domingo, 3 de setembro de 2017

A Terra Onde Nasci

Dimas Macedo         
                                                

           Na minha condição de escritor, sempre permaneci fiel ao meu sonho, e Lavras da Mangabeira, a terra onde nasci, nunca me abandonou com as suas belezas, naturais e artificiais.

           Sinto-me em desconforto quando, anualmente, não posso contemplar o Boqueirão ou rever os lugares onde passei a infância, pois, como já afirmou Francisco Carvalho: “Lavras é um mito que o Salgado banha / com seu rumor de pífaro e realejo”, mostrando-nos, assim, esse grande poeta cearense, toda a ressonância da velha Princesa do Salgado.

           Em 13 de dezembro de 2010, quando me encontrava como Professor, na Universidade de Le Havre, escrevi, na minha agenda de viagens, que “reencontrei Lavras da Mangabeira em todas as cidades pelas quais passei em vários pontos da Europa: assim em Londres como em Bruges, Paris, Amsterdam, Bruxelas ou Colônia”.

            E acrescentei: “é como se o mapa-múndi fosse povoado de saudades e lembranças que se gravam nos recessos do sonho. É como se o Reno, o Tâmisa e o Sena refletissem a brisa serena do Salgado, o mais doce de todos os rios que os meus olhos não se cansam de ver”.

            É com estas palavras que desejo saudar os estudantes do Ensino Fundamental da minha terra, lembrando, com o coração cheio de saudades, dos meus tempos de aluno do Grupo Escolar Filgueiras Lima e do Colégio São Vicente Ferrer.

             Destaco a qualidade dos textos, em prosa e em verso, reunidos no livro – Lavras: o Lugar Onde eu Vivo –, escrito por esses estudantes e publicado em 2017, louvando a dedicação dos mestres que se empenharam na realização desse projeto.

            O Magistério é um sacerdócio e uma Missão. Quem descobre essa vocação e a ela se entrega, sabe o quanto isso é uma Graça e um motivo para viver a vida de forma ainda mais feliz.

             Orgulho-me também de ser Professor, função que exerço há quarenta anos. Lembro-me, perfeitamente, como tudo começou, em 1977, e as escolas e universidades pelas quais passei, no Brasil e no Exterior.

           Mas o que conta mesmo, para a minha visão de Professor, são os alunos, são os estudantes envolvidos com as suas atividades e com as suas esperanças e crenças num futuro melhor.

              Nos poemas e textos coligidos percebi um amor bastante carinhoso pela minha terra, especialmente, pelo Rio Salgado; e atentei que alguns alunos mostraram o seu interesse pela trajetória de lavrenses, como José Telles, Sinhá D’Amora, Eunício Oliveira e Maria Lina Machado, destacando-se a última como professora de expressão naquele Município.


            Aos participantes do projeto, apresento os meus parabéns. E não posso deixar de dizer que, nesse livro, se guarda um esforço incomum. Sinto-me feliz com o convite da Professora Lionete Tomaz para apresentar esse conjunto de escritos e de lições de amor à terra que nos viu nascer.

Medalha Boticário Ferreira

Dimas Macedo



             
          Com alegria, agradeço a Medalha Boticário Ferreira, perguntando, a mim mesmo, se sou merecedor da homenagem. Quarenta anos de magistério, perfeitos em 2017, talvez justifiquem a sua concessão ao escritor e ao jurista, mas, assim como Drummond, o Poeta de Itabira, tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo.

          Como cristão pauliano, atravesso estes tempos extremos que estamos vivendo como se fosse a ostra em seu enfrentamento com o vento, como se fosse o rumor que, às vezes, se funde com a concha e com ela se recolhe no sopro sublime da paixão.

           Sei que a vida é uma Graça, e que, a cada dia, eu a desfruto com a beleza que Deus nos confiou, e com os dons e os talentos que ele conferiu à minha inquietude: branda, como as águas serenas de um rio, mas incompreendida, às vezes, por aqueles que não aceitam a minha liberdade.  

          O título que recebo é o tributo com o qual se reconhece a dignidade de fazer literatura e de fazer a profissão de fé na palavra ritmada e na palavra fundadora do belo. A honraria, contudo, não cabe no meu contentamento.

           Pulveriza-se, antes, pelos espaços urbanos da cidade, desliza pelas suas casas de pasto e pelos seus polos de prazer e convivência, por onde espicho os meus olhos de ver e de sentir, porque de Fortaleza eu sei as suas ruas e o seu jeito gostoso de deitar.

          Sei que existem várias Fortalezas a quem agradecer: a Fortaleza que sofre com a violência e com sua falta de memória; a Fortaleza que dormita na Praia de Iracema; a Fortaleza que chora as suas contradições, mas que se reinventa pela boemia que pratiquei no Estoril e no Clube do Bode, na Confraria dos Puros e na Sociedade dos Poetas Vivos.

           Sim, porque não podemos mensurar em Fortaleza, praias, ruas ou espaços coletivos que eu não tenha palmilhado, vinhos e sabores que eu não haja consumido, línguas ou idiomas da sua arquitetura que eu não tenha degustado com a minha linguagem de poeta.

          Ao Vereador Portinho, agradeço aquilo que ele fez pela poesia, nomeando a mim como o representante dos poetas e intelectuais de Fortaleza que esta Câmara de Vereadores achou por bem distinguir, porque aqui, de primeiro, se premia o escritor e se valoriza o cidadão, colocando-se a Literatura no centro do debate político.

         As tatuagens o céu e o sal de Fortaleza foram modelando em meu corpo, ouvem, com desvelo, os sinos inquietos do meu coração, pois é com a alma dos que amam a liberdade e as formas de viver em plenitude que aqui compareço para agradecer a maior homenagem desta Edilidade.

          Assim, declaro de público e de tribuna, que honrarei com vinhos e estrelas a medalha com que fui distinguido, o título com que fui agraciado, o qual ficará gravado na alma, com o fogo do incenso e da cidadania.

          O Boticário Ferreira, numa época que se perde no tempo, dirigiu o destino desta urbe, e o poço por ele perfurado, no logradouro que hoje leva o seu nome, tornou-se o coração da cidade. Como vereador e presidente da Câmara, governou a Fortaleza Velha com os olhos fincados no futuro e com a retidão que fez do seu nome uma legenda.

          Curvo-me ao exemplo do Boticário Ferreira, olho para o passado de onde vim, saúdo os amigos que nesta cidade conquistei, pondo aqui em destaque, a minha família e, de uma forma especial, os meus filhos e a minha mulher.

         Não cheguei aqui de supetão, mas juro que cheguei, trazendo na alma uma canção, que quero partilhar com o vento e com o edifício da Fé que se ergue, de forma soberana, no meu coração.

         Entre os que estão no Plenário, ponho em evidência o Professor João Arruda, que muito conspirou para que eu pudesse chegar até aqui, e destaco o nome de Marta Filgueiras, que veio de São Luiz para estar comigo nesta noite, ao lado de Lúcia Cidrão, de Pablo e de Diego, de Lúcia Macedo Maciel e de Sandra Maria de Macedo.


          Por último, não posso deixar de registrar: “um rio corre na alma e a minha calma talvez não denuncie aquilo que ocorre, aquilo que não morre e que se faz alento em minha vida”.





Dimas Macedo - Entrevista a Franklin Jorge


Dimas Macedo



Franklin Jorge - Em que circunstância surgiu o seu interesse pela Literatura?

Dimas Macedo – Eis um assunto que se revelou para mim em forma de mistério. Na infância, quando me perguntavam o que eu queria ser no futuro, eu respondia que o meu desejo era ser escritor. Não sei o que isso representava no meu caso. Eu não tinha livros de Literatura por perto. O meio em que eu vivia era muito pobre e acanhado, assim como eram o mundo e as condições de existência nas cidades do interior do Nordeste, no início da década de 1960. Mas o meu avô – Antônio Lobo de Macedo, conhecido, ainda hoje, como Lobo Manso – era um cordelista renomado e o meu tio Joaryvar Macedo já despontava como pesquisador, firmando-se depois como um dos grandes historiadores do Ceará, com passagens pela Academia Cearense de Letras e o Instituto do Ceará.

Franklin – O que o levou a escrever?

Dimas – A inquietação existencial e cosmológica, as figuras lendárias da política de Lavras da Mangabeira, as histórias contadas pela minha mãe, o rumor das águas do Salgado que passava próximo à nossa casa, a mania que eu tinha em querer contar as estrelas em noites de muita claridade, a fuga do drama que eu via prosperando no seio da minha família, o sino que plangia diariamente na torre da Igreja de Lavras, a teimosia que eu tinha em aceitar os limites da educação formal que me era imposta pelos meus pais, o medo de morrer de forma inesperada, assim como todas as crianças que partiam e cujos enterros passavam pela minha rua, marcando a minha voz e o meu jeito de ser com as suas despedidas.

Franklin – Como definiria o ato de escrever?

Dimas – O ato de escrever para mim é e será sempre será uma pergunta. A claridade das coisas e o absurdo da vida, no meu caso, aguçam a necessidade de perguntar por que estou vivo, por que habito essa fauna tão contraditória e indulgente que é a humanidade mergulhada na sua hipocrisia e na falsificação da verdade. Minha literatura clama pela Viva e pela Esperança, é contraditória, assim como são várias as minhas personas diante da escritura e da palavra. Parece-me que o poeta, o crítico, o historiador e o jurista estão em oposição diante do meu eu profundo. Seriam os meus outros eus, para aqui me valer da expressão de Fernando Pessoa.

Franklin – Como transcorreu sua infância? Alguma coisa, em particular, o marcou nessa fase de sua vida?

Dimas – A minha infância não foi nada fácil. Como disse, certa feita, numa crônica publicada quando ainda era muito jovem: “minha infância nunca teve graça”, pois, doente e com “sentença de morte pela frente”, o jeito que tive foi fantasiar a existência durante a juventude e abraçá-la com resignação na maturidade. Hoje a vida para mim é uma Esperança, edificada na Fé e nas minhas convicções acerca existência do Amor. Mas eu não acredito na salvação do homem pela Fraternidade, nem acredito que a Política ou suas ideologias possam resolver os grandes problemas sociais. Nesse ponto, acho que sou um cético, mas na minha essência profunda eu não me considero um pessimista. 

Franklin – Como descreveria a contribuição do Ceará à Literatura Brasileira?

Dimas – O Ceará deu ao Brasil uma grande contribuição à Literatura. Desde José de Alencar e Araripe Júnior, passando por Domingos Olímpio, Adolfo Caminha, Antônio Sales e Oliveira Paiva, tem sido expressivo esse contributo. José Albano é um poeta de grande inspiração e elaboração estilística; os romances de João Clímaco Bezerra e Rachel de Queiroz, os contos de Moreira Campos, a ficção de Herman Lima, a poesia de Francisco Carvalho e Gerardo Mello Mourão, o teatro de Eduardo Campos, a estética exemplar e simbólica de Alcides Pinto, sobre a qual escrevi o livro A Face do Enigma, e a criação literária de Natércia Campos e Nilto Maciel fazem do Ceará um território literário expressivo cujas marcas são a expressão da palavra levada às últimas consequências.

Franklin –  O que distingue, a seu ver, os escritores cearenses contemporâneos dos escritores históricos? Há algum traço discernível entre eles?

Dimas – Os escritores contemporâneos afastaram-se um pouco do drama secular e da tragédia que remarcaram a nossa formação, mas em poetas como Adriano Espínola e Luciano Maia (principalmente, neste último) vemos o Ceará redesenhado, pela luminosidade do sol e pelo mito da sua redenção através da transfiguração do Rio Jaguaribe. Carlos Emílio Correia Lima é um escritor que me parece injustiçado e Audifax Rios é um romancista que precisa ser avaliado. Nos dias atuais, eu citaria a poesia de Roberto Pontes, Horácio Dídimo e Linhares Filho, e destacaria a ficção de Pedro Salgueiro e Tércia Montenegro, elevando a um posto mais alto os romances de Ana Miranda.
  
Franklin Jorge – Como descreveria a vida cultural do Recife em relação a de Fortaleza?

Dimas – Eis um pergunta que continua nos desafiando. A vida cultural de Recife é pujante e em seus intelectuais se pode colher uma maior consciência política. Fortaleza é mais provinciana e os seus muros ainda são feitos de palhas de coqueiro, apesar dos seus grandes achados culturais e estéticos, como é o caso da Academia Francesa e da Padaria Espiritual. Coisas típicas da formação política dessas duas cidades, tão próximas e tão distantes em face dos processos sociais, industriais e políticos e que se diferenciam, também, desde a base das suas inserções em áreas mais ou menos extensas do nosso semiárido.

Franklin – Crê que o Jornalismo, como o conhecemos, caminha para a dissolução e desaparecimento?

Dimas – Não acredito na hipótese da dissolução do jornalismo tal como o conhecemos hoje. As suas formas de expressão se transformaram, está havendo uma pluralidade de nichos editoriais, a sua qualidade está muito pior, mas a dissolução que vejo no jornalismo é a dissolução da verdade, a falsificação do fato, a negação da reportagem que já não é a mesma e que se dissolve, também, pela necessidade de criação da notícia, imposta pela velocidade da vida exposta nas redes sociais, que precisam ser alimentadas, ainda que tenhamos que matar o nosso semelhante em nome da cegueira que atravessa o espaço midiático. É, parece que já estou concordando com a sua pergunta, e isso já é motivo para ressaltar que precisamos discutir com mais profundidade esse tema de tão alta relevância. 

Franklin – Como e em que circunstância conheceu Nilto Maciel? Como vê a sua contribuição à Literatura e o seu trabalho de divulgador dos escritores brasileiros? Como o descreveria?


Dimas – Perdem-se no tempo as minhas andanças e os meus colóquios com Nilto Maciel. Um dos raros escritores incomuns na Literatura brasileira das últimas décadas, infelizmente, desaparecido. A nossa produção literária e a geração de escritores seus contemporâneos muito devemos à sua liderança e influência. E tanto mais, somos devedores da sua criação literária, original e desafiadora. Nilto Maciel escreveu uma obra de gênio, uma escritura de corte sintético e de alcance simbólico que primam pela correção gramatical e pelo refinamento estético e estilístico. Sem nenhuma dúvida, Nilto é uma dos nossos maiores escritores. Seu trabalho de divulgação dos autores brasileira talvez encontre poucos exemplos com os quais possa concorrer. A criação da revista O Saco, em Fortaleza, ainda na década de 1970, e a repercussão alcançada pela sua proposta, mexeram, profundamente, com a nossa literatura. Depois, já residindo em Brasília, Nilto Maciel fundou a Editora Códice e a revista Literatura, cuja trajetória todos nós conhecemos. Associei-me a ele nesses dois últimos projetos. Mantive com ele uma correspondência franca e proveitosa, especialmente, na época que escrevíamos à mão ou de forma datilografada. Talvez essa correspondência valesse alguns volumes, se ainda estivéssemos na época em que a escritura feita dessa forma tinha o seu significado. Sempre irônico e resignado com os tormentos da sua vida interior inquieta, Nilto Maciel era, no entanto, uma viajante, e viajante em todos os sentidos. Não demorava muito em um mesmo endereço. Trocou a cidade de Baturité, onde nasceu, por Fortaleza. Depois, mudou-se para Brasília, onde desempenhou as suas funções de burocrata, como funcionário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, lastreando-se no seus conhecimentos de Bacharel em Direito. Mas isso conta muito pouco na sua biografia, pois o que importa destacar na sua vida é a Literatura, que fundamenta toda a sua vida enquanto destino e vocação.