sábado, 29 de novembro de 2014

O Texto de Fernanda Quinderé



               Dimas Macedo


                                                     Beatriz Alcântara, Regina Fiúza e F. Quinderé




          Fernanda Quinderé possui um traço distintivo na sua postura literária: permite que a sua obra se faça a expressão de sua vida. E a sua criação, não raro, se resume a este postulado: a dignidade do intelectual e o ponto de vista do poeta se perfazem com a expansão do seu conhecimento, a concretização da sua segurança e a fragmentação do seu imaginário.

           A paixão criativa, em Fernanda Quinderé, me parece a coisa mais espontânea possível, no sentido de que a fanopeia e o palco se possam construir enquanto cenários da sua consciência.

          Transmuta-se Fernanda Quinderé em jornalista e atriz, criando-se aí o entorno das suas diversas personas, pintadas em retratos líquidos e plurais, que apontam para o movimento e a viagem, mas é a escritura literária e a leveza do texto aquilo que garante a sobrevida da sua produção.

           Fernanda é dona de um alfabeto literário próprio e de um estilo pessoal e particularíssimo. E é justamente disto que um artista de talento precisa: ser desigual em relação a seus contemporâneos; ser original no processo de montagem do seu objeto criativo.

           O drama e o tecido com os quais se mostra a boca de cena de um romance seriam, para mim, pontos de partida da sua produção. Falei sobre isto quando li os livros de Fernanda Quinderé – Calabouço Para os Reis (2005) e Papos de Mulher (2001) ou quando entendi que os poemas de Mulher Azul (2002) podiam ser vistos como alegorias da sua personalidade.

           Diferente não é o meu juízo a respeito do seu livro de memórias – Bodas da Solidão (Fortaleza: Livro Técnico, 2007), romance que nos conta uma possível solidão a dois, vivida pela autora em sua relação com Luizinho Eça, o gênio máximo do piano e da partitura musicalizada.

            Nesse livro de Fernanda Quinderé o que se reinventa é um mito e o que se conta é uma escritura literária de boa qualidade. As personagens e o tecido da trama, podem, inesperadamente, parecer ficção, mas não é este o melhor enquadramento do texto, pois firmam-se também nas suas entrelinhas, o prazer que podemos retirar dos seus códigos semânticos.

            A plenitude do ato criativo, a epifania do texto, a dramaturgia e a memória e, acima de tudo, o ritual do corpo e da entrega dão a esse livro de Fernanda Quinderé um estatuto de monta entre os criadores da arte dramática do Brasil.

            Não é, no entanto, de arte dramática que cuida a autora de Mulher Azul. A sua narrativa é límpida quando se trata de perquirir o drama que se esconde no subtexto do livro, porque aí Fernanda Quinderé conquista a sua partitura de poeta, de musa e de atriz.

             Trata-se, pois, do livro em que Fernanda melhor se espelha diante da arte de criar, superando os seus desafios estéticos, a sua necessidade de formas, as suas armadilhas verbais, mas o que reescrevo, de público, é que vejo os sentidos do seu texto como se fossem bodas de paixão, bodas que se tecem com os fios da memória e com os linhos da melhor linguagem literária.
in Bodas da Solidão.
Fortaleza: Livro Técnico, 2007.

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