Dimas Macedo
A obra política de Paulo Bonavides constitui
uma das mais extensas fontes de pesquisa e produção acadêmica do pensamento
filosófico da segunda metade do século precedente, projetando-se no campo da
cultura brasileira e alcançando ressonância internacional, mercê da
originalidade, da erudição e do vigor analítico com que o autor ilumina a sua
postura discursiva.
Considerado, na
atualidade, o nosso mais respeitado e profícuo germanista, esse grande cientista
político e figura de prol do Direito Constitucional no Brasil, é possuidor de
uma cultura humanística invejável, dissimulada na humildade e na simplicidade
da sua elegância afetuosa, traços da sua personalidade de mestre e de esteta,
de sábio e de jurista que conhece os muitos saberes da reflexão e do pensamento
sistematizado.
O seu imenso e
diversificado curriculum de
scholar demonstra, à saciedade, a dimensão do seu labor acadêmico, quer no
setor específico da Ciência Política, quer na área do Direito Constitucional ou
da Filosofia do Direito, quer no campo da sua convivência com os saberes
universitários.
O conhecido
constitucionalista espanhol, Pablo Lucas Verdú, sempre o teve na conta de
“maestro de los maestros”, sendo Paulo Bonavides estimado, em terras de Camões
e Cervantes, como o maior constitucionalista da Língua Portuguesa, destacando-se
a sua reputação de cientista do Estado em toda a América Latina.
Nasceu em Patos (PB),
aos 10 de maio de 1925, mas no seu registro civil consta que ele veio ao mundo
em 1923, por necessidade de entrar no mercado de trabalho para prover o
sustento da família, após o falecimento do seu pai, tendo a mãe e os filhos
menores se transferido para Fortaleza.
Foram seus pais Fenelon
Fernandes Bonavides e Hermínia Fernandes Bonavides. Casou-se com a sua
conterrânea Yeda Sátyro Bonavides, havendo, dessa união, os seguintes filhos: Paulo,
Márcio, Clóvis, Vera, Gláucia, Doralice e Marília.
Concluiu o Curso de Bacharel em Ciências
Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito da Universidade do Brasil, em 1948,
depois de exitosa passagem pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos,
tornando-se, em seguida, Lente de Filologia Românica da Universidade de
Heidelberg, nos anos letivos de 1952 e 1953.
Com a pesquisa
intitulada Dos Fins do Estado, fez-se Professor Assistente da
Universidade Federal do Ceará, em 1955; e, em 1958, vitorioso em memorável
concurso, conquistou os títulos de Doutor e Professor Catedrático, com a tese
de Livre Docência, Do Estado Liberal ao Estado Social, que o projetou no
plano nacional e que o fez reconhecido como um dos maiores filósofos do Estado
da retomada do jusnaturalismo.
Considerado por
Oswaldo Trigueiro como “um dos precursores da ciência política em nosso país”,
o Professor Bonavides foi, a rigor, o fundador, entre nós, da referida
disciplina, especialmente, em face do que se pode observar diante da análise e
da expressão metodológica que o autor fez aflorar na sua Ciência Política
(Rio: Fundação Getúlio Vargas, 1967), ainda hoje o mais requisitado e completo
manual de teoria política que se publicou entre nós.
Também de 1967 é a sua
Teoria do Estado, divulgada, inicialmente, pela Editora Saraiva, de São
Paulo, e hoje já em sua décima primeira edição. Trata-se, não propriamente, de
um Curso acerca da anatomia das instituições estatais, mas de um questionamento
sobre o papel do Estado e a transformação dos poderes institucionais, tendo-se
presentes o jusnaturalismo e a afirmação do Estado Social.
A crise institucional
brasileira passa a ocupar as suas reflexões a partir da segunda metade da
década de 1960, sendo de 1969 a edição de A Crise Política Brasileira
(Rio: Editora Forense). Afonso Arinos de Mello Franco, no prefácio do livro, deixou
consignado que “Sem se engajar em posições militantes, o professor Bonavides
revela, no entanto, orientação coerente, no plano histórico-social, o que é
necessário na formação do cultor das Ciências Sociais, nas quais o
abstracionismo puro eliminaria fator indispensável ao processo científico, que
é, precisamente, a realidade social na sua opcional mutabilidade”.
Nas décadas de 1970 e
1980 achava-se Paulo Bonavides envolvido com a Teoria da Constituição, com a
crise da Democracia e do Poder Constituinte e com os fundamentos do federalismo
de regiões, tendo em vista, essencialmente, a problemática da questão
nordestina. Um Projeto de Constituição Para o Brasil encontrava-se, então, no
centro de suas atenções.
Paulo Bonavides nunca se
afastou da luta pela afirmação do Estado Social, como pode, aliás, ser
observado nos seus livros: Reflexões – Política e Direito (1973), Direito
Constitucional (1980), Política e Constituição (1985) e Constituinte
e Constituição (1986).
Num momento de extrema
dificuldade para a democracia e a soberania popular, assumiu a liderança de um
grupo de constitucionalistas democratas que fundou o Instituto Brasileiro de
Direito Constitucional, instituição da qual foi o primeiro dirigente, no
período de 1979 a 1987, tendo sido aclamado seu Presidente Emérito em 1988, em
virtude de “relevantes serviços prestados a esta entidade, no cumprimento dos
seus mandatos presidenciais”.
Ao Professor Bonavides
foram conferidas várias honrarias, entre elas,
a
Medalha Rui Barbosa do Conselho
Federal da OAB, a Medalha Teixeira de
Freitas do Instituto dos Advogados Brasileiros, o Grande-Colar do Mérito do Tribunal de Contas da União, a Medalha da Abolição do governo cearense
e a Medalha Clóvis Beviláqua do
Tribunal de Justiça do Ceará.
No campo
internacional, teve desempenho docente destacado nas universidades de
Heidelberg (1952/1953) e Colônia (1982), na Alemanha; Tennessee/Knoxville
(1984), nos Estados Unidos; e Universidade de Lisboa (1989), sendo Doutor Honoris
Causa desta última instituição. Possui os títulos de Professor Distinguido
da Universidade San Marcos, sediada em Lima, no Peru, Professor Emérito da UFC
e professor convidado de outros circuitos acadêmicos.
Destaca-se, igualmente,
como Doutor Honoris Causa da
Universidade Inca Garcilaço de La Vega (situada em Lima, no Peru) e das
seguintes instituições: Universidade de Fortaleza, Universidade Metropolitana
de Santos, Universidade de Buenos Aires, Universidade de Córdoba (Argentina), Universidade
Regional do Cariri e Universidade Federal do Rio de Janeiro.
É sócio de várias instituições nacionais e
estrangeiras, citando-se, dentre elas, as seguintes: Association Internacionale de Science Politique (França), Internationale Vereinigung Für Rechts – und
Sozial Philosophie e Academia
de Ciência da Renânia do Norte-Westfália (Alemanha), The American Society For Political and Legal
Philosophy e American Foreign Law
Association (Estados Unidos), Instituto Iberoamericano de Derecho Constitucional (México) e Academia
Brasileira de Letras Jurídicas.
Fundador e diretor da Revista Filosófica do
Nordeste (1962) e integrante do Comitê de Iniciativa que fundou, em 1981,
em Belgrado, Iugoslávia, a Associação Internacional de Direito Constitucional,
o Professor Bonavides foi, igualmente, presidente do Instituto Brasileiro de
Filosofia – Secção do Ceará e Consultor Ad
hoc do CNPq.
Dentre as revistas com as quais colaborou,
enumeram-se aquelas intituladas: Revista
de Ciência Política e de Direito
Administrativo, da Fundação Getúlio Vargas; Revista de Direito Público, da Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo; Revista Forense (Rio de
Janeiro); Revista de Informação Legislativa, do Senado Federal; Revista de Direito Constitucional (São
Paulo); Revista Nomos, do Curso de
Mestrado em Direito da UFC; Revista Del
Instituto de Ciências Sociales (Barcelona); e Revista Latino-Americana
de Estudos Constitucionais, sendo
fundador e diretor deste último periódico.
Seu Curso de Direito Constitucional, editado em 1993, encontra-se na
34ª edição. Representa obra de vulto e constitui uma nova etapa,
metodologicamente transformadora, no seio do Direito Constitucional brasileiro,
uma vez que consagra temas nunca dantes explorados entre nós, tais como a teoria
das normas e princípios constitucionais, a força normativa da Constituição, o
Sistema Constitucional, a Hermenêutica da Constituição e a formulação dos
conceitos de Tópica, enquanto Teoria do Direito, e de Constituição, no sentido
material.
A este
livro seminal de Paulo Bonavides, juntam-se Do País Constitucional ao País
Neocolonial – A Derrubada da Constituição e Recolonização pelo Golpe de Estado
Institucional (1999) e Teoria Constitucional da Democracia Participativa
(2001), o que constitui, para o autor, uma trilogia voltada para um Direito
Constitucional de Lutas e de Resistência, vertente do pensamento político da
qual, no Brasil, ele é o teórico mais conhecido.
Trata-se de um Direito
Constitucional de formulação material, sintonizado com as manifestações
periféricas e tributário do Estado Constitucional Cooperativo, Comunitário,
Regionalista e de franca oposição ao Estado Liberal do Capitalismo financeiro e
globalizado, de que são exemplos a União Europeia e os Estados Unidos da
América.
O teórico do Direito, em Paulo Bonavides,
encontra-se disseminado em toda a sua obra. E faz-se altissonante,
especialmente, quando ele se revela diante da sua visão de cientista e de
sociólogo do Direito, ou ainda quando disserta sobre temas como o conceito
material da Constituição, a despolitização da legitimidade, a teoria dos princípios
jurídicos, dos Direitos Fundamentais ou do sistema constitucional.
Na obra política e jurídica de Paulo Bonavides
existem livros que ele próprio e os seus editores costumam não arrolar em suas
informações, como é o caso de O Tempo e os Homens (1952, 3ª ed.: 2003), Normas
Jurídicas e Análise Lógica – Correspondência Kelsen-Klug (1984) e Demócrito
Rocha – Uma Vocação Para a Liberdade (1988, 3ª ed.: 2010).
Como pesquisador da obra
bonavideana, não entendo porque um livro como Normas Jurídicas e Análise Lógica não tenha sido reeditado desde a
sua primeira versão, em 1984. Aí Paulo Bonavides se destaca como tradutor do
alemão para o vernáculo e surpreende, inclusive, os seus maiores admiradores.
Parecem seminais, na
produção teórica de Bonavides: a singularidade da sua reflexão, o alcance do
seu pensamento filosófico e a abrangência e universalidade das suas linhas de
pesquisa, o que faz dele um filósofo e pensador de grande erudição.
Sei que cinco livros, pelo menos, já foram
organizados em homenagem a Paulo Bonavides. Nenhum deles, que eu saiba, se
preocupou em abordar os lineamentos dos seus escritos acadêmicos, nem a contribuição
da sua obra de constitucionalista ou filósofo do direito.
O meu livro: Estado de Direito e
Constituição – O Pensamento de Paulo Bonavides (São Paulo, Editora
Malheiros, 2010), de corte assumidamente propedêutico, não é uma monografia ou projeto
de pesquisa de viés acadêmico. E não constitui um panorama didático sobre a
exposição da sua doutrina de jurista. Constitui antes um conjunto de reflexões
sobre aspectos singulares da sua produção, feito talvez com o rigor da síntese
que sempre orientou o meu trabalho de jurista.
Além dos ensaios por mim desenvolvidos, acostei, ao termo do projeto,
uma dezena de escritos sobre a vida e a obra de Paulo Bonavides. Textos que
descobri, em maiores esforços, pulverizados em diversas fontes. Não reuni tudo
o que encontrei e não me debrucei sobre os arquivos do grande jurista e
constitucionalista cearense.
Não se trata de um livro para louvar a minha trajetória, mas para
registrar a minha admiração pelo Mestre Paulo Bonavides, de quem me orgulho de
ter sido aluno e a quem agradeço a generosidade, a atenção, acolhida e a
amizade que nunca me faltaram.