quarta-feira, 29 de maio de 2019

Prefácio Para Neide Freire

       Dimas Macedo



          Raimunda Neide Moreira Freire era neta, por via paterna, de Manuel Rufino de Sousa Moreira e de Maria Ferreira de Jesus, sendo seus avós maternos, Júlia de Oliveira Sales e Possidônio de Oliveira Wanderley, os quais se estabeleceram, por algum tempo, no município de São Braz, às margens do Rio Purus, ainda durante a febre da borracha.

          Sua mãe, Laura de Oliveira Moreira, era natural de Iguatu, e seu pai, o eletricista-mecânico Isaías Moreira, era filho da cidade de Senador Pompeu. Transferiram-se, em 1923, para Lavras da Mangabeira: ele, para ali instalar um Cine-Teatro, a convite do Coronel João Augusto, então prefeito da edilidade.

          E justamente ali, na margem esquerda do Salgado, nasceu a menina Neide, a 23 de maio de 1924, ano em que o Rio transbordou e destruiu parte da pequena urbe cearense, inclusive o Cine-Teatro instalado pelo seu genitor.

            Neide recebeu o sacramento do batismo na Igreja Matriz de sua terra natal, tendo por padrinhos, Alfredo Barreto e sua mulher, dona Maria Barreto, naturais de Iguatu. Sua madrinha de crisma foi dona Lica Barros, filha de Manuel de Barros, antigo Intendente daquele município.

           Passou a infância na rua mais ribeirinha e vulnerável à possessão das águas do Salgado            – a Xavier Ângelo, conhecida por Rua dos Cassacos. Lembrava-se, sempre com muita perfeição, de vultos da infância com os quais a sua família interagiu: José Rodrigues Paiva, Pedro Tavares Filgueiras, Rita Saburá e Joaquim Lobo de Macedo, avô, este último, de José Zito de Macedo, seu colega no Grupo Escolar daquela localidade.

         Recordava-se também que seu pai se empenhava, ao máximo, na manutenção dos engenhos de cana e usinas de algodão do município, capitaneadas por Mário Augusto de Oliveira (Mário Borrego), Emar Mattos Rolim e Eugênio Augusto de Almeida.

        Foram seus primeiros professores, ainda na terra de berço, João Augusto Banhos e José Luiz da Silva Ramos. Depois ela estudou no Grupo Escolar da velha Princesa do Salgado, então dirigido por Maria Luiza Lima e tendo como professoras Guiomar de Holanda Férrer, Neuza Ceará e Isa Gondim Santos.

        Realizado o curso primário, entre 1930 e 1935, fez em seguida os preparatórios para o exame de admissão, cursando o ginásio no Colégio Santa Teresa de Jesus da cidade do Crato (1936). Em Fortaleza concluiu o secundário (1937-1939) e o curso normal (1940-1941), diplomando-se Professora Normalista aos 08 de dezembro desse último ano.

          Fez curso de reciclagem para professores, em 1969, a cargo da Secretaria de Educação do Estado, e de Atualização em Literatura Infantil, na Academia Cearense de Letras. Em São Paulo, no Instituto Brasileiro de Estudos Sociais, realizou o Curso de Didática de 1º e 2º Graus (1973), e ali se bacharelou em Teologia, pela Faculdade Universal de Teologia de São Paulo, em 1986.

          Em 1942 iniciou-se no magistério público estadual na cidade de Ibiapina, lecionando nos anos de 1947/1948 no Patronato Dona Maria Luíza e na Escola Normal Rural da cidade de São Benedito, ambos dirigidos pelas Irmãs de Caridade.

          Em 1949, transferiu-se para Ubajara, onde dirigiu, durante 15 anos, a Escola de Ensino Fundamental Grijalva Costa. Aposentando-se do magistério (1973), assumiu, em 1981, a direção do Complexo Educacional Francisco de Oliveira Moura, pertencente ao DNOCS e instalado no perímetro irrigado Curu-Paraipaba.

          Escritora de fino trato para com o amanho das letras, Neide é autora dos livros: Acendalhas (Piracicaba/SP: Serviços Gráficos Degaspari, 1987) e Poemas e Lembranças (Fortaleza: RDS, 2008).

         Em Fortaleza, foi coordenadora da Revista Jangada, da Ala Feminina da Casa de Juvenal Galeno, instituição que presidiu no período de 13 de setembro de 1992 a 13 de setembro de 1996.

          Foi integrante da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil (AJEB), da Academia Lavrense de Letras e da Academia Feminina de Letras do Ceará (esta última como sócia honorária), e sócia-correspondente da Academia Irajaense de Letras (RJ) e da Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul (RS).

         Participou de uma dezena de livros publicados no Ceará e em outros Estados e recebeu diversas medalhas e troféus. Em 2004, foi homenageada pela Assembleia Legislativa do Ceará, no Dia Internacional da Mulher, tendo falecido em Fortaleza aos 10 de maio de 2018.

           Este percurso biográfico distingue, para os seus leitores, a vida de uma escritora de talento, e encontra-se recolhido no meu livro Novos Lavrenses Ilustres (Fortaleza: Expressão Gráfica, 2016. Com ele, prestei as minhas honras a uma das mulheres mais dignas do Ceará e creio que fiz justiça à sua trajetória de poetisa, professora e educadora.

          Agora, sou convidado por Francisco Rodrigues Freire Filho para fazer a apresentação deste livro, Um Pouco Poesia / Um Pouco de Memória (Fortaleza, 2019), no qual ele reuniu os dispersos de Neide e juntou as suas letras pejadas de fina rigidez formal e de estética literária que chamam a atenção, fazendo, desta forma, uma grande homenagem à sua inesquecível mãe.

         O livro reúne um conjunto de escritos, publicados e inéditos, com os quais Neide Freire evoca as suas lembranças, expondo a sua mestria e abrindo seu coração para o Amor, a Esperança e a Fraternidade, valores que sempre difundiu entre os seus alunos e partilhou com os seus amigos e admiradores.

          A sua produção de poetisa acolhe, em suas linhas, os sentimentos da autora, mas o que trescala do seu texto poético, é a escansão melódica dos seus versos e o acento gramatical com que ela costura seus poemas.

          No campo da prosa, Neide também expõe o seu talento e mostra-nos o quanto é sutil o seu universo criativo, todo ele marcado pela serenidade, a humilde e pela devoção à arte literária e aos seus elementos de maior destaque.

         Cristina Couto, ao escrever a apresentação deste livro, destacou o seu papel de artesã da palavra ritmada e da palavra fundadora do belo, ficando-me de último a impressão de que aqui eu pago o meu tributo maior à sua memória.

                                                                                   Fortaleza, 13 de maio de 2019

Padre Antônio Tomás


           Dimas Macedo
                                                
                                                   
                                                                 
                                                                                                           Foto de Clauder Arcanjo


         Filho de Gil Tomás Lourenço e Francisca Laurinda da Frota, o Padre Antônio Tomás nasceu em Acaraú (CE), a 14 de setembro de 1868. Cursou latim e francês em Sobral e concluiu seus estudos no Seminário da Prainha, em Fortaleza, onde foi ordenado sacerdote, em 1891.

        Esteve longos anos a serviço da Igreja Católica, em paróquias do interior cearense, notadamente, como vigário de Trairi e de sua terra natal, levando vida modesta, dedicando-se à poesia e cuidando de sua vocação.

        Iniciou a publicação de seus sonetos em 1901, no Almanaque do Ceará. Seus poemas, com o tempo, se espalharam pela imprensa de todo o Brasil, a despeito da sua humildade e timidez, recebendo, ainda em vida, consagração popular.

         Em 1924, por motivo de saúde, afastou-se do múnus paroquial e, em 1925, em pleito realizado pela revista Ceará Ilustrado, foi eleito Príncipe dos Poetas Cearenses, posto no qual foi sucedido pelos poetas Cruz Filho, Jáder de Carvalho, Artur Eduardo Benevides e Linhares Filho.

         Seu nome figura entre os maiores sonetistas brasileiros, gênero a que mais se dedicou, escrevendo, também, composições de feição e ritmos variados, caracterizando-se por sua independência em relação a qualquer movimento ou escola literária.

         Foi integrante da Academia Cearense de Letras e do Instituto do Ceará, tendo falecido em Fortaleza, a 16 de julho de 1941. O seu sepultamento ocorreu na Igreja Matriz de Santana do Acaraú (CE), um dia após o seu falecimento, sem lápide ou registro do local onde foi enterrado.

         Também por manifestação de sua vontade, dispôs que os seus poemas jamais viessem a ser reunidos, o que não impediu que a sua sobrinha, Dinorá Tomás Ramos, viesse a recolher parte desse acervo na sua memorável pesquisa Padre Antônio Tomás – Príncipe dos Poetas Cearenses (Fortaleza: Tipografia Paulina, 1950).

          A segunda edição desse livro foi tirada pela Tipografia Aragão, em 1958, e, a terceira, pela gráfica do Jornal A Fortaleza, em 1981, o que prova a vitalidade da poesia do Padre Antônio Tomás, indiscutivelmente, um dos grandes poetas cearenses.

          A republicação desse precioso volume de Dona Dinorá Ramos, com prefácio de Linhares Filho e iniciativa de Manfredo Ramos, filho da autora, teólogo e sacerdote de renome, é acontecimento dos maiores nesta época em que perdemos os laços da memória.

         De forma generosa, pediu-me o Monsenhor Manfredo que eu redigisse este texto de apresentação, o que muito me honra e distingue. O Padre Antônio Tomás, com certeza, merece ser conhecido pelas novas gerações.

         É nome que devemos relembrar, em face, sobretudo, dos seus memoráveis sonetos, dentre os quais, destaco “O Palhaço”, “Contraste” e “A Morte do Jangadeiro”.
       
          A música que transborda da sua poesia e as lições de vida, altruísmo e resignação que dela podemos extrair fazem da obra desse grande poeta um momento singular na nossa literatura.

          Que seja feita, portanto, a reabilitação deste sonetista, venerado, em todo o Brasil, como um dos nossos poetas de maior relevo.

terça-feira, 28 de maio de 2019

Demócrito Rocha - A Liberdade Como Vocação

                                 
           Dimas Macedo


            O nome de Paulo Bonavides representa uma clarividência no que tange à interpretação do nosso comportamento social e político. Preocupado com a abordagem crítica da nossa realidade, esse jurista vem surpreendendo com a revelação de teses e estudos de reconhecido valor, em torno do Direito Constitucional e das questões atinentes à Teoria do Estado.

            Demócrito Rocha – Uma Vocação Para a Liberdade (Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 3ª ed., 2009), de Paulo Bonavides, é bem uma amostra da permanente inspiração da sua inteligência, sem deixar de ser, igualmente, uma tentativa de assimilação do contexto político que cimentou, entre nós, as raízes do Estado Social.

           Nesse livro instigante do grande cientista político cearense, a figura destemida e ousada de Demócrito Rocha adquire, com certeza, a sua mais perfeita expressão.

           Expondo, inicialmente, a sua visão de hermeneuta acerca do discurso poético de Demócrito Rocha, Paulo Bonavides provoca o nosso sentimento, ao fazer estas afirmações: “os poetas às vezes são sensores sociais mais percucientes que os sociólogos e os cientistas do Estado. Possuem não raro uma sensibilidade intuitiva tão aguda que lhes consente condensar em algumas estrofes mais verdade e compreensão da vida que os doutores da sociedade em seus compêndios e tratados”.

            Mas o que efetivamente interessa extrair das páginas de Demócrito Rocha – Uma Vocação Para a Liberdade é a visão panorâmica que o autor oferece em torno da agitação e do caldo de cultura que fermentaram a década de 1930 no Ceará. Um momento rico de conflitos e tergiversações, de violências verbais inadmissíveis e de cenários opressivos e ameaçadores.

            Nessa ambiência, como assegura Paulo Bonavides, é que se forja a bravura que tempera o comportamento e as atitudes de Demócrito Rocha. É nesse contexto de turbulências que Demócrito Rocha desenvolve a sua vocação de jornalista e a sua ação parlamentar, combatendo a intolerância do integralismo e pugnando pela defesa dos interesses regionais.

          A paixão de ordem cultural, nesse livro de Paulo Bonavides, revela-se como em nenhum outro momento da produção teórica do autor. Constitucionalista e cientista político de renome, Bonavides iniciou a sua trajetória como jornalista, lutou pela afirmação da sua classe e é, no Ceará, um dos homens de maior destaque da sua geração.

          Estilista primoroso e arquiteto de uma refinada poética do ensaio, no início da sua militância, inclinou-se Paulo Bonavides à construção da crônica e do ensaio, e da reportagem internacional.

          Na década de 1950, enveredou pela Filosofia do Estado e, no período seguinte, consolidou o seu nome como pioneiro da Ciência Política no Brasil. O constitucionalista levantaria voos de agilidade e equilíbrio durante a década de 1970, fazendo-se ele, depois, o biógrafo que o Ceará agora reconhece.

          As marcas de Demócrito Rocha e a sua coragem estão na criação do jornal O Povo, em 1928, na atuação parlamentar que exerceu na década de 1930, na sua incontestável militância, no campo da ética e da dignidade, e no seu indiscutível talento de poeta.

         O seu poema "O Jaguaribe é Uma Artéria Aberta", feito de afogadilho para fechar um espaço no jornal que fundou e sempre dirigiu, é um dos momentos mais altos da poesia cearense e me parece um ato de redenção e de vigor ufanista de todo o Ceará.

         De tudo isso nos dá a sua versão Paulo Bonavides, mas a contextualização de Demócrito Rocha e o seu entorno social e político, é o que o autor de A Crise Política Brasileira (1969) deixa transparecer com as melhores tintas, mostrando-nos, à saciedade, o domínio da sua vocação de escritor.

          Autor de Universidades da América (1948), O Tempo e os Homens (1952), Dos Fins do Estado (1955), Do Estado Liberal ao Estado Social (1958), Teoria do Estado (1967), Ciência Política (1967), A Crise Política Brasileira (1969), Reflexões: Política e Direito (1973), Textos Políticos da História do Brasil (1975), Direito Constitucional (1980), Política e Constituição (1985) e Constituinte e Constituição (1986) – livros que inovaram, entre nós, a metodologia e o conteúdo desses importantes campos de pesquisa –, Paulo Bonavides tinha tudo para ser, de fato e por legitimidade, o biógrafo de Demócrito Rocha e o guardião da sua memória cultural.

           Mas o que importa destacar, acerca do escorço biográfico de Demócrito Rocha, é a continuidade de duas tradições: a do pensamento e do esforço teórico de Paulo Bonavides; e a do exemplo de Demócrito Rocha como jornalista e cidadão.

            Dessa forma, me parece memorável a contribuição de Paulo Bonavides no sentido da documentação da sua atribulada existência de homem público e de agitador de progressistas ideias culturais, especialmente, porque o poeta, nessa biografia, ombreia-se com o homem, e o jornalista, não se faz menor que o político.