quarta-feira, 1 de setembro de 2021

                                                                                             Trinta Navios

                                                                 Italo Gurgel

         Livros, como navios, são feitos para navegar. Alguns deles ficam presos ao cais; outros se lançam em curtas e acanhadas navegações; outros mais, arrojados, vão além da esquina do horizonte e cravam padrões em todas as terras onde aportam.

         Dimas Macedo confessa com sincero fervor: ser escritor é uma necessidade que o impede de “morrer a cada momento”. Há mais de 40 anos, esse estro vital o tem levado a lançar ao mar da literatura dezenas de embarcações de longo curso, que hoje transitam pelas caudalosas correntes da poesia, da crônica, do conto, do memorialismo, do ensaio literário.

       Trinta Navios – glorioso lançamento da Sarau das Letras (2021) – agrega-se agora a essa frota tão diversificada quanto transbordante de talento e sensibilidade. Permeados por crônicas e entrevistas, afloram aqui ensaios de variada cepa, que penetram a trama de um abrangente rosário de leituras, extraindo a essência profunda de cada texto.

          Ao final, não são apenas os autores perquiridos que se revelam aos nossos olhos, traduzidos em suas emoções e recursos estilísticos. Dimas também se descortina em cada análise, impregnando os ensaios com toda a riqueza de sua verve poética: “...colaram em minha língua o sêmen de uma ostra e untaram meus dedos de mel e porcelana”, revela.

          O livro reúne anotações sobre personagens e obras que transitaram pelo universo particular do autor e lhe instigaram as emoções. De Sânzio Azevedo a Clauder Arcanjo, de Nilto Maciel ao Padre Antônio Tomás, de Eduardo Fontes a Jáder de Carvalho, são muitos os que inspiraram as observações críticas assentadas nos Trinta Navios. Aqui se ouvem os acordes da poesia popular nordestina, ali se auscultam as nuances de um novo gênero de escrita que vem lá do Sul.

           Quando descortina os meandros da própria alma, Dimas se revela através de uma prosa poética cheia de reminiscências e delírios. Repassando as dobras do passado, ele se vê “sozinho, menino entre mangueiras a ler um livro de luz quando não se tinha um livro impresso pela frente”. Mais tarde direciona seus passos “em busca da solidão e do silêncio”, aspirando à resignação, pensando em se “recolher em uma concha e flutuar nas águas”.

           “Esse tempo que se desenrola em torno de mim é miserável”, assegura com a convicção de quem carrega “lembranças terríveis”. Nada lhe ensinaram “que valesse a pena”. E daí? Afinal, “a felicidade é uma eterna nuvem passageira”.

            Dimas é esse poeta que explora a eternidade do efêmero. É o que se deixa impregnar pelo mais puro sentimento de renúncia. É o que se recolhe, sempre que pode, às lembranças de sua Lavras da Mangabeira, o mágico recanto onde o Salgado fez florir a mais luminosa plêiade que o Ceará já concebeu. É dali que eles partem, os Trinta Navios. Lépidos, levantam âncoras, enfunam as velas, dobram a primeira curva do rio e descem apressados a correnteza rumo aos sete mares.

                                                                                

                                                                               Fortaleza, janeiro / 2021

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