domingo, 23 de janeiro de 2011

O Pensamento de Paulo Bonavides

              Dimas Macedo


              A obra política de Paulo Bonavides constitui uma das mais extensas fontes de pesquisa e produção acadêmica do pensamento filosófico da segunda metade do século precedente, projetando-se no campo da cultura brasileira e alcançando ressonância internacional, mercê da originalidade, da erudição e do vigor analítico com que o autor ilumina a sua postura discursiva.

           Considerado, na atualidade, o nosso mais respeitado e profícuo germanista, esse grande cientista político e figura de prol do Direito Constitucional no Brasil, é possuidor de uma cultura humanística invejável, dissimulada na humildade e na simplicidade da sua elegância afetuosa, traços da sua personalidade de mestre e de esteta, de sábio e de jurista que conhece os muitos saberes da reflexão e do pensamento sistematizado.

           O seu imenso e diversificado curriculum de scholar demonstra, à saciedade, a dimensão do seu labor acadêmico, quer no setor específico da Ciência Política, quer na área do Direito Constitucional ou da Filosofia do Direito, quer no campo da sua convivência com os saberes universitários.

           O conhecido constitucionalista espanhol, Pablo Lucas Verdú, sempre o teve na conta de “maestro de los maestros”, sendo Paulo Bonavides estimado, em terras de Camões e Cervantes, como o maior constitucionalista da Língua Portuguesa, destacando-se a sua reputação de cientista do Estado em toda a América Latina.

           Nasceu em Patos (PB), aos 10 de maio de 1925, mas no seu registro civil consta que ele veio ao mundo em 1923, por necessidade de entrar no mercado de trabalho para prover o sustento da família, após o falecimento do seu pai, tendo a mãe e os filhos menores se transferido para Fortaleza.

            Foram seus pais Fenelon Fernandes Bonavides e Hermínia Fernandes Bonavides. Casou-se com a sua conterrânea Yeda Sátyro Bonavides, havendo, dessa união, os seguintes filhos: Paulo, Márcio, Clóvis, Vera, Gláucia, Doralice e Marília. 

           Concluiu o Curso de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito da Universidade do Brasil, em 1948, depois de exitosa passagem pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, tornando-se, em seguida, Lente de Filologia Românica da Universidade de Heidelberg, nos anos letivos de 1952 e 1953.

            Com a pesquisa intitulada Dos Fins do Estado, fez-se Professor Assistente da Universidade Federal do Ceará, em 1955; e, em 1958, vitorioso em memorável concurso, conquistou os títulos de Doutor e Professor Catedrático, com a tese de Livre Docência, Do Estado Liberal ao Estado Social, que o projetou no plano nacional e que o fez reconhecido como um dos maiores filósofos do Estado da retomada do jusnaturalismo.

             Considerado por Oswaldo Trigueiro como “um dos precursores da ciência política em nosso país”, o Professor Bonavides foi, a rigor, o fundador, entre nós, da referida disciplina, especialmente, em face do que se pode observar diante da análise e da expressão metodológica que o autor fez aflorar na sua Ciência Política (Rio: Fundação Getúlio Vargas, 1967), ainda hoje o mais requisitado e completo manual de teoria política que se publicou entre nós.

              Também de 1967 é a sua Teoria do Estado, divulgada, inicialmente, pela Editora Saraiva, de São Paulo, e hoje já em sua décima primeira edição. Trata-se, não propriamente, de um Curso acerca da anatomia das instituições estatais, mas de um questionamento sobre o papel do Estado e a transformação dos poderes institucionais, tendo-se presentes o jusnaturalismo e a afirmação do Estado Social.

           A crise institucional brasileira passa a ocupar as suas reflexões a partir da segunda metade da década de 1960, sendo de 1969 a edição de A Crise Política Brasileira (Rio: Editora Forense). Afonso Arinos de Mello Franco, no prefácio do livro, deixou consignado que “Sem se engajar em posições militantes, o professor Bonavides revela, no entanto, orientação coerente, no plano histórico-social, o que é necessário na formação do cultor das Ciências Sociais, nas quais o abstracionismo puro eliminaria fator indispensável ao processo científico, que é, precisamente, a realidade social na sua opcional mutabilidade”.

          Nas décadas de 1970 e 1980 achava-se Paulo Bonavides envolvido com a Teoria da Constituição, com a crise da Democracia e do Poder Constituinte e com os fundamentos do federalismo de regiões, tendo em vista, essencialmente, a problemática da questão nordestina. Um Projeto de Constituição Para o Brasil encontrava-se, então, no centro de suas atenções.

          Paulo Bonavides nunca se afastou da luta pela afirmação do Estado Social, como pode, aliás, ser observado nos seus livros: Reflexões – Política e Direito (1973), Direito Constitucional (1980), Política e Constituição (1985) e Constituinte e Constituição (1986).

          Num momento de extrema dificuldade para a democracia e a soberania popular, assumiu a liderança de um grupo de constitucionalistas democratas que fundou o Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, instituição da qual foi o primeiro dirigente, no período de 1979 a 1987, tendo sido aclamado seu Presidente Emérito em 1988, em virtude de “relevantes serviços prestados a esta entidade, no cumprimento dos seus mandatos presidenciais”.

           Ao Professor Bonavides foram conferidas várias honrarias, entre elas, a Medalha Rui Barbosa do Conselho Federal da OAB, a Medalha Teixeira de Freitas do Instituto dos Advogados Brasileiros, o Grande-Colar do Mérito do Tribunal de Contas da União, a Medalha da Abolição do governo cearense e a Medalha Clóvis Beviláqua do Tribunal de Justiça do Ceará. 
        
            No campo internacional, teve desempenho docente destacado nas universidades de Heidelberg (1952/1953) e Colônia (1982), na Alemanha; Tennessee/Knoxville (1984), nos Estados Unidos; e Universidade de Lisboa (1989), sendo Doutor Honoris Causa desta última instituição. Possui os títulos de Professor Distinguido da Universidade San Marcos, sediada em Lima, no Peru, Professor Emérito da UFC e professor convidado de outros circuitos acadêmicos.

          Destaca-se, igualmente, como Doutor Honoris Causa da Universidade Inca Garcilaço de La Vega (situada em Lima, no Peru) e das seguintes instituições: Universidade de Fortaleza, Universidade Metropolitana de Santos, Universidade de Buenos Aires, Universidade de Córdoba (Argentina), Universidade Regional do Cariri e Universidade Federal do Rio de Janeiro.

           É sócio de várias instituições nacionais e estrangeiras, citando-se, dentre elas, as seguintes: Association Internacionale de Science Politique (França), Internationale Vereinigung Für Rechts – und Sozial Philosophie e Academia de Ciência da Renânia do Norte-Westfália (Alemanha), The American Society For Political and Legal Philosophy e American Foreign Law Association (Estados Unidos), Instituto Iberoamericano de Derecho Constitucional (México) e Academia Brasileira de Letras Jurídicas.

          Fundador e diretor da Revista Filosófica do Nordeste (1962) e integrante do Comitê de Iniciativa que fundou, em 1981, em Belgrado, Iugoslávia, a Associação Internacional de Direito Constitucional, o Professor Bonavides foi, igualmente, presidente do Instituto Brasileiro de Filosofia – Secção do Ceará e Consultor Ad hoc do CNPq.

           Dentre as revistas com as quais colaborou, enumeram-se aquelas intituladas: Revista de Ciência Política e de Direito Administrativo, da Fundação Getúlio Vargas; Revista de Direito Público, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; Revista Forense (Rio de Janeiro); Revista de Informação Legislativa, do Senado Federal; Revista de Direito Constitucional (São Paulo); Revista Nomos, do Curso de Mestrado em Direito da UFC; Revista Del Instituto de Ciências Sociales (Barcelona); e Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, sendo  fundador e diretor deste último periódico.

          Seu Curso de Direito Constitucional, editado em 1993, encontra-se na 34ª edição. Representa obra de vulto e constitui uma nova etapa, metodologicamente transformadora, no seio do Direito Constitucional brasileiro, uma vez que consagra temas nunca dantes explorados entre nós, tais como a teoria das normas e princípios constitucionais, a força normativa da Constituição, o Sistema Constitucional, a Hermenêutica da Constituição e a formulação dos conceitos de Tópica, enquanto Teoria do Direito, e de Constituição, no sentido material.

           A este livro seminal de Paulo Bonavides, juntam-se Do País Constitucional ao País Neocolonial – A Derrubada da Constituição e Recolonização pelo Golpe de Estado Institucional (1999) e Teoria Constitucional da Democracia Participativa (2001), o que constitui, para o autor, uma trilogia voltada para um Direito Constitucional de Lutas e de Resistência, vertente do pensamento político da qual, no Brasil, ele é o teórico mais conhecido.

         Trata-se de um Direito Constitucional de formulação material, sintonizado com as manifestações periféricas e tributário do Estado Constitucional Cooperativo, Comunitário, Regionalista e de franca oposição ao Estado Liberal do Capitalismo financeiro e globalizado, de que são exemplos a União Europeia e os Estados Unidos da América.

          O teórico do Direito, em Paulo Bonavides, encontra-se disseminado em toda a sua obra. E faz-se altissonante, especialmente, quando ele se revela diante da sua visão de cientista e de sociólogo do Direito, ou ainda quando disserta sobre temas como o conceito material da Constituição, a despolitização da legitimidade, a teoria dos princípios jurídicos, dos Direitos Fundamentais ou do sistema constitucional.

           Na obra política e jurídica de Paulo Bonavides existem livros que ele próprio e os seus editores costumam não arrolar em suas informações, como é o caso de O Tempo e os Homens (1952, 3ª ed.: 2003), Normas Jurídicas e Análise Lógica – Correspondência Kelsen-Klug (1984) e Demócrito Rocha – Uma Vocação Para a Liberdade (1988, 3ª ed.: 2010).

          Como pesquisador da obra bonavideana, não entendo porque um livro como Normas Jurídicas e Análise Lógica não tenha sido reeditado desde a sua primeira versão, em 1984. Aí Paulo Bonavides se destaca como tradutor do alemão para o vernáculo e surpreende, inclusive, os seus maiores admiradores.

          Parecem seminais, na produção teórica de Bonavides: a singularidade da sua reflexão, o alcance do seu pensamento filosófico e a abrangência e universalidade das suas linhas de pesquisa, o que faz dele um filósofo e pensador de grande erudição.

            Sei que cinco livros, pelo menos, já foram organizados em homenagem a Paulo Bonavides. Nenhum deles, que eu saiba, se preocupou em abordar os lineamentos dos seus escritos acadêmicos, nem a contribuição da sua obra de constitucionalista ou filósofo do direito.

           O meu livro: Estado de Direito e Constituição – O Pensamento de Paulo Bonavides (São Paulo, Editora Malheiros, 2010), de corte assumidamente propedêutico, não é uma monografia ou projeto de pesquisa de viés acadêmico. E não constitui um panorama didático sobre a exposição da sua doutrina de jurista. Constitui antes um conjunto de reflexões sobre aspectos singulares da sua produção, feito talvez com o rigor da síntese que sempre orientou o meu trabalho de jurista.

           Além dos ensaios por mim desenvolvidos, acostei, ao termo do projeto, uma dezena de escritos sobre a vida e a obra de Paulo Bonavides. Textos que descobri, em maiores esforços, pulverizados em diversas fontes. Não reuni tudo o que encontrei e não me debrucei sobre os arquivos do grande jurista e constitucionalista cearense.

           Não se trata de um livro para louvar a minha trajetória, mas para registrar a minha admiração pelo Mestre Paulo Bonavides, de quem me orgulho de ter sido aluno e a quem agradeço a generosidade, a atenção, acolhida e a amizade que nunca me faltaram.




3 comentários:

  1. Amigo dimas,

    Cada vez mais te admiro por tua generosidade, atenção e acolhimento com as pessoas que te rodeiam.

    Abraços afetuosos.

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  2. Muito bonito o reconhecimento ao trabalho e capacidade de seu professor, que é reconhecidamente um grande jurista. Essa sua generosidade e gentileza cativa os amigos.
    Abraços,
    Lourdinha Leite Barbosa

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  3. Tendo cursado Direito nos Institutos Paraibanos de Educação (1986-1990), não fui apresentado por qualquer dos lentes da Faculdade às obras do constitucionalista PAULO BONAVIDES, muito embora (e eu não sabia disso) fosse esse belo jurista nascido em solo paraibano.

    Na Introdução ao Direito, indicaram-me FLÓSCOLO DA NÓBREGA (do qual, inclusive, ainda hoje possuo plaquete biográfica editada pelo Governo paraibano em 2000). E ao passar pela cadeira de Direito Constitucional, de UM SEMESTRE apenas, não recordo se adquiri o livro indicado e utilizado pelo professor da disciplina, mas com certeza não foi PAULO BONAVIDES, que pelo sobrenome eu (bairrista o bastante) julgava fosse cearense.

    Agora, que já não venho "CURTINDO" o Direito, o Mestre DIMAS nos traz essas belas linhas que apontam mais de uma dezena de obras do internacionalmente renomado jurista, eu quedei-me a ler (com prazer, sim, mas com olhos de amante das biografias) o texto postado e, inclusive, tendo ido verificar a biografia de BONAVIDES, ENCONTREI MENÇÃO AO PRÓPRIO DIMAS, com indicação de apurada pesquisa, mesmo na tão utilizada Wikipedia, ao referir que a obra do professor Dimas Macedo foi publicada inicialmente no México, com o título: "El Pensamiento Político de Paulo Bonavides"' (México: Universidade de Puebla, 2010), e só depois publicada no Brasil pela Editora Malheiros, de São Paulo, com o titulo: "Estado de Direito e Constituição - O Pensamento de Paulo Bonavides".

    Dado a clareza e a simplicidade que o ex-aluno de BONAVIDES (DIMAS MACEDO)insiste em imprimir em suas preleções, não ouso comentar mais. Leia-se o texto. Adquira-se o livro.

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