quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Roteiro de Roberto Amaral

           Dimas Macedo
                                             
            Roberto Amaral pertence à elite dos grandes pensadores do Brasil. Cientista do Direito e do Estado, arauto do Socialismo e da Democracia e militante político de esquerda, que conhece o papel do intelectual e as suas relações diante das coisas do poder, é orgulho da nossa cultura política e social.

          No nosso livro El Pensamiento Político de Paulo Bonavides, lançado em fevereiro de 2010, na Universidade de Puebla, deixamos registrado que “Roberto Amaral, desde muito cedo, tracejou os caminhos da sua formação no campo da esquerda e da militância política democrática”.

          E, tendo em vista o seu livro Textos Políticos da História do Brasil (Fortaleza: Imprensa Universitária, 1973), publicado em parceria com Paulo Bonavides, afirmamos o seguinte: “Se Paulo Bonavides abraçou o Direito Constitucional e a Ciência Política, Roberto Amaral se fez um militante político aguerrido, um líder socialista respeitado e um jurista e pensador do Estado dos maiores que o Brasil produziu no século precedente”.

           Quando nos encontramos pela primeira vez, em 1990, Roberto Amaral demonstrou o empenho com que lera o nosso livro A Metáfora do Sol (1989, 5ª ed. Fortaleza: Edições Poetaria, 2014) e de como estava consciente da nossa militância e do nosso desejo de construir no Ceará uma ideologia política de viés democrático.

           Referência histórica do PSB nacional e da sua secção no Ceará, Amaral era o guru de todos e de cada um de nós que acreditávamos nesses ideais, ponderando sempre a necessidade de que não viéssemos a perder a estratégia, a discussão e o diálogo com os demais partidos de esquerda.

           Na época em que era Ministro da Ciência e Tecnologia, lançou um dos seus livros no Ceará (Em Defesa da Utopia, 2006), e fomos convidados a fazer a apresentação. Outros livros de sua autoria foram editados nesse período riquíssimo da sua produção, entre os quais, destacamos: O Papel do Intelectual na Política (Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2005).

             Nesse último livro, mostra-nos Roberto Amaral que o debate acerca do militante político deve ocorrer, necessariamente, à margem da organização do Estado, especialmente porque o Governo não deve se confundir com o Partido, e porque o Estado é bastante diferente do Governo que o concretiza.

             Algum tempo depois, Roberto Amaral voltou a Fortaleza, para receber a Comenda do Mérito Parlamentar cearense e lançamento de dois novos livros: Socialismo & Democracia e Ciência, Tecnologia e Soberania Nacional, frutos da sua pena de cientista e de esteta, de pensador das coisas da Política e de intelectual que se perfaz pela riqueza dos seus conhecimentos; e, mais uma vez, fomos convidados a fazer a apresentação do homenageado.

             É bastante original a sua abordagem em Ciência, Tecnologia e Soberania Nacional (Brasília: Gráfica do Senado, 2010), porque em suas páginas enfrenta a questão da ciência e tecnologia e sua correlação com o projeto nacional, à margem das imposições do imperialismo e do capitalismo, esclarecendo-nos: a) que a globalização não determinou o fim das fronteiras geográficas; b) que a Democracia não se coaduna com o monopólio do mercado; c) que a competitividade não se confunde com a abertura econômica unilateral; d) e que a defesa da paz não implica o desmonte da ordem nacional, nem a renúncia da soberania e da autodeterminação.

            Socialismo & Democracia (Brasília: Fundação João Mangabeira, 2011) constitui o título do segundo livro de Roberto Amaral. Trata-se de um de seus testamentos, porque se destaca entre os seus maiores livros editados, tais os clássicos: Intervencionismo e Autoritarismo no Brasil (1975), Crônica dos Anos Geisel (1987), Introdução ao Estudo do Estado e do Direito (1990) e Não Há Noite Tão Longa (1996), este último, um dos marcos da literatura brasileira da sua geração.

            A temática de Socialismo & Democracia é plural e diversificada, mas, na essência, o livro constitui uma reflexão e um argumento filosófico sobre o destino da democracia e a sua práxis, tendo-se em vista a sua pragmática, em face do consenso que o neoliberalismo impôs ao despreparo da esquerda e à sua falta de visão cultural e hegemônica.

            A tomada do poder, antes da conquista da hegemonia, deslumbrou no Brasil os partidos de esquerda e o consenso reformista da sua pontuação programática, levando um governo de viés populista, durante quase uma década, a seguir as imposições do mercado e a tratar o Parlamento, não pelas vias da negociação, em vista as demandas sociais, mas em face, sobretudo, dos interesses neoliberais.

          A esquerda, portanto, defendendo bandeiras que nunca foram suas, tais como o moralismo, o combate à inflação e a busca da estabilidade monetária, para assegurar a tranquilidade do sistema financeiro e deixar o mercado plenamente feliz e satisfeito.

          Para Roberto Amaral, “a democracia representativa, de índole ocidental, mais e mais se configura como uma farsa, defraudando a soberania popular, em face do crescente deslocamento dos centros de poder (e de decisão) do Estado para a grande empresa, nacional e internacional”.

          O que está em jogo, especialmente nos países de pouca densidade educacional e de quase nenhuma consciência política ou partidária, como é o caso do Brasil, é a substituição da política pela ditadura do mercado, de forma que as privatizações largamente combatidas, mas utilizadas pelos partidos de esquerda, expressam a falência das suas proposições e das suas bandeiras partidárias.

            Ainda para Roberto Amaral, a saída do impasse seria aparentemente simples, consistindo na retomada das raízes históricas da esquerda, e na assimilação do seu papel transformador, e tendo como meta, especialmente no Brasil, a construção coletiva, com a sociedade, de um projeto nacional, de bases populares e respaldado pelas exigências do desenvolvimento.


           Por último, gostaríamos de endossar o pensamento do autor, no sentido de que “a democracia que nós socialistas defendemos é a democracia participativa, em busca de um Estado pluralista e de uma sociedade aberta a projetos associativos”; e de que “no quadro das crises, característica das esquerdas brasileiras, a conjuntura revela o desconforto resultante da incapacidade de formular uma teoria que explique e oriente a prática de governo numa realidade ideológica adversa”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário