terça-feira, 11 de março de 2014

A Ficção de Fernando Siqueira

       Dimas Macedo


           Não sei que tendências o conto assume na era da informática e da comunicação eletrônica. Suponho que as relações humanas, o humanismo integral e o desejo sejam as suas motivações e os seus grandes achados ontológicos. Não vejo por que a literatura tenha que negar a vida, nem razões para que a palavra seja colocada a serviço do mal.

            O sentido supremo da vida é a sua reinvenção. E nada do que nos ensinaram a transcendência e a filosofia vale mais do que a revelação e a simbologia do sagrado enquanto exemplo e modelo de virtude que nos cabe a cada momento interpretar. A literatura, entre outras coisas, existe para induzir. A sugestão, portanto, e não a lógica das diversas maneiras de dizer.

           Tatuar palavras é uma das ocupações humanas de maior relevo. Não se realiza pela matemática do empilhamento, mas pela fundição de sentidos que o espírito da palavra vai arquitetando. A arte literária é representação, compreende uma indiscutível política do desejo, é uma forma de desvelo ou desleitura psicanalítica, porém nunca será uma teia de interesses em busca de um objetivo a atingir.

            Daí a lição dos formalistas russos. Daí a tradição da palavra, a intuição das vanguardas e a sensação de que a arte de contar é superior ao conteúdo de todos os enredos e argumentos que se armam no desenho do texto. A forma, portanto, superior às intenções e aos exemplos. A forma superior à ideologia, ao projeto de mundo e à filosofia que o escritor acha prudente revelar.

            Guy de Maupassant e Machado de Assis, mestres supremos na engenharia do conto, mostraram como isso acontece na curta ficção. E Miguel de Cervantes nos disse como isso se opera no campo da novela. Alencar, arquiteto maduro do romance e do significado dos mitos e arquétipos, enquanto projeto de durabilidade da arte, redimensionou tudo isso no vasto território da longa ficção.

            Fernando Siqueira Pinheiro é um estreante que se lança na literatura com bastante força de vontade. Aventurou-se num expressivo concurso literário e do mesmo saiu-se exibindo um primeiro lugar. Teve, portanto, a sorte de sintetizar a dispersão (e as vacilações) que sempre estão a balançar, em certames dessa natureza, o coração e a mente dos jurados.

            Sintetizar, no caso, significa antever. E Fernando Siqueira, o autor deste livro, anteviu (de primeiro) a honraria que o consagrou. Participei do júri que examinou o seu livro, e da lista de jurados que o escolheu para o embate final, me parecendo-me mais do que justo destacar que o livro venceu por nocaute e pelo desvelo das indicações.

            Venceu o prêmio por tabulação e não por imposição pessoal de cada um dos jurados, graças, sobretudo, ao professar Pedro Paulo Montenegro, que nos ensinou, com argúcia, a maneira científica (e talvez a mais justa) de conferir um prêmio no campo duvidoso da arte literária.

             E Fernando Siqueira, diante do acerto, não se fez de rogado. Arregaçou as mangas, juntou os recursos, escolheu a equipe de produção e montagem do texto e agora nos dá este belíssimo – O Tatuador de Palavras (Fortaleza, Edições Poetaria, 2006), com projeto gráfico de Geraldo Jesuíno da Costa.

            Nearco Araújo fez as ilustrações do volume, Pedro Henrique Saraiva Leão lhe desenhou as orelhas, Murilo Martins, com argúcia, redigiu o texto de abertura, e a mim Fernando confiou a difícil e honrosa tarefa de elaboração do prefácio.

           Acrescento, antes de tudo, que Fernando Siqueira e o seu livro de contos dispensam qualquer forma de apresentação. Ele, por ser um profissional respeitado; o seu livro, por ter vencido, de forma soberana, o Prêmio Osmundo Pontes de Literatura. Mas O Tatuador de Palavras merece que se diga algo sobre a sua sintaxe, as suas motivações psicológicas, a sua construção semântica e os seus grandes achados estilísticos.

            Por onde começo? Permitam-me que prossiga pelo destaque da sua temática aliciante. Vê-se que são contos centrados, essencialmente, na problemática da solidão e do amor, no conflito das relações amorosas e no plano da alteridade que liga a imanência das coisas às aspirações e projetos de vida do sujeito, o que, de plano, revela para o público a maturidade humana do autor, sendo arrojada a sintaxe que Fernando Siqueira utiliza para minutar o seu universo linguístico.

            São muitas as motivações psicológicas nos contos de Fernando Siqueira. Elas giram em torno de algumas questões pontuais, mas posso destacar que as questões maduras do afeto e da incomunicabilidade entre os seres constituem as motivações de maior desvelo do autor.

           Fernando Siqueira Pinheiro tem consciência do significado e do peso das palavras que emprega. Sabe que mexer com palavras é um oficio bastante perigoso. E é por isso que ele mede, com atenção, o emprego de cada expressão que utiliza. A palavra, portanto, sempre a serviço da semântica e não apenas da gramática ou do vocabulário.

           Já do ponto de vista linguístico, os seus contos valem, sobretudo, como resgate de uma tradição que sempre resistiu à tentação da linguagem de gosto popular. Voz e escrita, em Fernando Siqueira, e especialmente neste O Tatuador de Palavras, confirmam-se pela força da letra e do discurso, que somente o autor sabe utilizar, ao compor, com acerto, um estilo literário muito pessoal.

            Creio que nada mais resta a dizer sobre o autor. E nada mais resta, acredito, que se possa dizer sobre a estreia deste novo contista cearense. O Tatuador de Palavras é um livro que se impõe por si mesmo. Trata-se, pois, de um volume de contos que se fez, de forma criativa, para o deleite da vida literária.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Pastor Manoel Alexandre Neto

            Dimas Macedo

 
                                                      
                                           


            Filho de Vicente Vitorino Alexandre e de Maria Alexandre de Souza, Manoel Alexandre Neto nasceu em Lavras da Mangabeira, aos 09 de agosto 1935. Na terra natal, tomou contato com as primeiras letras.

           Transferindo-se para Fortaleza, aqui iniciou a sua vida profissional, abrindo-se a sua mente para os dons espirituais de que sempre foi portador, tendo sido batizado na Igreja Adventista Central de Fortaleza, aos 15 de setembro de 1953, pelo pastor Gustavo Storch.

            Em 1956, ingressou no curso ginasial do Educandário Adventista Nordestino, situado em Belém de Maria (Pernambuco), e em 1959 iniciou o segundo grau no Instituto Petropolitano Adventista de Ensino, localizado em Petrópolis (RJ), concluindo-o no Instituto Adventista de Ensino, em São Paulo.

            Paralelamente aos estudos de primeiro e segundo graus, atuou como colportor. Foi Diretor de Colportagem da Missão Baixo Amazonas, em Belém do Pará, e quatro anos depois passou a exercer o mesmo cargo na Missão Costa Norte, em Fortaleza, onde se demorou por três anos.

            De 1963 a 1966, fez o Curso Superior de Teologia na Universidade Adventista de São Paulo (UNASP). Durante o curso, teve atuação destacada como colportor, tendo se casado, em 1965, com Teia Salvador Alexandre, nascendo dessa união os seus filhos: Neander e Cranmer.

              Aos 23 de fevereiro de 1971, recebeu a ordenação ministerial de Pastor, e, em março de 1974, assumiu o cargo de assistente do diretor de colportagem da Associação Adventista de São Paulo, passando em outubro do mesmo ano para a função de Diretor.

              De 1975 a 1987, trabalhou como Diretor de Colportagem da União Este Brasileira da Igreja Adventista e, em novembro de 1978, concluiu o Curso de Administração Financeira na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

              Em julho de 1987, foi transferido para a União Central Brasileira da Igreja Adventista, assumindo, em 1994, a função de auxiliar do diretor dessa instituição e permanecendo nesse posto até 1996.

              De 1997 a 1998, foi diretor do Departamento de Publicações da Associação Paulista Central da Igreja Adventista do Sétimo Dia, localizada em Campinas, destacando-se sempre como um servidor fiel da Igreja cuja doutrina assumiu desde os dezoito anos.

              Como Pastor da Igreja Adventista, tem sido meritória a sua atuação, especialmente em face da sua inteligência e do seu carisma espiritual, destacando-se também Manoel Alexandre por seus conhecimentos e pela sua cultura teológica.

              Seu nome figura no rol das Personalidades Históricas da Igreja Adventista e na Enciclopédia da Memória Adventista do Brasil, e sobre esse lavrense pode ser consultada a monografia – Vida e Obra do Pastor Manoel Alexandre Neto, publicada em São Paulo, 1999, pelo Centro Nacional da Memória Adventista.

domingo, 9 de março de 2014

Antônio Girão Barroso: Aproximações

          Dimas Macedo


                Antônio Girão Barroso é uma legenda viva da cultura cearense. Não foi apenas um poeta, no sentido mais genuíno da palavra, pois a sua atividade, como agitador de ideias e líder de movimentos de vanguarda, transcendeu à cena literária cearense.

               A implantação do modernismo no Ceará muito deve aos fulgores do seu intercâmbio e à sua capacidade de comunicação e de sintonia com aqueles que fizeram, em São Paulo, a Semana de Arte Moderna, tendo mantido relações de amizade com escritores como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Cassiano Ricardo e Carlos Drummond de Andrade.

               Foi um modernista de primeira hora, que não se deixou levar, em nenhum momento, pelas formas fixas do poema. No seu livro de estreia, de 1938, deu abrigo, como poucos poetas brasileiros, ao evangelho desse movimento, e foi arauto, no Ceará, dessa nova estética literária.

              Na década de 1940, fez-se um dos expoentes do Grupo Clã de Literatura, ao lado de poetas, tais Artur Eduardo Benevides e Aluísio Medeiros, e de ficcionistas como Fran Martins, Eduardo Campos e João Clímaco Bezerra, tendo participado do Congresso Cearense de Poesia e da Sociedade Cearense de Artes Plásticas, exercendo também a crítica literária, a crítica de cinema e a crítica de arte com notável conhecimento dos seus objetos de pesquisa.

             O Movimento de Arte Concreta, no Ceará, muito aprendeu com esse importante poeta modernista, tendo dele recebido todos os aplausos e o registro das suas manifestações. Influenciou, também, o poeta Antônio Girão, o Grupo SIN de Literatura, no final da década de 1960, e, nas décadas seguintes, foi uma espécie de guia e protetor das novas gerações.

              O seu jeito humano e perdidamente poético de viver constitui um traço da nossa cultura letrada, da nossa atividade boêmia e dos movimentos estéticos que eclodiram em Fortaleza durante quase meio século. Simples e despojado de qualquer forma de empáfia, brincalhão e feliz assim como uma criança que sabe os valores do afeto, Girão tinha um espírito levemente travesso e um coração permanentemente aberto para o novo.

             Publicou pouco, muito pouco mesmo o poeta Antônio Girão, em relação ao tempo no qual atuou como escritor de vanguarda, mas o que deixou publicado, nesse campo, é suficiente para colocá-lo entre os grandes poetas cearenses, tendo sido recolhido, até agora, pouco mais que uma centena de poemas de sua autoria.

             É possível que tenha perdido boa parte daquilo que escreveu, pois era, assumidamente, um grande sonhador, desprovido de preocupações para com o legado da sua produção, que se impôs à poesia do Ceará e do Brasil pela clareza, limpidez estética e correção sintática dos seus grandes achados estilísticos.

               Em Girão, a poesia flui de forma desataviada e espontânea, traz acentos melódicos, que nos fazem tamborilar o ritmo das artérias, e imagens lapidadas por recortes cênicos que nos colocam diante da beleza do cotidiano, porque plástica e lírica a cosmovisão dos seus insights criativos.

             Nele, o poeta não se compara nunca com o cronista; o ensaísta paga tributo aos cenários da vida cultural; e o crítico nele se revela com todo o aparato da forma que lhe permite o recurso à lírica e à estética como panos de fundo do seu artesanato.

               A criação poética de Girão talvez esteja, apenas parcialmente, reunia em Poesias Incompletas (Fortaleza, Edições UFC, 1994); e a sua prosa, ainda dispersa em jornais e revistas, começa a ser resgatada em Aproximações. Não creio, sinceramente, que no livro estejam reunidos todos os escritos em prosa de Girão, mas apenas parte daquilo que foi possível pesquisar.

             O título - Aproximações, assim como aquele que nomina o seu livro de poemas, acompanharam o autor nos seus últimos anos de vida. Mas o poeta, é certo, não organizou nenhum desses livros, como pretendia, pois não lhe sobravam tempo nem razão para assuntos dessa natureza.

              O seu coração e a sua conhecida ternura de poeta, sempre disposto a celebrar a vida com os seus amigos, não cediam lugar para o óbvio, perseguido por todo escritor de talento: a concatenação dos seus escritos dispersos.

              Devemos ao seu filho, Oswald Barroso, a ressurreição de Girão como poeta póstumo, e, agora, a sua sobrevivência como cronista e ensaísta. Engrandeceu-se Oswald como pesquisador, resgatando parte da prosa jornalística deixada por seu pai.

            Ter sido escolhido para fazer o prefácio desse livro é algo que me toca de uma forma muito especial. Convivi bastante com Girão, com ele mourejei na boemia e dele recebi as atenções que poucos poetas, seus contemporâneos, dispensaram a escritores da minha geração.

            Girão me ensinou a arte de ser breve e a arte de buscar as fontes de leitura especialmente antenadas com o novo. E creio que posso registar que ele me ensinou a ser um escritor melhor e a viver a cena cultural como extensão da minha escritura literária.

            Os assuntos versados em Aproximações constituem um mosaico de intenções artísticas. Trata-se antes de uma cultura de acervo, na qual a literatura cearense aparece diante das suas mutações, especialmente aquelas processadas enquanto Girão atuava com o brilho da sua inteligência.

            O resgate da sua produção se impõe à cultura das novas gerações, porque Antônio Girão já é parte da história que se conta e da literatura que, no Ceará, caminha soberana para a sua afirmação definitiva.
             Não pretendo falar sobre a temática do livro, nem explicar o sumário de Aproximações. Melhor mesmo é deixar que os leitores, de primeiro, mergulhem na leveza desses escritos de Girão.