segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Barros Alves e a Cultura Popular

             Dimas Macedo
                                                    
                                           Barros Alves

               A civilização do Nordeste faz-se toda ela tendo a cana-de-açúcar qual a sua base de susten­tação. Assim, justo seria aceitar que um de seus derivados viesse a integrar o cardápio dos moradores da região. A cachaça, ao lado do açúcar e da velha rapadura, industrializada nos engenhos de boi do Cariri, constitui, talvez, o mais popular dos produtos agrícolas fabri­cados no interior do Nordeste.

            A sua produção em escala comercial, para atender às exigências do mercado interno e dos consumidores internacionais, não desnaturou a sua importância tradicional, em que pese à substituição das fábricas de melaço e dos an­tigos engenhos de boi pelos equipamentos com que o parque industrial moderno tem procurado atender às suas necessidades de lucro e expansão­.

            Se a civilização do boi, que puxava os toscos engenhos de cana do Nordeste, já foi minuciosamente estudada; se a cultura do açúcar e, especialmente, da rapa­dura já foram igualmente objeto de pesquisa e observação - lógico seria que a sociologia da cachaça viesse a merecer a atenção de historiadores.

             É justamente um dos aspectos da sociologia da cachaça, no caso a sua apologia feita por repentistas, cantadores e poe­tas de bancada aquilo que o jornalista e poeta Barros Alves se propõe a estudar no seu livro – Cachaça, Cordel e Cantador (For­taleza, Editora Natacha, 1991).

            Trata-se, no caso, de um cuidadoso inven­tário daquilo que a verve do poeta popular melhor produziu sobre o assunto, em tiradas que beiram às raias do picaresco e do coloquial, do lírico e das aliciantes pitadas de humor.

            Nesse livro de Barros Alves, como assegura F. S. Nascimento, revela-se a circunstância de que "os fingimentos amorosos tiveram a pinga como aplacadora de iras ou como debeladora de insônias", sendo daí proveniente "a fortuna temática desse lenitivo emocional".

            E linhas adiante, acrescenta o mesmo escritor: "Tudo o que foi pos­sível reunir sobre o folclore da aguardente, esse arguto cordelista procurou enfeixar neste volume, enriquecendo cada texto com uma análise fundamentada em sólida bibliografia".

            No texto de abertura do livro, recorrendo a uma séria meto­dologia de pesquisa, Barros Alves busca justificar o conteúdo da matéria, interessando-lhe tanto as origens da poesia do povo, quanto as raízes do hábito alimentar em cujo contexto a cachaça se insere.

           Para ele, "o cancioneiro popular está recheado de cachaça, mas é na lite­ratura de cordel onde a presença dela é mais constante". Pensa o autor que "pouquíssimos outros temas rivalizam com a ca­chaça na Literatura de Cordel", lembrando-nos a figura do Padre Cícero Ro­mão, sobre quem os poetas de cordel ainda tecem loas; o mar, que os bardos sertanejos cantam enlevados, muitos deles só de ouvir dizer, pois nasceram e se criaram no sertão; e os ensinamentos da história sagrada.

            No capítulo primeiro, a abordagem aparece centrada na procedência da cachaça, que teria vindo de Portugal, onde era consumida, segundo Câmara Cascudo, nas "quintas fidalgas do Minho", pelo que se depreende que a origem da ca­chaça não é tão plebeia quanto se pensa.

           Popularizada no Brasil, a cachaça tornou-se a aguardente do País, nacionalizando-se com os movimentos políticos em prol da independência, principalmente quando os patriotas passaram a consumi-la em maior quantidade, em con­traposição aos vinhos estrangeiros, especialmente os portugue­ses.

           Nos capítulos intitulados: “Amada de Todos", "Cachaça e Poesia", "O Clero e a Tropa" e "Os Bichos e a Cachaça", Barros Alves demonstra completo domínio do assunto, recheando sua pesquisa com produções de poetas como Cego Aderaldo, Leandro Gomes de Barros, Romano do Teixeira, Chica Barrosa, Zefinha do Chabocão e José de Matos, este último, o mais genial cachaceiro que a poesia popular produziu.

            Inúmeros outros aspectos da pesquisa merece­riam ser destacados. Entretanto, fiquemos por aqui. A Im­portância do tema confirma a importância do livro. Escritor com nome firmado, Barros Alves é intelectual que fala por si.

           Autor do ensaio – A Literatura de Cordel Como Instrumento de Conscientização, Prêmio Leonardo Mota, de Folclore (Fortaleza, Secretaria de Cultura, 1983), e de di­versos folhetos de cordel, sua verve ainda se derrama pela feitura de poemas de apelo não popular e de trabalhos tais – O Desabusado Mundo da Cultura Popular (Fortaleza, Edições do Autor, 1984) e Tancredo Neves na Literatura de Cordel (Fortaleza, Edição do Autor, 1985).

          Trata-se de pesquisador de vasta formação humanística, forrado pelas leituras do clássico e do popular, cujos conhecimentos atestam a sua posição de cordelista maior e de intelectual que se eleva na cultura do Ceará, na atualidade.

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