sábado, 14 de setembro de 2019

Clauder Arcanjo - Mulheres de Licânia



          Dimas Macedo


                   As mulheres cortam como se fossem lâminas, cosem a nossa língua e dissecam a nossa substância. Depois, se olham no espelho e modulam a sua tirania, como se os homens não pudessem sequer respirar. Homens? Para que homens, se todas as mulheres são fantásticas, desde o nascedouro, ainda no ventre da baleia?

          Três escritores que conheço, na seara do conto, fizeram das mulheres seres ainda mais admirados, com pinceladas de drama e de suspense que as levaram para muito além da ficção. Falo de Ronaldo Correia de Brito, com o seu livro Faca, Eduardo Galeano, com o aliciante Mulheres, e Juliana Diniz, com O Instante-Quase.

          Licânia é uma cidade mítica cearense, revelada pela pena de Clauder Arcanjo e onde cabe quase tudo: o argumento literário, as máscaras que revestem as suas personagens, os tipos populares que escorregam pelos seus becos e travessas e que desfilam como atores no meio da sua gentalha, esgueirando-se pelos púlpitos e palanques da comunidade.

          Licânia é uma poderosa força magnética, um idioma que se movimenta e reconstrói o seu vocabulário. É também o título do livro de estreia de Clauder Arcanjo, misto de editor e escritor, misto de contista e cronista, porque nestes gêneros ele melhor se revela na arte de tecer o fio das palavras.

          Clauder Arcanjo é um romancista ousado, um pensador maduro, um novelista que se diverte com os seus leitores, um poeta na escultura das formas com que elabora a cosmogonia de suas crônicas.

         Um Sarau das Letras compõe a sua sinfonia, na qual se acresce a nobreza do diálogo. Faz literatura com esmero e com a medida dos iniciados. Sabe tecer o texto com a letra, e com a letra ele refaz o seu discurso.

         Gostaria de aqui rememorar o seu livro de poemas, Novelário de Espinhos, e a sua habilidade para estruturar o romance picaresco, gênero no qual se destaca o seu astucioso Cambono. Mas ele me pede que neste prefácio eu fique apenas com as suas Mulheres Fantásticas e com os desenhos de Raisa Christina que se juntam ao tecido das imagens fabuladas.

         Pede-me o Clauder Arcanjo que eu esqueça aquilo que escrevi acerca do seu livro de contos, que ele intitulou Separação, e que eu me aventure pelas estórias deste seu breviário de causos, referto de mulheres-tipos ou de mulheres-topoi, como queriam os gregos e como queremos nós, seus leitores mais ávidos.

          Creio que Clauder Arcanjo prescinde de apresentação, de prefácios, e que todas as suas obras deveriam ficar sem orelhas, porque em tudo que escreve, reluz uma escritura polifônica e os achados estilísticos que remarcam a sua narrativa.

        Transformar pessoas simples de um povoado em uma grande expressão literária, como fizeram García Márquez e Juan Carlos Onetti, e como podemos constatar neste livro de Clauder, é fazer da partitura do texto o elemento da sua substância.

          Clauder sabe que a literatura é um ato de transformação e que a ficção por ele praticada é feita com o sangue das palavras e com o arquétipo das suas personagens. Trata-se, no caso, de um escritor talentoso, que conhece os segredos e o engenho da arte literária.

         A oficina que fiz com a obra do autor, no último carnaval, levou-me a ler duas das suas publicações que eu não conhecia, especialmente, o seu genial inventário de crônicas Uma Garça no Asfalto, obra-prima no gênero, na literatura de Língua Portuguesa.

         A estes livros de Clauder, eu acrescento a ficção que se contém em Lápis nas Veias, de 2009, obra de arte literária na qual condensou a síntese das suas preocupações estilísticas e das suas tiradas imagéticas, enriquecidas pelas fotos de Pacífico Medeiros.  
      
         Nas páginas de abertura deste volume, não vou revelar seus mistérios, nem os seus enredos, nem dizer que ele merece ser lido, porque sei que o impacto da sua edição será a báscula do desejo que irá atrair os seus leitores.

         Mesmo tratando-se de histórias ficcionais, Mulheres Fantásticas também pode ser lido como uma reunião de crônicas e memórias, como fragmentos daquilo que se pode fazer com a magia das mulheres e com a aura de suas fantasias.

          As Mulheres de Licânia, desveladas pelo autor deste livro, causam-nos a impressão de que vivem em território mítico, resguardado por um contexto cênico que prima pela densidade das formas e pelos recursos da dialogia.

           Para a Literatura, a mulher e os seus arquétipos são fontes de inspiração que nunca se esgotam, especialmente, quando concertadas por um escritor de talento, como é o caso do artífice deste livro. 

          Mulheres Fantásticas (Mossoró: Sarau das Letras / Fortaleza: Edições Poetaria, 2019) compreende um conjunto literário de maior alcance, onde a atmosfera dos enredos se confunde com suas personagens, e onde os figurinos entoam para os ventos uma canção de gesta.

                                                                                             Fortaleza, 06 de fevereiro de 2019

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