terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A Morosidade do Poder Judiciário


           Dimas Macedo



         1) Dotar o 1º grau de recursos (humanos e orçamentários) condizentes com a elevada demanda processual nessa instância pode ser encarada como medida indispensável para evitar o colapso da prestação da justiça cearense e brasileira? Considerando que 90% do total de processos em tramitação no Brasil (95,14 milhões, em 2013) encontram-se no 1º grau e que o país poderá registrar 114,5 milhões de processos em 2020 (dados do CNJ).

      Dimas Macedo – Entendo que estou diante de uma pergunta e de um esclarecimento apresentado depois dessa indagação. Quanto à pergunta formulada, acho que os integrantes do Poder Judiciário de primeiro e segundo grau deveriam se dedicar de forma mais efetiva ao desempenho da sua finalidade, assimilando a consciência de que são servidores do Estado e que já auferem rendimentos satisfatórios e, em alguns casos, rendimentos privilegiados; que lhe cabe um múnus público especial, senso de responsabilidade e um compromisso para com a dignidade do papel que exercem na Sociedade, em nome do interesse público. O Judiciário brasileiro não entraria nunca em colapso se todos os seus órgãos efetivamente dispusessem o tempo de trabalho de que dispõem para se dedicar aos seus afazeres, afastando-se do seu elitismo, do seu senso de superioridade.
         Quanto ao percentual de processos no primeiro grau, isso decorre de uma lógica inerente ao duplo Grau de Jurisdição e do fato de que o segundo grau funciona como um filtro. A questão do quantitativo de processos distribuídos aos órgãos de primeiro grau e a sua relação com a demanda daqueles que precisam desses serviços, no Brasil, precisa ser enfrentada com seriedade. Na indagação que me é formulada, vê-se, logo no seu anunciado, que não ficou claro para os leitores quantos juízes de primeiro grau existem no Brasil para dar conta dessa demanda, nem qual o contingente da população estaria sendo atendido. Os órgãos de primeiro grau já entram na discussão assumindo o papel de vítimas.
     A autonomia orçamentaria do Poder Judiciário é bastante clara e está garantida pela Constituição. Se não fossem os desperdícios, os gastos supérfluos, os benefícios e auxílios, muitas vezes ilegais e inconstitucionais, pagos a muitos nichos da Magistratura, como vem denunciando a mídia nacional, acho que o orçamento que temos atualmente seria mais do que suficiente.

         2) Deficiências estruturais na 1ª instância refletem a sobrecarga de trabalho e crescente elevação do adoecimento de juízes. Tendo em a relevância social do papel do juiz, qual é a importância de garantir condições de trabalho adequadas e a preservação da saúde física e mental dos profissionais da categoria vista?

         Dimas – As deficiências estruturais de qualquer organização, como ensinam os manuais de gestão pública ou privada, são respondidas sempre com criatividade, divisão racional do trabalho, espírito de equipe e liderança. E aqui deixo formulada esta pergunta: por que alguns juízes cumprem integralmente a sua pauta e outros apenas se queixam? Um dos fatores mais destacados pela Medicina e a Psicanálise, acerca do fato dos problemas de saúde da parte dos empregados ou servidores, está relacionada com a inaptidão para a forma de trabalho que executam. A maioria dos livros sobre gestão, tem mostrado que aqueles que se dedicam ao trabalho por vocação e convicção são pessoas felizes.
          A importância de garantir condições de trabalho adequadas e a preservação da saúde física e mental dos profissionais da categoria, no caso, é relevante para a conquista da qualidade do trabalho dos magistrados. A saúde física e mental dos magistrados, contudo, não é um contingenciamento apenas dessa modalidade de prestação de serviços à comunidade. Ela faz parte da vida funcional de todos os trabalhadores do setor público e privado.
   
        3) Caso persistisse a inexistência de iniciativas visando melhorias para o 1º grau, de que modo poderia ser afetada a população que busca o judiciário?

       Dimas – Não seria tão afetada se os órgãos do Poder Judiciário de primeiro grau assumissem o senso de responsabilidade para com a condição daqueles que deles dependem.

    4) O investimento em processos conciliatórios extrajudiciais, no caminho da desjudicialização da justiça, pode agregar que ganhos à prestação jurisdicional?

            Dimas – Claro. E para isso nós já temos no Brasil muitos nichos legais e constitucionais que estão dando excelentes repostas, agindo com mais desenvoltura e aptidão para o trabalho do que muitos magistrados, talvez pelo fato de que estão trabalhando de forma simples e desburocratizada. Desgraçadamente, a burocratização do Judiciário, no Brasil, tem sido uma forma recorrente que a maioria dos magistrados pratica para não enfrentar os percalços e desafios inerentes à sua atividade funcional. Criar e alimentar a burocracia tem sido uma forma de fugir da responsabilidade de decidir. No mais, registro que a burocratização tem sido uma marca do Poder Judiciário e não de outros Poderes do Estado. Por que do Judiciário? Eis um desafio para esse poder estatal: livrar-se desse estigma que tanto macula a sua imagem.

      5) Dados de pesquisa recente da Fundação Getúlio Vargas mostram que 32% dos brasileiros confiam no Poder Judiciário e 81% concordam com a afirmação de que é fácil desobedecer as leis. De que modo as deficiências estruturais do judiciário, que levam à morosidade da justiça, contribuem para esses indicadores?

          Dimas – Sou jurista, Procurador do Estado e Professor de Direito, mas me coloco entre os 81 por cento que concordam com a afirmação de que é fácil desobedecer as leis, especialmente quando temos muitos integrantes do Poder Judiciário levando às últimas consequências essa forma de energia negativa.

Soren Kierkegaard

Dimas Macedo 


          Conhecido por levar uma vida solitária e isolada e por ser considerado um dos fundadores do existencialismo, Soren Kierkegaard é uma das grandes revelações culturais da humanidade.

          Não é fácil, numa primeira leitura, compreender o significado da sua obra filosófica. Pensador essencialmente subjetivista, e teólogo, talvez, com pretensões a fundar uma Filosofia da Religião, esse escritor dinamarquês continua provocando a argúcia de estudiosos da Teologia.

         Filho de um próspero comerciante e de uma empregada doméstica, Kierkegaard nasceu na Dinamarca, em 1813, recebendo, desde cedo, educação luterana rigorosa, tendo as marcas da moral religiosa exercido influência profunda na sua formação.

          Em 1830, ingressou no curso de Teologia e Filosofia da Universidade de Copenhague, o qual foi interrompido com a morte de seu pai, em 1838. Mas o certo é que, em 1841, concluiu o curso universitário com uma tese sobre a filosofia de Sócrates, intitulada – Sobre o Conceito de Ironia.

          Para a maioria dos seus biógrafos, a interrupção dos seus estudos acadêmicos, não está propriamente ligada à morte do seu pai, mas à necessidade de experimentar a vida desregrada, que foi encontrar nos cafés, teatros e na vida social de Copenhague, e que elegeu como destino das suas inquietações.

          Em 1837, conheceu Regine Olsen, com quem viveu uma estranha relação sentimental. Logo após tê-la pedido em casamento, desistiu do enlace e mergulhou numa crise de arrependimento. Com o pretenso objetivo de salvar a reputação de Regine, fez com que parecesse à sociedade ter sido ela a romper o noivado. Fugiu, então, para a Alemanha, onde passou uma longa temporada.

          Na Alemanha, foi aluno de Schelling e ali esboçou alguns dos seus textos mais importantes.Volta a Copenhague em 1842, e, em 1843, publica A Alternativa, Temor e Tremor e A Repetição. Em 1844, saem Migalhas Filosóficas e O Conceito de Angústia. Um ano depois, dá à estampa As Etapas no Caminho da Vida e, em 1846, o Post-Scriptum a Migalhas Filosóficas.

          Os paradoxos da existência religiosa, para esse filósofo, assumem o caráter socrático do autoconhecimento e a reflexão acerca do indivíduo diante da verdade cristã. Kierkegaard elabora seu pensamento tendo em vista o exame concreto do homem religioso historicamente situado, o que o eleva à condição fundador do existencialismo.

           Desde a década de 1850, Kierkegaard foi tomado por um surto de reformador da moral teológica, passando a atacar a prática religiosa vigente na Dinamarca, onde o poder estatal se sobrepunha ao poder religioso. Mas Soren, infelizmente, veio a falecer em outubro de 1855.

           As inquietações e angústias que o acompanharam, estão expressas em seus textos, incluindo a relação dolorosa que manteve com o Cristianismo – herança de um pai extremamente religioso, que cultuava os rígidos princípios do Protestantismo, que na Dinamarca de meados do século dezenove, foi transformado em fundamentalismo religioso controlado pelo Estado.

           A posição de Kierkegaard leva alguns estudiosos a levantar dúvidas a respeito do caráter filosófico de seu pensamento. Para esses, tratar-se-ia muito mais de um pensador religioso do que de um filósofo.

           Nele não encontramos as motivações tradicionais que serviram de objeto para a Filosofia. Isso fica claro quando ele reage às filosofias de sua época – em especial à de Hegel. Não se trata de questionar as incorreções ou as inconsistências do sistema hegeliano. Trata-se muito mais de rebelar-se contra a própria ideia de sistema e aquilo que essa ideia representa.

           Para esse pensador, o homem que se reconhece finito enquanto parte da realização de uma totalidade infinita, se compraz na finitude, porque a vê como uma etapa de algo cujo sentido é infinito.

            Mas o homem que se coloca frente ao seu destino e à sua finitude, desnudado do aparato lógico, não se vê diante de um sistema de ideias mas diante de fatos, mais precisamente de um fato fundamental que nenhuma lógica pode explicar: a Fé. Ela não é o sucedâneo daquilo que não podemos compreender racionalmente; tampouco é um estádio provisório do que existe enquanto não se completam e fortalecem as luzes da razão.

           Não há, portanto, outro caminho para a Verdade a não ser o da interioridade e do aprofundamento da nossa dimensão subjetiva. Isso porque a individualidade autêntica supõe a vivência profunda da culpa: sem esse sentimento, jamais nos situaremos, de forma verdadeira, diante da redenção e, consequentemente, da mediação de Cristo.

          A subjetividade de Kierkegaard não é tributária da atmosfera romântica que envolvia sua época. Seu profundo significado a-histórico tem mais a ver com uma concepção de existência que torna todos os homens contemporâneos de Cristo, do que com as características do Romantismo então em voga no continente europeu.

         A redenção, ainda quando observada como fato histórico, possui uma dimensão que a transforma numa referência intemporal para se vivenciar a Fé. O cristão é aquele que se sente continuamente na presença de Deus pela mediação do Cristo, e a religião só tem sentido se for vivida como comunhão com o sofrimento da cruz.

          Por tudo isso é que esse filósofo critica o Cristianismo da sua época, principalmente o Protestantismo dinamarquês, imiscuído, segundo ele, de conceituação filosófica que esconde a brutalidade do fato religioso, minimiza a distância entre Deus e o homem e sufoca o sentimento de angústia que acompanha a Fé.

          Essa angústia, no entender de Kierkegaard, estaria ilustrada no episódio do sacrifício de Abraão. Esse relato bíblico indica a solidão e o abandono do indivíduo voltado unicamente para a vivência da fé. O que Deus pede a Abraão – que ele sacrifique o único filho para demonstrar sua fé – é absurdo e desumano segundo a ética dos homens.

          Abraão não está na situação do herói trágico que deve escolher entre valores subjetivos (individuais e familiares) e valores objetivos (a cidade, a comunidade), como no caso da tragédia grega. Nada está em jogo, a não ser ele mesmo e a sua fé. Deus não está testando a sabedoria de Abraão, da mesma forma como os deuses testavam a sabedoria de Édipo.

            Por tudo o que decorre da sua afirmação, a Fé não pode ser elucidada pelos conceitos. Eles não dariam conta das tensões e contradições que marcam a vida individual. Existir é existir diante de Deus, e a impossibilidade de compreensão da infinitude divina, faz com que a consciência vacile como se estivesse diante de um abismo.

            A Fé reúne a reflexão e o êxtase, a procura infindável e a visão instantânea da Verdade. O paradoxo de ser o pecado, ao mesmo tempo, a condição de salvação, é algo bastante sintomático, já que foi por causa do pecado original que Cristo veio ao mundo.

          Qualquer filosofia que não leve em conta essas tensões, que afinal são derivadas de estar o finito e o infinito em presença um do outro, não constituirá fundamento adequado da vida e da ação.

          A Filosofia deve ser imanente à vida. A especulação desgarrada da realidade concreta não orientará a ação, muito simplesmente porque as decisões humanas não se ordenam por conceitos, mas por alternativas e saltos.

                                                                                                                               Revista da Academia Cearense de Letras, 

                                                                                                                                                             nº 76. Fortaleza, 2015

A Musa de Majela Colares



  Dimas Macedo
                 
                                

Faço uma advertência para lhes dizer do que pretendo falar: das confissões e do outono de Magela Colares, habitante do País do Jaguaribe e que veio ter em Fortaleza para aqui de­nunciar as muitas incertezas e misérias do ambiente sofrido do sertão.

Magela Colares, em Confissão de Dívida (Fortaleza: Biblio­teca O Curumim Sem Nome, 1993), é bem o testemunho de um autor que sabe exibir no livro de estreia a força de uma construção poética já em estádio de maturação, de um escri­tor que sabe cantar o seu drama e as contradições do ser da poesia no mundo, questio­nando assim o ato de viver e de produzir o milagre que se dissemina nas cordas da canção.

A seara poética de Magela Colares, em Confissão de Dívida, reflete a emoção profunda e consciente de uma atividade men­tal e existencial proveitosa, remarcada nos seus motivos e nos seus apelos pela saga da nordestinidade e do protesto, reve­lando-nos um universo de "reverberações nordestinas", segundo a expressão de Luciano Maia, espaço-limite no qual dialoga com as muitas necessidades do humano, buscando atingir o univer­sal com os valores e o modo de pensar e de sofrer de sua região.

Mas não se pense a sua poesia unicamente pela perspectiva da denúncia social e do conflito contingencial e emotivo. Claro que na sua poesia estão também presentes sinais da inquietação metafísica e fragmentos de interrogações, obsessões e perple­xidades.

 No seu livro – Outono de Pedra (São Paulo: Editora Giordano/Fortaleza: Biblioteca O Curumim Sem Nome, 1994) –, Magela Colares pro­jeta as suas reelaborações e as suas descobertas em busca de uma forma de expressão definitiva, forjando a construção de um estilo que tem muito em comum com as asperezas e os ícones do seu aprendizado e da sua formação.

Utilizando os metros e as muitas facetas da poesia popu­lar nordestina, Magela realiza no seu novo livro, ao lado do conteúdo e da mensagem do texto, muitos experimentos e reinvenções, inclusive na área da décima e do quase-romance de cordel, mas o que vaza da leitura de Outono de Pedra, no entanto, é a remarcação das misérias e diásporas do mundo do sertão. E a miséria do sertão e a dor de se descobrir pregoeiro das suas necessidades e dos seus conflitos é aquilo que serve de mo­tivo ao poetar cortante e ao discurso afiado da peixeira poética do autor.

Com ilustrações de Audifax Rios e Socorro Torquato, Outono de Pedra tem posfácio de Janilton Andrade, crítico literário e Professor da Universidade Católica de Recife, onde o autor é Assessor do Tribunal Regional Federal da 5a Região. Com ele Magela Colares obteve Menção Honrosa do "Prêmio Lajane Ban­deira de Poesia" - 1994, sendo que do seu texto, entre outros elementos, exsurge uma linguagem crua e ao mesmo tempo rica de imagens e simbolizações, principalmente aquelas que têm no universo do homem nordestino o seu casulo e as suas formas de disseminação.

O poema, pois, como construção da linguagem. A palavra como argamassa e cascalho. O fazer a poesia como necessidade de compreender o mundo e de sentir. O sentimento como forma de expressão do pensar coletivo. O arremate do poema como formulação do estilo. O estilo como possibilidade de um modo concreto de dizer e de participar.

Daí a necessidade do verso, a escritura e a filosofia da composição como justificação e referência de uma maneira mui­to consciente de pensar e de viver o drama do sertão. Ou não seria o sertão uma invenção e o Jaguaribe um rio que corre sem sair do lugar? Aqui é o lugar, Magela, o texto poético é o lugar da sua bem sucedida realização.

                                                                                                                   Revista Espiral.
                                                                                                          Fortaleza, nº 01, 1995

Pedro Paulo Montenegro


                 Dimas Macedo


                O ano de 2014 assinala o quadragésimo aniversário de um livro: A Teoria Literária na Obra Crítica de Araripe Júnior (Rio: Editora Tempo Brasileiro, 1974), do grande ensaísta cearense Pedro Paulo Montenegro, ex-professor do Curso de Letras da UFC e um dos luminares da nossa cultura literária. 

                Com a divulgação desse livro, destacava-se o mestre Pedro Paulo não apenas no plano da literatura cearense, pois a teoria crítica de Araripe Júnior foi por ele de forma tão sutilmente vasculhada e exposta, que a sua referência ficou como exemplo da nossa evolução no campo literário.

               Lançado no bojo de uma coleção que, na época, abrigava as vertentes mais paradoxais e legítimas do pensamento crítico, nas áreas da Literatura e da Comunicação, esse livro de Pedro Paulo Montenegro restauraria, no Ceará, a tradição da crítica literária que vem de Rocha Lima (1855-1878) e culmina com os conhecimentos amplos e a argúcia de Braga Montenegro. 

                Esse último foi justamente o prefaciador do livro de estreia de Pedro Paulo Montenegro: Convivências (Fortaleza: Imprensa Universitária, 1966), livro que já entremostra o aparato crítico e literário desse estudioso maior da obra de Araripe Júnior.

               Especificamente sobre Convivências, o pensamento de Braga Montenegro faz-se no sentido de que, além do “cabedal teórico” de que se serve Pedro Paulo, “dispõe ele de uma acentuada predisposição crítica, sem a qual não seria capaz de formular, sob critérios próprios, os ensaios de que se compõe o presente livro”.

               Na opinião de Francisco Carvalho, o maior de todos os poetas do Brasil, na atualidade, a produção teórica de Pedro Paulo Montenegro, “destaca-se pela qualidade, pela riqueza dos enfoques estilísticos, pelo brilho dos conceitos e das ideias, pela abrangência e verticalidade das exposições”. 

               E em outro passo acrescenta Francisco Carvalho: “na cátedra como fora dela, tem-se distinguido pela determinação e coerência com que se entrega às reflexões na busca incessante de explicar e compreender toda essa gama de matizes e de situações subjacentes nos escaninhos mais profundos e secretos da obra literária”.

               Publicado em 1996, pela Casa de José de Alencar/UFC, Situações e Interpretações Literárias é o terceiro conjunto de ensaios de Pedro Paulo Montenegro. O livro traz judicioso prefácio de Sânzio de Azevedo, ensaísta e historiador maior do nosso passado literário, e orelhas de Francisco Carvalho, o que honra e distingue a crítica e a teoria formuladas por esse grande pensador e arauto da nossa estética literária.

               E a nova crítica, “que se fundamenta não apenas no new-criticism anglo-americano, mas também na estética de Croce, na explicação de textos francesa, no formalismo russo e na estilística espanhola”, segundo Sânzio de Azevedo, encontra nesse último livro de Pedro Paulo Montenegro uma de suas instâncias máximas de representação no Brasil. É obra que confirma, por certo, “o domínio pleno que Pedro Paulo Montenegro tem da crítica literária”.

            Sou um admirador discreto de Pedro Paulo Montenegro. Mantenho-me à distância dele porque possuo formação cultural diferente da sua. Não me enquadro no perfil de crítico por ele elaborado. Sou um autor de textos literários, tão-somente. Ele é um mestre: talvez o maior de todos aqueles que lidamos com a literatura e com as formas estéticas que os criadores literários nos ensinam a cada nova descoberta.

domingo, 4 de janeiro de 2015

Ensaios de Teoria do Direito

                  Dimas Maced





          Entre os meus livros de conteúdo jurídico, Ensaios de Teoria do Direito parece ser aquele que melhor se comunica com a minha tradição e o meu desejo de permanecer fiel à Teoria Crítica do Direito, e em contraposição à legalidade de matriz estatal e aos valores do positivismo.

          O livro foi publicado, pela primeira vez, em 1985, quando ingressei no magistério superior como Professor do Curso de Direito da Unifor, o que conta toda uma vida dedicada à causa da docência.

           Esclareço que ele jamais esteve longe dos leitores, pois foram cinco as suas reedições: uma em 1999; outra em 2003; a terceira em 2010; a quarta em 2015; e esta que agora se dá estampa, na qual procedi a uma revisão bastante sensível do seu texto, no sentido de toná-lo mais acessível.

           Normatizei a bibliografia, mas não modifiquei o conteúdo do volume, nem as ideias, com as quais estou de acordo. Em alguns momentos do texto, contudo, a escritura foi corrigida, com a supressão ou o acréscimo de frases de maior clareza, tendo-se em vista a sua recepção e a sua leitura.

           Com a 5ª edição, em 2015, comemorei os meus trinta anos de cátedra e, com redobrado júbilo, pude render a este conjunto de ensaios as minhas homenagens, assinalando, também, os trinta anos da sua primeira edição.

            A compreensão do Direito mudou muito nos últimos anos, mas o conteúdo destes ensaios, com certeza, não se modificou. O prefácio da primeira edição (que, agora, por ser lido como posfácio) foi escrito por Willis Santiago Guerra Filho, o qual assinalou, na oportunidade, a pertinência dos meus argumentos de ordem filosófica.

           Não se trata de discurso jurídico ou hermenêutico sobre o legado do Direito, vigente no Brasil, em meados da década de 1980, mas de um projeto de pesquisa que já apontava para a Linguagem do Direito e a sua anatomia crítica, que vieram a ser enriquecidas com os aportes da Pragmática e da Teoria do Sistema Jurídico.

            Na primeira metade da década de 1980, a cultura jurídica brasileira tinha por referência, apenas, os atos institucionais e a legalidade, apesar da obra filosófica de Miguel Reale e Arnaldo Vasconcelos; e ainda não havia percebido a contribuição de Tércio Sampaio Ferraz Jr., nem os cortes epistemológicos de H. L. Hart no cerne do discurso jurídico.

            Os operadores do Direito e a Jurisprudência dos nossos tribunais viviam do culto à legislação e da aplicação literal do Direito, especialmente, em favor das elites e dos detentores da propriedade e do capital.

            O novo Direito Constitucional já estava semeado no Brasil pela obra de Paulo Bonavides, mas o seu sentido democrático e principiológico somente seria disseminado, entre nós, com a Constituição de 1988, por força da soberania popular e das ações da Cidadania e da Participação.

            Leitor dos livros de Miguel Reale, Arnaldo Vasconcelos e Luiz Fernando Coelho e sugestionado pela obra de Lourival Vilanova e Tércio Sampaio Ferraz Jr., confesso que não era com este livro que eu desejava estrear na literatura jurídica, mas com a minha tese de Mestrado (O Discurso Constituinte), filiada ao pensamento de Paulo Bonavides e que somente seria editada em 1987.

            Neste livro, não me volto, apenas, para uma Teoria do Direito sistematizada desde os referenciais apontadas neste prefácio, mas para os reflexos que a Pragmática e a Doutrina do Direito aportaram para a construção do pensamento jurídico brasileiro, revelando-se, no seu conteúdo, boa parte dos meus argumentos de jurista.

            As relações entre Justiça e Direito, desde Aristóteles; o estudo da Norma Jurídica e da Equidade, tendo-se em vista a Teoria Tridimensional do Direito; a pesquisa transdogmática do Direito; e a Ciência Jurídica e o seu relacionamento com a Linguagem constituem a temática principal deste livro.

            Igualmente, entre os assuntos abordados, aponto: a) a Justiça e a sua interação com a Dialética; b) as relações entre Direito, Poder e Opressão e o questionamento do Direito como instrumento de força e de justificação do Estado capitalista.

            Um capítulo pertinente às relações entre a Política e o Direito e as suas transformações em face do Estado neoliberal, foi reunido nesta edição, destacando-se aí um dos pontos de inflexão da pesquisa.

             Além da revisão da linguagem, em toda a extensão do volume, reescrevi o capítulo “Expressões e Vultos do Direito”, que versa sobre a personalidade e a obra de juristas do porte de Roberto Amaral, Arnaldo Vasconcelos, Joaquim Pimenta, Hugo de Brito Machado e Raimundo Bezerra Falcão.

              Relembrar as edições deste livro, tendo-se a proteção de Deus como guia e a dedicação à pesquisa como vocação, é uma Graça excelsa. É sinal de que a fé e a razão estão em equilíbrio na minha consciência, e que o Amor à Justiça e ao Direito é a potência máxima de vontade a governar a minha atividade de jurista.