sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Mara Nóbrega - Ficção e Memória

Dimas Macedo


           A retomada da narrativa, no final do século precedente, assumiu o lugar do nouveau roman e do fluxo descontinuado da consciência, remarcados pelos recursos da prosa poética e pelo intercâmbio da literatura com outras formas de linguagem.

           Expressa-se a ficção por meio de diversos gêneros, e a narrativa, como sabemos, é bastante aceita como manifestação discursiva que não exige, necessariamente, a tessitura de um enredo, enquanto elemento da sua composição.

          A longa ficção, contudo, necessita de uma perspectiva e de uma visão que dialoguem com a linguagem e com as relações que se tecem no intercurso do destino, tal como acontece no romance Oiticica (Lisboa: Editora Chiado, 2015), de Mara Nóbrega, livro com o qual a autora faz a sua estreia na literatura.  

           No livro aparecem reflexos evidentes da retomada da narrativa, mas nele o que se impõe e se confirma é uma mensagem de cunho filosófico a orientar a conduta da vida por meio do signo da epifania, mostrando-nos a autora, a sua cultura psicanalítica e a sua compreensão do lado simbólico da existência.

          Silas, a personagem central do enredo, se apresenta diante do leitor como um protótipo do idealista que se perfaz pelas marcas da herança e da tradição; um ser que percebe as diferenças sociais que o cercam, mas que é guiado pelo impulso das suas decisões, rendendo-se depois, em face do inexorável, ao escaninho da memória e ao desvelo da Fé e da Compaixão.

           Moldado pela civilização e servido pelos valores da técnica, termina os seus dias desafiado pelos Evangelhos, e também escravo, mais do que convicto, das luzes da intuição e da verdade, situações que o levam para a encruzilhada em que a consciência sempre nos coloca, e na qual lhe é permitido a modificação do seu passado, através do perdão e do despojamento, da cura interior e da humildade.

           As personagens manejadas pela argúcia da autora, são inconfundíveis, e se apresentam, a cada passo do enredo, por meio do discurso com que verbalizam as suas intenções.

            Mas no romance o que chama verdadeiramente a atenção são as vozes e a diversidade de sentidos com que a Fazenda Oiticica clama pela redenção da sua identidade e pelos valores da tradição e da herança, imantando-se na memória dos vivos e no ciclo das lembranças e das estações.

             Belo romance, esse Oiticica , com que Mara Nóbrega inicia os seus passos na longa ficção; bela a linguagem da sua narrativa; denso o teor com que a autora mantém a curiosidade do leitor, cativando-o até a última página do enredo, no qual lições de vida e de amor ao próximo, nos são reveladas e ensinadas com a sabedoria da maturidade.

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