O estudo metadogmático do direito, isto é,
aquele que transcende à rigidez e ao formalismo dos dispositivos legais, é o
fenômeno mais visível da ciência jurídica nos últimos tempos. O pluralismo
político e a massificação democrática, agregados às mais diversas formas de
expressão da cultura, parecem mesmo ter abalado as certezas que os pensadores
erigiram acerca do conhecimento.
Diante desse quadro, a visão
transdisciplinar que se possa aplicar no processo de perquirição de uma dada
realidade parece ser, de forma sedutora e sempre cativante, o melhor caminho
para um aprendizado sólido e erudito. A abordagem crítica, o pensar
alternativo, a pesquisa tópica, o recurso à zetética e às formulações teóricas
contradogmáticas, entre outros métodos aqui não referidos, têm promovido uma
verdadeira reviravolta na velha árvore da ciência jurídica.
Direito de Família – Uma Abordagem
Psicanalítica (Rio, Editora Forense, 4ª ed., 2012), de Rodrigo da Cunha
Pereira, é um livro que me parece remarcado pela compreensão desses elementos,
com a ousadia de ferir um argumento novo, que é a busca da Psicanálise como
suporte de interpretação do Direito de Família enquanto realidade normativa e
instituição social em fase de mudança.
Com efeito, sinto-me confortado em poder
concordar com o autor quando ele questiona a transformação profunda pela qual
tem passado o Direito de Família e a própria instituição familiar, não só no
plano psicossocial e filosófico, mas também e principalmente no enunciado da
sua formulação constitucional e estrutural.
Por outro lado, quando externa o seu
entendimento de que o Texto Magno de 1988 foi tímido na formulação de um perfil
da família, mas reconhece, em contrapartida, que “ele é a tradução fiel da
família atual”, cada vez mais plural e diversificada, o Rodrigo da Cunha
Pereira testemunha um dos seus melhores acertos.
Tendo como ponto de partida das suas
abordagens o pensamento de Jacques Lacan e de Levi-Strauss, e passando por
Freud e pela Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, o autor surpreende quando
chama a teoria de Kelsen à
colação. Normas fundantes da conduta sexual/normas fundantes da instituição
familiar, rejeitadas as teorias da promiscuidade da organização familiar
primitiva, é uma das teses que mais seduz o autor.
Rodrigo da Cunha Pereira se vale da Teoria Geral das Normas do
conhecido pensador e jusfilósofo Hans Kelsen,
reconhecidamente o grande sistematizador da ciência do direito, para
ressalvar a norma fundamental da moral familiar como categoria fundante das
normas gerais que regem o Direito de Família.
Na visão do autor, tanto Kelsen como Freud, ao investigarem as origens
das leis, parecem ter se deparado com o mesmo referencial, no caso a primeira
lei, aquela que constituiria a base e o pressuposto da cultura, da organização
da linguagem e das relações entre os homens, ou seja, uma lei que é fundante de
nossa estruturação psíquica, tudo isso a partir de uma conexão com a ética das
relações sexuais, desde as suas manifestações tribais ou primitivas.
As conclusões do autor, tanto neste quanto
em outros pontos da sua pesquisa, são de todo pertinentes e de altíssima
significação. As abordagens estão respaldadas em dados estatísticos e em sólida
doutrina de autores clássicos e modernos.
Daí ser possível ao Professor Rodrigo afirmar
que o material por ele pesquisado revela-nos “além de situações familiares,
aumento e diminuição de casamentos e separações, mudanças nas formas de
constituição da família”, concluindo também que, “com todas as evoluções e
mudanças, a mulher vem sendo elemento definidor na quebra da estrutura
patriarcal”.
Com estas notas e tendo em vista as conclusões a que cheguei, acredito
ter apresentado, ainda que de forma sucinta, o livro do Professor Rodrigo da
Cunha Pereira: Direito de Família – Uma Abordagem Psicanalítica, cuja leitura eu
considero indispensável a quantos militam no campo do Direito, especialmente os
que se interessam pelo Direito da Família e pela sua transformação
institucional.