a história de Eros abordada por Platão, em O Banquete, uma vez que o erotismo é o foco deste estudo. Na obra, o filósofo grego descreve o nascimento de Eros, explicando alguns detalhes até mesmo no que se refere ao aspecto erótico. De acordo com Platão, quando Afrodite nasceu, os deuses prepararam um banquete para homenagear o nascimento da linda deusa, e entre eles estava Poros (o Expediente), filho de Métis. Depois de se banquetearem, chegou Pênia (a Pobreza) para mendigar. Aconteceu que Poros, embriagado de néctar, entrou nos jardins de Zeus e, pesado como estava, adormeceu. Pênia, então, planejando ter um filho com Poros, dormiu com o deus e concebeu Eros. Por isso, Eros tornou-se seguidor de Afrodite, porque foi gerado durante as suas festas natalícias. Além disso, era, por essência, amante da beleza, porque Afrodite também era muito bonita. Eros, então, é filho de Pênia e Poros, por isso é também tem uma natureza pobre e não é, como normalmente se pensa, delicado e belo. É tão pobre quanto a sua mãe e, assim como seu pai, Eros está sempre à procura de seres dotados de belos corpos e almas. Tal busca é voraz e repleta de artimanhas. Eros lança mão de muitos artifícios para atingir seu alvo. Além disso, ele é um encantador forte e envolvente. É este último Eros desejante e complexo que constitui o cerne dos poemas que compõem a obra literária em análise.
Vale ainda ressaltar que em Guadalupe o poeta não explora a pornografia, palavra que se originou no grego pornographos e significa “escritos sobre prostitutas”. Desse modo, em seu sentido literal, o termo refere-se à descrição da vida e dos hábitos das prostitutas e seus clientes. A ideia de comércio já se encontra, pois, no vocábulo pornos, oriundo do verbo pernemi, que significa vender.
Lúcia Castello Branco (2004), em seu livro O que é Erotismo, afirma que a pornografia se refere ao sexo explícito e o erotismo ao sexo implícito, ou seja, para a autora a pornografia é uma maneira de tratar a sexualidade de maneira chula. Já o erotismo opõe-se à pornografia devido ao “teor nobre e grandioso” de sua essência.
Dessa maneira, nos poemas de Dimas Macedo não se constata a noção de exploração do indivíduo como produto ou mercadoria. Pelo contrário, o que se percebe é a busca do outro como forma de se tornar completo, o que é essencialmente um ato erótico. É válido lembrar que o termo erótico provém do grego erotikós, que se referia ao amor sensual e à poesia de amor.
No poema “Cordas”, por exemplo, verifica-se que o desejo amoroso se dá no âmbito da carne e do espírito:

“Cordas”

Meganeto de cordas,
cadência de desejos
com azimute,
perfume de teus lábios
em meus lábios
e essência do teu corpo
no meu sangue:
em chamas,
a tua alma afoita
e a minha alma em chamas.
(MACEDO, 2012, p. 31)

Observa-se que o erotismo está nos sentidos desvelados pelo corpo e pela alma. Cada palavra assume uma significação que se traduz em sentimento. O termo científico “azimute”, na astronomia, por exemplo, se refere, denotativamente, ao ângulo formado pelo plano vertical de um astro e o plano meridional do ponto de observação, conforme está explicito no Dicionário Caldas Aulete[2]. No entanto, no caso do poema em análise, se relaciona ao ponto de ligação entre os amantes que se dá pela união da matéria com o espírito.
Vale salientar que o uso de termos científicos, recurso utilizado por Dimas, também foi bastante explorado na obra de Augusto dos Anjos. Em Perfis do Norte (1913), Santos Neto tratou da obra de Augusto dos Anjos, afirmando que esse, inspirado pelas “grandes ideias filosóficas”, foi um adepto da poesia científica, mas sem fazer didatismos (apud MAGALHÃES JR., 1977, p.192). Assim, também, se demonstra o caráter científico na obra de Dimas que ao trazer o conhecimento da ciência apresenta um vocabulário criativo que contribui com a maior expressividade dos versos que tratam sobre contextos amorosos diversos.
No poema “Gratidão”, por sua vez, percebe-se uma gradação de ações relacionadas ao enlace amoroso: “Vivi, amei, sofri”. Verifica-se aí que o eu-lírico vive intensamente o momento: “a plenitude de tudo que senti”. Apreciemos os versos:

  “Gratidão”

Vivi, amei, sofri
a plenitude de tudo que senti.
E não sei se mereci
o mundo que ganhei.
E por tua gratidão
eu me deixei levar,
e pela tua voz
eu me deixei ouvir,
e pelo teu amor
eu me deixei amar.
(MACEDO, 2012, p. 32)

            No poema “Gratidão”, observa-se um certo caráter de vassalagem, o que nos remonta à poesia trovadoresca produzida em Portugal durante a Idade Média. O ser que ama se coloca diante da mulher amada em uma posição de respeito e de gratidão por toda a grandiosidade de sentimento que lhe permitiu conhecer. Trata-se de um homem que se mostra a serviço da mulher amada e por ela é totalmente dominado.
No poema “Ondas”, o eu-lírico descreve o enlace amoroso a partir do detalhamento de cada parte do corpo da mulher amada:

“Ondas”

A vida vale, sobretudo, quando
o sêmen do amor germina em
[tua boca
ou quando as ondas do meu corpo
[boiam
nas dunas do teu corpo.

ou quando os deuses do prazer
[refrescam
o sal dos teus mamilos
ou quando a flor da tua língua
[plange
no céu da minha boca,

ou quando os deuses do prazer
[reclamam
a combustão do sol em nossos
[dedos.
(MACEDO, 2012, p. 33)


O mesmo poema descreve de forma erótica a união do casal, desvencilhada de quaisquer razões pornográficas ou obscenas. Aqui se faz relevante mais uma vez a distinção entre pornografia e erotismo, já tratada anteriormente. Alexandrian, em História da Literatura Erótica, ressalta que devemos diferenciar o erótico do obsceno e considera a pornografia um:

erotismo sem lirismo, sem concepção de beleza”, o autor afirma: Considera-se que o erotismo é tudo que torna a carne desejável, tudo que mostra em seu brilho ou em seu desabrochar, tudo que desperta uma impressão de saúde, de beleza, de jogo deleitável; enquanto a obscenidade rebaixa a carne, associa ela à sujeira, às doenças, às brincadeiras escatológicas e às palavras imundas (ALEXANDRIAN, 1983, p.8).

Nessa perspectiva, o eu-lírico segue descrevendo, pouco a pouco, o momento do ato sexual, ressaltando a harmonia entre o casal.
No poema “Resina”, o fascínio pela beleza do ser amado reflete uma atitude de encantamento perante a vida. Vejamos os versos:

   “Resina”

De mais a mais
me sinto fascinado
pelos botões de rosa
que brotam dos teus seios,
em meio à flor lilás
da tarde, onde respiro
o aroma sem fim de teus cabelos.
Ah, os teus pelos, os sais,
a flor ardente
a produzir resina nos meus olhos.
(MACEDO, 2012, p. 37)

Trata-se de mais um poema no qual o erotismo se faz presente. A imaginação conduz o ato erótico, pois através dela o sexo é transformado em cerimônia, em celebração, e a linguagem, em metáfora. Por isso, podemos afirmar estarem a poesia e o erotismo inter-relacionados. Sobre essa relação, Octavio Paz afirma:

A relação entre erotismo e poesia é tal que se pode dizer, sem afetação, que o primeiro é uma poética corporal e a segunda uma erótica verbal. Ambos são feitos de uma oposição complementar. A linguagem – som que emite sentido, traça material que denota ideias corpóreas – é capaz de dar nome ao mais fugaz e evanescente: a sensação, por sua vez, o erotismo não é mera sexualidade animal – é cerimônia, representação (2001, p. 49).

Em “Sextilha”, o eu-lírico encontra na mulher desejada a fonte de vida e de morte. Observemos o poema:

                                    “Sextilha”

Não posso mais beber
no porto de teus seios.
A minha carne é fraca
e tanto mais o vento.
Eu sei que vou morrer,
mas isto é muito pouco.
(MACEDO, 2012, p. 40)

O erotismo, reforça Bataille, se configura como uma experiência interior de toda pessoa. Faz parte da vida humana, pois somos seres desejantes, estamos sempre buscando o que nos falta, a continuidade. Além disso, para Bataille “o erotismo é a aprovação da vida até na morte” (2013, p. 35). Dessa maneira, o caráter erótico é uma realidade humana que faz parte do mundo real e do mundo imaginado.
No que se refere à relação vida e morte; Eros e Tanatos, Lúcia Castello Branco acrescenta: “se voltarmos nossa atenção para a natureza, verificaremos que todo nascimento, todo impulso de vida (Eros) acarreta o desaparecimento de algo (um ser, uma situação, um sentimento), implica um impulso de morte (Tanatos)” (BRANCO, 1994, p. 30). À vista disso, a experiência amorosa vivida pelo eu-lírico é eternizada resgatando-se Eros para superar a mortalidade dos seres e das emoções.
Já no poema “Uivo”, a liberdade é a maior ambição do ser desejante:

“Uivo”

Assim como a neblina
que pousa nos teus olhos,
a liberdade do corpo me alucina,
e me fascina o mel da tua boca,
onde o silêncio se põe,
e o uivo do teu corpo
me deixa quase louco
e liberto para sempre.
(MACEDO, 2012, p. 43)

 Como se sabe a tradição da civilização cristã ocidental objetiva alcançar a transcendência a partir da negação do corpo e da carne por meio do amortecimento do prazer. No entanto, nos versos de “Uivo” a transcendência é atingida pela liberdade proporcionada pela comunhão dos corpos que se dá livremente sem opressão e sem culpa.
De acordo com Filoteo Faros, “o Eros não é algo que experimentamos exclusivamente diante de uma pessoa: é, ao contrário, uma atitude perante a vida” (1998, p. 38). Sendo assim, essa busca pela liberdade não é algo de interesse individual, pois se volta para uma busca de liberdade plena e universal para todos os seres humanos.
Em “Retrato”, o eu-lírico demonstra a sua admiração pela nudez da mulher desejada, revelando não apenas uma beleza física atraente, mas, sobretudo, a capacidade que o momento de contemplação amorosa tem de despertar no outro os sentimentos mais plenos de êxtase.

“Retrato”

Quando te vejo nua
eu me revelo.
Eu encastelo o sonho
no cabide.
Escrevo o meu poema
com os olhos.
E vejo o sol nascer
no teu umbigo.
(MACEDO, 2012, p. 37)

No poema citado, verifica-se ainda uma atitude metapoética que se realiza a partir da criação de poemas por meio da contemplação visual do objeto de desejo. No que se refere à metapoesia, Walty e Cury explicam:

O metapoema, ao falar de si mesmo, apresenta-se como um caleidoscópio infinito, em que suas muitas faces se deslocam no tempo e no espaço. Na obra de uma mesmo poeta, pode haver diversas e díspares concepções de poesia. Isso ocorre porque na lata do poeta tudo cabe: o que se cria, o que se copia; o que se escreve, o que se lê [...] (WALTY; CURY, 1999, p. 95).

Dessa maneira, verifica-se que na produção de Dimas a metapoesia é colocada a serviço de um canto de libertação que associa poesia, linguagem e consciência artística.
O poema “Suíte” reforça a ideia de junção dos seres que nos lembra Platão, para quem o erotismo é definido como um impulso vital que ascende até à contemplação suprema dos corpos.

                         Suíte”
Vejo os teus olhos
e deles me aproximo;
comprimo o ar no peito
e me expresso com o corpo.
Sinto um cheiro de orvalho
na concha de teus seios,
e me deixo cravejar de sonhos
fitando o teu umbigo.
   (MACEDO, 2012, p. 37)

Nos versos de “Suíte”, assim como nos de “Resina”, poema anteriormente citado, as imagens sensoriais evocam diferentes sentidos, ocasionando diversas sensações. Desse modo, ao mesmo tempo em que revelam as emoções dos amantes, também conduzem o leitor a pensar sobre elas. A visão, o paladar, o olfato, o tato e a audição são sentidos que dominam o comportamento dos amantes, provocando um intenso prazer amoroso. Os efeitos sinestésicos se fazem presentes constantemente nos poemas de Dimas Macedo, provocando no leitor uma maior aproximação com o ato amoroso descrito.
 Ao longo da leitura da produção poética de Dimas Macedo, observa-se a presença da sexualidade, do erotismo e também do amor, três conceitos explorados por Octavio Paz, em A dupla chama: amor e erotismo.
A sexualidade relaciona-se ao sexo em si, a fonte inicial de vida, tendo em vista que os seres vivos precisam do processo de reprodução para perpetuar a espécie. Segundo o autor mexicano, a “sexualidade abarca o reino animal e certas espécies do reino vegetal. O gênero humano divide com os animais e com certas plantas a necessidade de se reproduzir pelo método do acoplamento, e não pelo mais simples meio da autodivisão” (PAZ, 1994. p.15). Já o erotismo e o amor são derivações do instinto sexual que modificam a sexualidade. O erotismo, uma prática exclusiva dos seres humanos, trabalha com o desejo e com a imaginação. O amor, por sua vez, é o território mais amplo do erotismo. Trata-se de uma inclinação passional por uma só pessoa, proporcionando o encontro de duas pessoas que se atraem mutuamente e alcançam a total sublimação do sentimento.
Dessa forma, nos poemas de Dimas Macedo corpo, sexo e amor se fundem de tal modo que os sujeitos conseguem alcançar a sua plenitude e liberdade plena, conforme verificamos nos poemas comentados neste trabalho.

Considerações Finais

O tema amoroso na poesia de Dimas Macedo não é algo etéreo e inatingível. O que se encontra em seus versos é a fusão entre amor e sexo, alma e corpo.  É nessa união que o lirismo transcende o aspecto físico e alcança a completude do ser por meio da linguagem erótica.
No que se refere à linguagem, Barthes reforça que “eu me interesso pela linguagem porque ela me fere ou me seduz” (2004, p. 47). A linguagem é, assim, responsável pela reação do leitor. Seja pela sedução ou pelo ferimento, a linguagem provoca no outro mudanças e reflexões. Desse modo, a leitura dos poemas apresentados oportuniza a consciência acerca do envolvimento de corpos e de atitudes. Nessa perspectiva, a poesia em tom erótico proporciona uma mudança de comportamento perante a vida de forma mais livre e humana.
A poesia erótica de Dimas Macedo envolve, pois, os aspectos da vida humana, numa atitude de procura pela realização do ser. É nesse contexto que o erotismo se insere na produção do poeta cearense, enquanto energia capaz de conduzir o ser no processo de busca pela plenitude humana.

Referências

ALEXANDRIAN. História da Literatura Erótica. São Paulo: Rocco, 1983.
BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo: Perspectiva, 2004.
BATAILLE, Georges. O Erotismo. Trad. Antônio Carlos Viana. Porto Alegre: L & PM, 1987.
CASTELLO, Lúcia Branco. O Que é Erotismo? São Paulo: Brasiliense, 1984.
FAROS, Filoteo. A Natureza de Eros. São Paulo: Paulus, 1998.
KEFALÁS, Eliana. Corpo a Corpo com o Texto na Formação do Leitor Literário. Campinas (SP): Autores Associados, 2012.
MACEDO, Dimas. Guadalupe. Fortaleza: Imprece/Ed. Poetaria, 2012.
MAGALHÃES JR. Raimundo. Poesia e Vida de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.
PAZ, Octávio. A Dupla Chama: Amor e Erotismo. Trad. Wladir Dupont. São Paulo: Siciliano, 1994.
SILVA, Fernanda Maria Diniz da. Mentalidade e Residualidade em Memória Corporal, de Roberto Pontes. Dissertação de Mestrado. Fortaleza: Mestrado em Letras da UFC, 2007. Disponível em http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/3454
WALTY, Ivete e CURY, Maria Zilda. Textos Sobre Textos: um Estudo da Metalinguagem. Belo Horizonte: Editora Dimensão, 1999.


[1] A citação foi retirada do texto “Sintaxe do desejo”, de Hildeberto Barbosa Filho, disponível no site do Jornal de Poesia: http://www.jornaldepoesia.jor.br/hbarbosa8.html (acesso em 17 de junho de 2018).
[2] Dicionário online disponível no endereço: http://www.aulete.com.br

terça-feira, 22 de outubro de 2019

Meus Avós Maternos

           Dimas Macedo
                                                                                                


                                                 
                                

      Meus avós maternos chamavam-se José Furtado de Macedo e Maria das Mercês Macedo. Ele nasceu na cidade do Crato, aos 2 de novembro de 1896, contudo, foi levado com a família para Lavras da Mangabeira (CE), onde residiam alguns dos seus ancestrais, ali realizando-se o seu casamento.

        O enlace teve como palco a casa-grande do Sítio Calabaço, e foi celebrado aos 2 de novembro de 1921, pelo Padre Manoel de Alcântara, tendo como testemunhas os irmãos da noiva, Gustavo Lobo de Macedo e Vicente Lobo de Macedo. Os noivos eram primos entre si, em segundo grau simples de consanguinidade.

         Maria das Mercês Macedo nasceu em Lavras da Mangabeira, na fazenda pertencente aos seus pais, aos 29 de agosto de 1903, e foi batizada na Capela de São José daquele lugarejo, aos 6 de setembro, segundo as pesquisas de Cristina Couto, sendo oficiante do evento o Monsenhor Meceno Linhares, então vigário da Paróquia de São Vicente Ferrer, e tendo os noivos por padrinhos, Marcos José de Caldas e Agostinha Guilhermina de Araújo.

          Assim como o seu consorte, Maria das Mercês Macedo, José Furtado de Macedo era descendente do capitão João Lobo e de Senhorinha de Mendonça Barros: ela, por parte do seu genitor; e ele, pelo lado materno.

        Os ancestrais do meu avô Zé Furtado estabeleceram-se, inicialmente, na Fazenda Junco, nas proximidades do Sítio Calabaço, e ali congregaram-se os seus familiares, constituindo ele uma cooperativa agrícola e repartindo as terras daquela localidade com os seus colaterais.

        Com o tempo, José Furtado de Macedo foi se tornando senhor dos sítios pertencentes a seus familiares, especialmente, a seus irmãos e cunhados, herdando a casa-grande do Sítio Calabaço, talvez por ser sua mulher a última filha do capitão Joaquim Lobo de Macedo e de Maria Joaquina da Cruz, também conhecida por Maria Joaquina de Macedo.

         José Furtado de Macedo tinha por alcunha o nome de Zé de Dandão, sendo seus pais João Furtado de Menezes (Dandão) e Rosa Quintina de Macedo, e seus avós paternos, José Furtado de Menezes e Maria Senhorinha de Macedo (Mariquinha), naturais do Município do Crato, de onde procediam, por igual, os seus avós maternos, Conrado Lobo de Macedo e Juliana Perpétua do Sacramento.

       No plano social, além de cuidar do engenho e de manter o paiol da sua casa sempre abastecido, teceu relações com alguns comerciantes da cidade de Lavras, ali consorciando-se com uma carteira de crédito do Banco do Brasil.

         Dessa união dos meus avós maternos, são provenientes: Edílson Lobo de Macedo, nascido aos 6 de outubro de 1926, e falecido em Juazeiro do Norte, aos 9 de abril de 1999; e Maria Eliete de Macedo, nascida aos 20 de fevereiro de 1929 e falecida em Fortaleza aos 10 de outubro de 1975.

      José Furtado de Macedo morreu na cidade do Crato, para onde viajou, com a saúde já abalada. Fazia-se, na época, acompanhado do meu pai, José Zito de Macedo, que era seu genro e sobrinho, tendo vindo a óbito em 6 de dezembro de 1948, trasladando-se o seu corpo para ser sepultado no cemitério de Lavras.

       Viúva, minha avó passou a controlar o Sítio Calabaço, em consórcio com os seus irmãos. Considerada uma mulher muito forte e com decisões que faziam tremer os seus subordinados e os seus sobrinhos, Maria das Mercês Macedo impôs o seu nome no meio da sua parentela.   

         Devota de São Vicente Ferrer e assídua frequentadora das missas dominicais celebradas da igreja de Lavras, no mês de janeiro ela comemorava, no Sítio Calabaço, os festejos de São Sebastião, sempre com uma missa campal e a presença do vigário da Paróquia.

        A festa de São Sebastião e as moagens de cana, no final do inverno, faziam do Sítio Calabaço um dos pontos de atração da cidade de Lavras. Para ali acorriam os seus familiares e os seus parentes, inclusive aqueles residentes em Fortaleza.

        Esses acontecimentos marcaram profundamente a minha infância, até o momento em que o fogo do engenho e a sua riqueza material começaram a declinar, mudando-se ela com o meu tio Edílson para o Sítio Baixio, vendendo o que restou do Calabaço e mandando demolir a sua casa-grande, por caprichos que nunca consegui entender.

        Tempos depois, minha avó Maria das Mercês, que todos nós chamávamos de Mãezinha, passou a residir em Juazeiro do Norte, onde veio a falecer, aos 13 de setembro de 1993.

        A casa que lhe servia de abrigo e fortaleza, e que simbolizava a tradição dos nossos ancestrais, estava conjugada com outra residência, situada no seu flanco direito. Essas vivendas de campo se comunicavam por uma porta secreta, que se abria dentro da alcova, que ficava próxima do paiol e da cozinha, de onde trescalava uma rica culinária.

        Foi na alcova desse velho casarão, construído pelo capitão João Lobo, que nasci aos 14 de setembro de 1956. Em sua frente, existia um alpendre bastante dilatado, e na sua extensão superior, achava-se um sótão de grandes proporções, cujo acesso se fazia por uma escada com dois pavimentos, e de cujo sopé se podiam divisar os brejos de cana do glorioso Sítio Calabaço.

           Tudo isso se foi perdendo na memória, e a memória dos Lobo de Macedo se foi também derruindo, até o momento em que escrevo este texto. Para alguns, essa tradição é ainda um retrato na parede, mas o Calabaço, por tudo o que representou no passado, pertence à história social do Município de Lavras.


                                                  




                                                                     Fortaleza, outubro de 2019