sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Europa

                                    
                                                      Dimas Macedo

                                           
 
                                               Importar o mapa mundi

                                              até à nossa mesa

                                              e na leveza da noite

                                              curtir um vinho tinto

                                              com o instinto selvagem

                                              de turista insone,

                                              porque na Europa

                                              os seios de Afrodite

                                               de Paris até Roma.

 
                                               Fortaleza, 18/07/2014

Direito e Literatura

                Dimas Macedo

                                           




         O meu livro Direito e Literatura (2ª ed. Rio: Ed. Lumen Juris, 2017) reúne um conjunto de artigos publicados em diversos órgãos com os quais colaborei nos últimos anos.

        Os ensaios versam sobre Filosofia do Direito, Sociologia, Política e Literatura e abordam a trajetória de artistas, cientistas e pensadores da Linguagem e da Sociedade.

          Todos foram submetidos a uma revisão gramatical e morfológica, objetivando-se, com isso, a sua recepção, mas respeitando-se em tudo a sua estrutura e o seu tecido literário.

         Quanto ao conteúdo dos textos, permaneci fiel aos elementos da crítica dialética e da teoria material do Direito, eixos mediante os quais a minha obra jurídica se sustenta.

         Discorri sobre assuntos como Corrupção e Reforma Política, Sociologia do Direito, Processo e Constituição, Cidadania e Participação, Democracia & Socialismo e Acesso à Justiça Social.

         No campo da Literatura, a crônica e o memorialismo assumiram o lugar do desejo e da reparação, isto é, me deixei conduzir pelos afetos e pelos sentimentos emocionais.

         Fiz incursões pela obra de Moreira Campos e Luiz Gonzaga, a poesia de Hermínia Lima a escansão musical de Diego Macedo, pagando tributo, também, à poesia de Vicente Lemos, Ubiratan Aguiar e Wellington Alves.

         O meu olhar sobre a arte de Mano Alencar e Cláudio César é outro ponto que aqui quero destacar, ao lado de duas abordagens pertinentes à história regional.

          O livro constitui um mosaico de assuntos que giram ao redor das minhas inquietações e reticências e da minha sede de formas e de pesquisa transdisciplinar.

           Não se trata, propriamente, de uma reunião de artigos, mas de uma seleção de textos destinada à exigência dos leitores, na qual o ponto de partida é a luz, isto é, a claridade do meu universo social.

           Quem vier a se deter neste conjunto de artigos, conduzido pela emoção, nele encontrará uma espécie de testamento lírico da minha visão de ensaísta e de filósofo da cena social.

             A senilidade, no meu caso, ainda não chegou, mas a maturidade, sim. Sei que não mais preciso me preocupar com a Teoria do Direito, mas com as minhas formas e obsessões, e com a minha estética de ordem textual.

              A dois amigos devo o desafio de escrever estes ensaios, e de acreditar que estou sendo lido por um universo muito maior, aquele que é conquistado mediante revistas e sites que a Internet interpõe diante de nós.

            Dideus Sales foi o editor que primeiro me convidou para a experiência de redigir um texto a cada mês e Sabino Henrique foi aquele que chegou depois e me desafiou a preparar um texto semanal.


            A Deus agradeço os momentos que me foram dados para organizar os ensaios que aqui se acham reunidos, à margem da minha vocação maior de criador e de ensaísta do campo literário.



Myriam Fraga: Flor do Sertão

            Dimas Macedo

                                           

                                                             Myriam Fraga
                                                     
             Da geração de poetas brasileiros que cresceu na sombra acolhedora de revistas e cadernos culturais, nas décadas de 1970 e 1980, guardo o nome de Myriam Fraga de uma forma bem especial. Um retrato seu que vi publicado num suplemento de cultura, não sei por que tanto me chamou a atenção.

             A partir de então, cuidei que seria imperativo o conhecimento da sua produção. O Risco na Pele e As Purificações ou o Sinal de Talião – publicados pela Editora Civilização Brasileira, em 1979 e 1981, respectivamente –, foram os livros de sua autoria que li logo após a sua edição, os quais, me permitiram extrair da obra da autora uma persistente admiração.

            Hoje, tendo em vista as informações que venho acumulando, sei que Myriam Fraga representa, para a literatura da Bahia, um momento sublime de consagração. Em livros como Marinhas (1964), Sesmaria (1969), O Livro dos Odynata (1973), A Cidade (1979) e A Lenda do Pássaro que Roubou o Fogo (1983) flui, com certeza, a dimensão da poetisa sóbria e humana que ela não conseguiu esconder.

           Do poema em verso, inesperadamente, vejo, agora, Myriam Fraga transitando para o poema em prosa, no ensaio sentimental, biográfico e cativante que se contém no seu livro – Flor do Sertão (Salvador, Edições Macunaíma, 1986), que me chega às mãos por meio da amizade de Favela Filho, esse embaixador da cultura que possui a virtude de unir a Bahia ao Ceará.

          De Favela Filho, pois, recebo essa bela notícia tecida por Myriam Fraga em torno do amor infeliz da moça Leonídia pelo maior poeta condoreiro do Brasil. Em Flor do Sertão, Myriam Fraga busca resgatar uma dimensão do autor de Espumas Flutuantes ainda não revelada pelos estudiosos da sua produção.

            Ao narrar o regresso do poeta Castro Alves ao espaço deslumbrante de Curralinho e, portanto, aos pagos da sua Província natal, Myriam Fraga, em linguagem perdidamente poética, revela-nos o seguinte: “reclinado numa cadeira de lona, no pequeno convés ao abrigo dos ventos, respira com dificuldade o ar salitroso seguindo distraído o voo rasante das aves marinhas e a massa umbrosa do arvoredo de onde se destacam, às vezes, contrapondo ao zumbir monótono das cigarras, cantos de pássaros e gritos de marrecas”.

           Noutra passagem do seu texto, ao referir-se à essa musa desconhecida do poeta Castro Alves, Myriam Fraga deixa veiculada a certeza de que a moça Leonídia, “a dos cabelos negros, a dos seios virginais, a pomba que arrulhava nas campinas devastadas daquela alma enferma, a ‘infeliz serrana’, tinha, contudo, algo que o atraía mais do que a simplicidade de uma flor silvestre”.

            Na história do amor de Castro Alves por Leonídia Fraga, a Myriam poetisa, igualmente Fraga, não faz somente ensaio em ritmo de poesia, mas também nos ensina os mistérios da arte de criar: “o momento da criação é o espaço anulado do tempo sem limite, obscura espiral onde boiam detritos – hoje, ontem, amanhã – misturados num momento único onde só existem um coração e seu compasso”.

            Adiante, nos transmite a autora a seguinte lição: “a verdade da poesia advém de uma experiência vivida, mas também pode vir de uma experiência mentalizada. Não somente a vivência, mas também a imaginação”.

            E acrescenta Myriam: “um poema, depois de pronto, deixa de pertencer ao poeta, não pode ser considerado um macro da sua biografia, uma página arrancada do seu diário íntimo. Um poeta é um corpo, poderoso e independente, cosmos em permanente mutação, universo de múltiplos significados que se criam e destroem ao bel-prazer do leitor”.

            Igualmente do livro dessa grande poetisa baiana extraio esta afirmação: “não há fronteiras para a criação, nem de espaço nem de tempo. Uma vez instaurado o processo criador, a imaginação move-se livremente num território que lhe é próprio e que se cristaliza nos limites do branco, onde o verbo se faz carne – radioso sinal de uma obscura alquimia”.

            É claro que Myriam Fraga se refere, em primeiro lugar, ao momento de criar do mais expressivo poeta que a Bahia deu ao Brasil. Entretanto, nestas e em outras passagens de Flor do Sertão, Myriam Fraga se revela observadora invulgar.

            Em Flor do Sertão ela entrelaça o poeta e sua musa no abraço sentimental e criativo mais humano e certamente mais universal, revelando-nos o que poucos biógrafos de Castro Alves não souberam revelar: o momento sublime que fecundou a essência da criação do autor.

             Se Castro Alves, como quer Lopes Rodrigues, “amou em demasia mas não teve um amor decisivo”, eu diria, assimilando as palavras de Myriam Fraga, que, ao lado da sua musa Leonídia, ele experimentou o dilema ou até mesmo a tragédia da sua incontrolável paixão, vivenciando, assim, os mistérios mais insondáveis do amor, “envolvido em sua própria contingência, absorvido na contemplação do seu próprio sofrimento”, ou mergulhado nos arcanos da sua alegoria existencial.

João Ubaldo Ribeiro

                  Dimas Macedo

 
 
Dimas Macedo e Joao Ubaldo 

                   Com João Ubaldo Ribeiro convivi em várias vezes oportunidades. Mas antes de me aproximar de Ubaldo, conheci, em Salvador, ainda quando estudante, o seu pai, o professor Manoel Ribeiro, que me fez uma bonita dedicatória do seu livro - A Institucionalização Democrática do Poder.

                 Augurou, o velho Manoel Ribeiro, que eu seria um constitucionalista, pois via no meu interesse pela Política e a Teoria do Estado o caminho que eu viria realmente a trilhar. 

                 O Ubaldo tinha uma relação extremamente difícil com o pai, que praticamente lhe impôs a condição de Professor de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia.

                Enquanto professor e por conta dos seus deveres acadêmicos, João Ubaldo escreveu um manual para uso dos seus alunos, intitulado Política, que foi várias vezes publicado pela editora Nova Fronteira.

                É possível que o velho Manoel Ribeiro, de formação francamente elitista, não tenha gostado da linguagem acessível desse manual, destinado não apenas a estudantes de Direito, mas ao público em geral. Esse livro de Ubaldo tem sido, até hoje, um dos seus grandes sucessos, apesar de não constar, com regularidade, no elenco da sua produção.

                Mas nesta crônica, o que pretendo é registrar a minha admiração pelo escritor João Ubaldo Ribeiro, um dos mais geniais romancistas do Brasil, autor de livros como Sargento Getúlio, O Albatroz Azul, A Casa dos Budas Ditosos e Viva o Povo Brasileiro.

                Encontrei-me com João Ubaldo, pela primeira vez, na Fundação Casa de Jorge Amado, no Largo o Pelourinho, em Salvador, e a ele fui apresentado pelo jornalista Favela Filho. Iniciamos, então, uma boa convivência, que prosseguiu, algum tempo depois, num restaurante do Leblon, no Rio de Janeiro.

                Numa das vezes em que viajei a Salvador, tive o privilégio de conhecer o ficcionista baiano, Hélio Pólvora, na casa de James Amado, ao redor de um cozido de carneiro, ao sabor da melhor cozinha regional.

               James Amado e Hélio Pólvora me deixaram ainda mais próximo de Ubaldo, a partir dos relatos das suas molecagens e do seu jeito desprendido de ser. Segundo James, Ubaldo não se preocupou com os esforços de Jorge Amado para leva-lo para a Academia Brasileira de Letras e, no dia da posse, ostentava uma calça jeans e um par de tênis que se deixavam ver por baixo do fardão.

               Numa das suas viagens a Fortaleza, entornamos algumas doses de whisky, cujo conteúdo ele utilizava para ingerir a sua medicação coronariana e os seus reguladores de pressão. Nessa ocasião, fizemos algumas fotos e eu perguntei a Ubaldo acerca de uma garrafinha que ele carregava nas mãos. Ele disse-me que nela se continha o elixir da longevidade.

              Era assim João Ubaldo Ribeiro: um ser humano fora do comum, leve nas suas relações, brincalhão no seu jeito de ser, porém um escritor e acima de tudo um escritor, dos maiores que o Brasil conheceu. E de forma que a sua partida deixa um imenso vazio entre nós.