Não
sei que tendências o conto assume na era da informática e da comunicação
eletrônica. Suponho que as relações humanas, o humanismo integral e o desejo
sejam as suas motivações e os seus grandes achados ontológicos. Não vejo por
que a literatura tenha que negar a vida, nem razões para que a palavra seja
colocada a serviço do mal.
O sentido supremo da vida é a sua
reinvenção. E nada do que nos ensinaram a transcendência e a filosofia vale
mais do que a revelação e a simbologia do sagrado enquanto exemplo e modelo de
virtude que nos cabe a cada momento interpretar. A literatura, entre outras
coisas, existe para induzir. A sugestão, portanto, e não a lógica das diversas
maneiras de dizer.
Tatuar palavras é uma das ocupações
humanas de maior relevo. Não se realiza pela matemática do empilhamento, mas
pela fundição de sentidos que o espírito da palavra vai arquitetando. A arte
literária é representação, compreende uma indiscutível política do desejo, é
uma forma de desvelo ou desleitura psicanalítica, porém nunca será uma teia de
interesses em busca de um objetivo a atingir.
Daí a lição dos formalistas russos.
Daí a tradição da palavra, a intuição das vanguardas e a sensação de que a arte
de contar é superior ao conteúdo de todos os enredos e argumentos que se armam
no desenho do texto. A forma, portanto, superior às intenções e aos exemplos. A
forma superior à ideologia, ao projeto de mundo e à filosofia que o escritor
acha prudente revelar.
Guy de Maupassant e Machado de
Assis, mestres supremos na engenharia do conto, mostraram como isso acontece na
curta ficção. E Miguel de Cervantes nos disse como isso se opera no campo da
novela. Alencar, arquiteto maduro do romance e do significado dos mitos e
arquétipos, enquanto projeto de durabilidade da arte, redimensionou tudo isso
no vasto território da longa ficção.
Fernando Siqueira Pinheiro é um
estreante que se lança na literatura com bastante força de vontade.
Aventurou-se num expressivo concurso literário e do mesmo saiu-se exibindo um
primeiro lugar. Teve, portanto, a sorte de sintetizar a dispersão (e as
vacilações) que sempre estão a balançar, em certames dessa natureza, o coração
e a mente dos jurados.
Sintetizar, no caso, significa
antever. E Fernando Siqueira, o autor deste livro, anteviu (de primeiro) a
honraria que o consagrou. Participei do júri que examinou o seu livro, e da
lista de jurados que o escolheu para o embate final, me parecendo-me mais do
que justo destacar que o livro venceu por nocaute e pelo desvelo das
indicações.
Venceu o prêmio por tabulação e não
por imposição pessoal de cada um dos jurados, graças, sobretudo, ao professar
Pedro Paulo Montenegro, que nos ensinou, com argúcia, a maneira científica (e
talvez a mais justa) de conferir um prêmio no campo duvidoso da arte literária.
E Fernando Siqueira, diante do
acerto, não se fez de rogado. Arregaçou as mangas, juntou os recursos, escolheu
a equipe de produção e montagem do texto e agora nos dá este belíssimo – O
Tatuador de Palavras (Fortaleza, Edições Poetaria, 2006), com projeto
gráfico de Geraldo Jesuíno da Costa.
Nearco Araújo fez as ilustrações do
volume, Pedro Henrique Saraiva Leão lhe desenhou as orelhas, Murilo Martins,
com argúcia, redigiu o texto de abertura, e a mim Fernando confiou a difícil e
honrosa tarefa de elaboração do prefácio.
Acrescento, antes de tudo, que
Fernando Siqueira e o seu livro de contos dispensam qualquer forma de
apresentação. Ele, por ser um profissional respeitado; o seu livro, por ter
vencido, de forma soberana, o Prêmio Osmundo Pontes de Literatura. Mas O Tatuador de Palavras
merece que se diga algo sobre a sua sintaxe, as suas motivações psicológicas, a
sua construção semântica e os seus grandes achados estilísticos.
Por onde começo? Permitam-me que
prossiga pelo destaque da sua temática aliciante. Vê-se que são contos
centrados, essencialmente, na problemática da solidão e do amor, no conflito
das relações amorosas e no plano da alteridade que liga a imanência das coisas
às aspirações e projetos de vida do sujeito, o que, de plano, revela para o
público a maturidade humana do autor, sendo arrojada a sintaxe que Fernando
Siqueira utiliza para minutar o seu universo linguístico.
São muitas as motivações
psicológicas nos contos de Fernando Siqueira. Elas giram em torno de algumas
questões pontuais, mas posso destacar que as questões maduras do afeto e da
incomunicabilidade entre os seres constituem as motivações de maior desvelo do
autor.
Fernando Siqueira Pinheiro tem
consciência do significado e do peso das palavras que emprega. Sabe que mexer
com palavras é um oficio bastante perigoso. E é por isso que ele mede, com
atenção, o emprego de cada expressão que utiliza. A palavra, portanto, sempre a
serviço da semântica e não apenas da gramática ou do vocabulário.
Já do ponto de vista linguístico, os
seus contos valem, sobretudo, como resgate de uma tradição que sempre resistiu
à tentação da linguagem de gosto popular. Voz e escrita, em Fernando Siqueira,
e especialmente neste O Tatuador de Palavras, confirmam-se pela força da
letra e do discurso, que somente o autor sabe utilizar, ao compor, com acerto,
um estilo literário muito pessoal.
Creio que nada mais resta a dizer sobre
o autor. E nada mais resta, acredito, que se possa dizer sobre a estreia deste
novo contista cearense. O Tatuador de Palavras é um livro que se impõe
por si mesmo. Trata-se, pois, de um volume de contos que se fez, de forma
criativa, para o deleite da vida literária.
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