A retomada da narrativa, no final do
século precedente, assumiu o lugar do nouveau
roman e do fluxo descontinuado da consciência, remarcados pelos recursos da
prosa poética e pelo intercâmbio da literatura com outras formas de linguagem.
Expressa-se a ficção por
meio de diversos gêneros, e a narrativa, como sabemos, é bastante aceita como
manifestação discursiva que não exige, necessariamente, a tessitura de um enredo,
enquanto elemento da sua composição.
A longa ficção, contudo,
necessita de uma perspectiva e de uma visão que dialoguem com a linguagem e com
as relações que se tecem no intercurso do destino, tal como acontece no romance
Oiticica (Lisboa: Editora Chiado,
2015), de Mara Nóbrega, livro com o qual a autora faz a sua estreia na
literatura.
No livro aparecem reflexos evidentes
da retomada da narrativa, mas nele o que se impõe e se confirma é uma mensagem
de cunho filosófico a orientar a conduta da vida por meio do signo da epifania,
mostrando-nos a autora, a sua cultura psicanalítica e a sua compreensão do lado
simbólico da existência.
Silas, a personagem central do
enredo, se apresenta diante do leitor como um protótipo do idealista que se
perfaz pelas marcas da herança e da tradição; um ser que percebe as diferenças
sociais que o cercam, mas que é guiado pelo impulso das suas decisões,
rendendo-se depois, em face do inexorável, ao escaninho da memória e ao desvelo
da Fé e da Compaixão.
Moldado pela civilização e servido
pelos valores da técnica, termina os seus dias desafiado pelos Evangelhos, e
também escravo, mais do que convicto, das luzes da intuição e da verdade,
situações que o levam para a encruzilhada em que a consciência sempre nos
coloca, e na qual lhe é permitido a modificação do seu passado, através do
perdão e do despojamento, da cura interior e da humildade.
As personagens manejadas pela
argúcia da autora, são inconfundíveis, e se apresentam, a cada passo do enredo,
por meio do discurso com que verbalizam as suas intenções.
Mas no romance o que chama
verdadeiramente a atenção são as vozes e a diversidade de sentidos com que a Fazenda
Oiticica clama pela redenção da sua identidade e pelos valores da tradição e da
herança, imantando-se na memória dos vivos e no ciclo das lembranças e das
estações.
Belo romance, esse Oiticica , com que Mara Nóbrega inicia
os seus passos na longa ficção; bela a linguagem da sua narrativa; denso o teor
com que a autora mantém a curiosidade do leitor, cativando-o até a última
página do enredo, no qual lições de vida e de amor ao próximo, nos são
reveladas e ensinadas com a sabedoria da maturidade.
Excitou-me a curiosidade...
ResponderExcluirMarcelo Silva, grato por seu comentário.
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