A questão do poder militar na América
Latina e, de uma maneira geral, nos países do Terceiro Mundo, se até hoje não
justificou a sintomática razão de sua emergência, pelo menos serviu para
testemunhar a ineficiência de suas propostas.
Livros como A Ordem Política nas Sociedades em Mudança (Rio, Editora Forense-Universitária,
1975), de Samuel Phuntington, tentaram mas parece que não conseguiram
interpretar a presença do soldado como consolidador de instituições.
Posteriormente, Alain Rouquié, com O Estado Militar na América Latina
(Berkeley, Universidade da Califórnia, 1987), procurou estudar o assunto
através de novas abordagens, e com isso logrou melhores resultados. Alain não
se preocupou propriamente com a transparência das Forças Armadas, mas com as condições
que propiciam o avanço dos militares como elite ou núcleo do poder.
Contudo, apesar de não haver
oferecido maiores soluções para o problema, Samuel Phuntington, entre todos os
estudiosos do assunto, foi quem melhor apreendeu a função pretoriana de que os
militares sempre se acharam investidos.
Num dos capítulos do seu livro acima
referido, sem perder de vista a perspectiva pretoriana das forças armadas, Samuel
Phuntington tentou interpretar algumas circunstâncias que gravitam em torno da
ocupação do poder pelos militares, nos países em via de modernização.
O
Estado Pretoriano, para Phuntington, não é apenas aquele no qual se dá a
intervenção dos militares na política. Para ele, o pretorianismo igualmente se
difunde nas sociedades onde se processa uma politização geral das forças e
instituições sociais, tais como o clero, a elite latifundiária ou a classe
trabalhadora.
O pretorianismo, das suas origens aos
dias atuais, expandiu as suas manifestações através de diversas investidas. Foi
inicialmente oligárquico, depois radical e, por último, evoluiu ou transitou
para o chamado pretorianismo de massa.
A
sua presença, a história dos últimos dois ou três séculos, pode ser facilmente
constatada na América Latina, que foi sempre cenário de marchas e contramarchas
pretorianas, levadas a efeito, no século XIX, principalmente, para preencher a
vacância do imperialismo, na oportunidade, afastado do Continente pelos
processos de independência política e, no século XX, para consolidar os anseios
de uma classe média emergente, ou para atender às exigências de alguns
fenômenos populistas que aqui ousaram se instalar.
Nos
países em vias de modernização, o pretorianismo se instrumentaliza como força
social emergente capaz de deter o enfraquecimento das instituições,
enfraquecimento no qual esses países se acham mergulhados.
O objetivo principal do pretorianismo
seria resgatar o País da chamada “decadência política” e, com isso, aumentar o
seu grau de politização; seria fortalecer as instituições políticas existentes
ou criar novas instituições capazes de mudar o curso do processo político e
social.
Propõe-se sempre legítimo o
pretorianismo, mesmo quando o grupo renovador não encarna o mínimo de
representação, a exemplo de alguns segmentos militares comandados por oficiais
menos graduados. A sua legitimidade confunde-se com as aspirações ideológicas
de caráter antidemocrático, isto é, com os interesses dessas aspirações.
Se
se busca enxergar no pretorianismo uma instituição preocupada com problemas
econômicos e sociais, está-se a laborar em lamentável engano. O que o que ele
busca é a comprovação da sua estratégia ideológica e dos seus mecanismos de controle
e dominação.
Durante
a década de 1980, alguns estudiosos da nossa formação buscaram projetar luzes
acerca do pretorianismo no Brasil, mas o que revelaram aos leitores foi a constatação
de uma vontade de potência e de intervenção por parte desses estamentos
militares, numa argumentação que parece apontar, nas forças armadas brasileiras,
um permanente desejo de controle da nossa transição, aspirando também que a
sociedade, agora fortemente conscientizada, não se possa voltar contra o seu
agressor.
Procurando estudar a intervenção militar
brasileira à luz de diversas tendências políticas, o que os nossos estudiosos
geralmente nos tem revelado é que o poder militar pretoriano somente encontra a
razão de sua ressurgência dentro de padrões comportamentais tomados de empréstimo
à ciência política, e nesta hipótese, me parece, estaria incluído o caso do
Brasil.
Mas o
Brasil, finalmente, amadureceu no exercício da vida democrática e na
consolidação das suas instituições, de forma que o poder militar, no Brasil, está
seguramente submetido à Constituição, e não à ideologia da tradição e ou
propriedade, não me parecendo plausível que as suas intenções possam prosperar,
por maior que seja o nosso conflito político.
O Brasil,
no momento, passa por ajustes econômicos, pertinentes à acumulação do capital e
à expansão dos seus potenciais financeiros, numa política de mercado na qual a
nossa forma primitiva de fazer política e de ampliar a máquina do Estado não se
compadece com os avanços do nosso crescimento. E neste ponto o Brasil precisa
de ajustes, e não de apelos saudosistas que nos levem de volta para a ditadura
militar.
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