Trinta Navios
Italo Gurgel
Dimas Macedo confessa com
sincero fervor: ser escritor é uma necessidade que o impede de “morrer a cada
momento”. Há mais de 40 anos, esse estro vital o tem levado a lançar ao mar da
literatura dezenas de embarcações de longo curso, que hoje transitam pelas caudalosas
correntes da poesia, da crônica, do conto, do memorialismo, do ensaio
literário.
Trinta Navios – glorioso lançamento da
Sarau das Letras (2021) – agrega-se agora a essa frota tão diversificada quanto
transbordante de talento e sensibilidade. Permeados por crônicas e entrevistas,
afloram aqui ensaios de variada cepa, que penetram a trama de um abrangente rosário
de leituras, extraindo a essência profunda de cada texto.
Ao final, não são apenas os autores perquiridos que se revelam aos
nossos olhos, traduzidos em suas emoções e recursos estilísticos. Dimas também
se descortina em cada análise, impregnando os ensaios com toda a riqueza de sua
verve poética: “...colaram em minha língua o sêmen de uma ostra e untaram meus
dedos de mel e porcelana”, revela.
O livro reúne anotações sobre personagens e obras que transitaram pelo
universo particular do autor e lhe instigaram as emoções. De Sânzio Azevedo a
Clauder Arcanjo, de Nilto Maciel ao Padre Antônio Tomás, de Eduardo Fontes a
Jáder de Carvalho, são muitos os que inspiraram as observações críticas
assentadas nos Trinta Navios. Aqui se ouvem os acordes da poesia popular
nordestina, ali se auscultam as nuances de um novo gênero de escrita que vem lá
do Sul.
Quando descortina os meandros da própria alma, Dimas se revela através
de uma prosa poética cheia de reminiscências e delírios. Repassando as dobras
do passado, ele se vê “sozinho, menino entre mangueiras a ler um livro de luz
quando não se tinha um livro impresso pela frente”. Mais tarde direciona seus
passos “em busca da solidão e do silêncio”, aspirando à resignação, pensando em
se “recolher em uma concha e flutuar nas águas”.
“Esse tempo que se
desenrola em torno de mim é miserável”, assegura com a convicção de quem
carrega “lembranças terríveis”. Nada lhe ensinaram “que valesse a pena”. E daí?
Afinal, “a felicidade é uma eterna nuvem passageira”.
Dimas é esse poeta
que explora a eternidade do efêmero. É o que se deixa impregnar pelo mais puro
sentimento de renúncia. É o que se recolhe, sempre que pode, às lembranças de
sua Lavras da Mangabeira, o mágico recanto onde o Salgado fez florir a mais
luminosa plêiade que o Ceará já concebeu. É dali que eles partem, os Trinta Navios.
Lépidos, levantam âncoras, enfunam as velas, dobram a primeira curva do rio e descem
apressados a correnteza rumo aos sete mares.
Fortaleza,
janeiro / 2021
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