Dimas Macedo
A Morte e a Morte de Quincas Berro
d’Água (Rio, Editora Record) é uma
das mais extraordinárias novelas de nossa
literatura. Em suas páginas, o escritor Jorge Amado narra episódios da
vida aventurosa, sentimental e amorosa de Joaquim Soares da Cunha, o Quincas
Berro d’Água, personagem imortal da literatura brasileira, tal como pulsante e
imortal é a escritura e a obra do grande romancista baiano.
Joaquim Soares da Cunha é
apresentado, na novela de Amado, como sendo funcionário da Mesa de Rendas da
Bahia, pai de família, homem honesto e respeitado em todos os recantos da vida
política e social. Joaquim Soares, contudo, após aposentadoria e em seguida à morte
da mulher, virou um dos maiores vagabundos do Estado.
Certo dia, quando estava dormindo
na casa de Quitéria, sua amante, Berro d’Água veio a falecer. A notícia se
espalhou muito rápido, pois se tratava do maior vagabundo da Bahia. Vanda, sua
filha, logo que ficou sabendo de tudo, não se lamentou profundamente, pois na
sua cabeça, desde que seu pai virou vagabundo, ela o dera como morto. No
entanto, mesmo com dificuldade financeira, os familiares se reuniram e
decidiram fazer um enterro digno de Joaquim Soares da Cunha e não de Quincas
Berro d’Água.
Os quatro amigos mais íntimos de
Quincas Berro d’Água eram: Negro Pastinha, Curió, Cabo Martim e Pé-de-Vento.
Logo que tomaram conhecimento da notícia, ficaram totalmente arrasados e saíram
rapidamente em direção ao velório. Quando chegaram, Quincas ria das pessoas
como se estivesse vivo (talvez estivesse) e por isso muitos custaram acreditar
que Quincas estava realmente morto.
Depois que todos os familiares
(Vanda, Leonardo, Marocas e Eduardo) saíram do velório, os amigos de Quincas
Berro d’Água o levaram de volta para a farra, pois naquele dia comia-se, na
terra de Rui Barbosa e de Castro Alves, a incrível moqueca do Mestre Manuel, a
melhor da Bahia, na opinião de muitos.
Na festa, quando todos estavam
bêbados e de barriga cheia, começou a cair um temporal na cidade. De repente,
perceberam Quincas Berro d’Água se atirar no mar, proclamando o seguinte: “Me
enterro como entender na hora que resolver. Podem guardar meu caixão para
melhor ocasião. Não vou deixar me prender em cova rasa no chão”.
A Morte e a Morte de Quincas Berro
d’Água é uma novela rica na
exploração do fantástico e é considerada uma das maiores obras literárias do
Brasil, principalmente por Vinícius de Moraes, que a tem como novela
verdadeiramente extraordinária. Trata-se, assim, de uma história que desafia a
morte e mostra que o impossível (e o imprevisível) sempre pode acontecer.
A novela de Amado, segundo Aluysio
de Mendonça Sampaio, em Jorge Amado – O
Romancista (São Paulo, Editora Maltese, 1996), parece “elaborada numa
linguagem contida, mais próxima do clássico que do barroco, desprovida de
preocupação, sempre comum nos romances anteriores (de Jorge Amado), do lirismo
acentuado, da prosa metrificada”.
E prossegue Sampaio: “A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água
é marcada pelo enfoque mágico de uma realidade, vista através de uma metáfora:
ao crivo da visão de outros personagens, diante do cadáver de Quincas fatos
acontecem como se vivo continuasse o personagem”.
E nesse sentido, me parece
proveitoso afirmar, Quincas Berro d’Água ainda não morreu, pois, segundo o
próprio Jorge Amado, “Quando um homem morre, ele se reintegra em sua respeitabilidade
a mais autêntica, mesmo tendo cometido loucuras em sua vida. A morte apaga, com
sua mão de ausência, as manchas do passado e a memória do morto fulge como
diamante”.
No entanto, com relação a este
livro do grande romancista baiano, cabe registrar que os seus motivos e a sua
saga e bem assim o seu personagem principal são situações genuinamente
cearenses, conforme o testemunho e o documento que dessa verdade se pode
conferir no livro do poeta e ensaísta José Helder de Souza: Cabo Plutarco - O Berro d’Água
(Fortaleza, Imprensa Universitária, 1982).
E quem seria, na vida real, esse
grande personagem do autor de O Sumiço da
Santa? Para o jornalista José
Helder de Souza, esse “vagabundo dos becos e ladeiras da cidade da Bahia”, seria
o sobralense e reservista do 1º Batalhão de Caçadores de Petrópolis, Wilson
Plutarco Rodrigues Lima, uma vez que o próprio autor de A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água, em discurso proferido na
Universidade Federal do Ceará, ao agradecer título honorífico que lhe foi outorgado,
afirmou que “Quincas Berro d’Água foi gerado em Fortaleza, onde brotou a ideia
deste pequeno romance”.
E que o leitor se convença da
verossimilhança e das influências cearenses presentes nessa narrativa, pois a
pesquisa de José Helder de Souza é criteriosa, trazendo o seu livro, de
permeio, uma fotografia do Cabo Plutarco, a versão do escritor Milton Dias
sobre o assunto, e a certeza de que esse grande cronista cearense, fabuloso
contador de histórias, soprou nos ouvidos de Amado, lhe presenteando, por
certo, com um dos enredos mais imaginosos na literatura brasileira.
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