quarta-feira, 24 de novembro de 2021

                                          Lobo Manso

                                                   Batista de Lima


          Antônio Lobo de Macêdo é o verdadeiro nome do poeta Lobo Manso. Nascido em Lavras da Mangabeira, em 29 de julho de 1888, veio a falecer na mesma cidade, em 20 de abril de 1960.

       Poeta popular de reconhecido valor literário, Lobo Manso teve um filho e um neto na Academia Cearense de Letras, no caso, Joaryvar Macedo e Dimas Macedo. Isso sem contar outros descendentes que também cultivavam a poesia, como é o caso de Zito Lobo, seu filho. É, pois, sua família, um esteio de poetas.

     Em 1988, por ocasião do centenário de seu nascimento, seus descendentes organizaram homenagens de cunho religioso e político, como missa na capela do Sítio Calabaço, onde ele nascera, e na Câmara Municipal de Lavras, onde ele tivera assento como vereador.

         Naquela ocasião, seu filho escritor, Joaryvar Macedo, organizou um livro, com sua produção literária, com o título de Antônio Lobo de Macedo: O Homem e o Poeta. Mais recentemente, 2010, por ocasião do cinquentenário de sua morte, seu neto, o poeta Dimas Macedo, reeditou o livro com alguns acréscimos.

          Além destes textos iniciais, aparecem, logo em seguida, os poemas do homenageado, e, ao final, a árvore genealógica para mostrar todos os descendentes do poeta. É nesse momento que se descortina uma família com muitos de seus membros destacados nas mais diferentes atividades humanas.

           A ênfase, no entanto, recai sobre a produção poética de Lobo Manso, o patriarca. Sua poesia, de feição popular, se estrutura em redondilha maior, seguindo um esquema de rimas tradicionalmente usado pelos poetas do povo. Até aí, não há muita novidade.

           O que chama mais a atenção do leitor é o inusitado dos seus temas. A sua visão de mundo mostra um poeta cético diante dos exageros visionários da maioria dos sertanejos que acreditam primeiramente em milagres e premonições, antes de encarar a realidade que lhes cerca. Muitos estão com os olhos em subjetividades e esquecem a razão.

      Esse compromisso com o real o levou a confeccionar seu antológico poema de negação às experiências muitas vezes malogradas dos profetas da chuva. O poema foi publicado em folheto de cordel e teve grande repercussão por desmontar as crendices oriundas daqueles que vivem a fazer previsões de inverno. Logo de início ele afirma que "profeta como se diz / escreve sem garantia".

          Para citar algumas das experiências ele utiliza uma de suas décimas e desanca os visionários. "Nem torreame no Norte / nem relampo no Nascente / nem a barra do Poente / tudo isso não dá sorte / nem parado o vento forte / nem mancha do sul fugida / nem lua nova pendida / nada disso faz chover / depois de Deus não querer / toda ciência é perdida.”

         Ainda nesse poema, Lobo Manso utiliza outra décima para, na mesma batida popular, fazer um alerta para quem deseja fazer versos. É um momento em que a poesia fala de si própria, fazendo com que o leitor se veja diante de um texto metapoético.

          Daí que ele assevera: "precisa muita instrução / um homem pra ser poeta / fazer a obra completa / polida com perfeição / com toda a pontuação / fazer a rima direita / a poesia bem-feita / precisa estar no toante / faltando a consoante / torna-se a obra malfeita.” Como se vê, o polimento, ele defende, como para nos dizer que a poesia não é apenas produto de inspiração.

           Lobo Manso, no entanto, não foi apenas poeta. Afinal, militou a vida toda na política municipal de Lavras, chegando a vereador da cidade e guardando fidelidade ao seu partido político, no caso, a UDN, que no Ceará tinha como principais dirigentes, os representantes da família Távora. Seus ídolos, na política, eram: Juarez Távora, Fernandes Távora e Vírgílio. Tavorista ferrenho, sempre fez oposição à família Augusto, de Lavras, que dominou a cidade por quase cem anos e militava no PSD.

          Ainda na política, não restringiu seu olhar ao cenário lavrense. Quando surgiu a Revolução de 30, ele cantou loas à derrocada dos coronéis sertanejos. Não ficou apenas a cantar o enfraquecimento de Raimundo Augusto, coronel local, mas voltou-se na sua desforra verbal contra o coronel Zé Pereira, o famoso mandatário de Princesa.

          "Zé Pereira já foi trunfo / em todo aquele sertão / foi protetor de bandido / da mais alta posição / foi sócio de Suassuna / no tempo de Lampião". Essa oposição lavrense, leia-se UDN, dificilmente chegava ao poder, mas era resistente e comandada por: José Linhares, Alexandre Benício, Lobo Manso e João Ludgero Sobreira.

        Mesmo cético com relação a crendices e fanatismos, não deixou de cantar [no poema O Garrote Misterioso], talvez inspirado em O Pavão Misterioso, a história de um garrote que teria falado no Estado da Bahia.

        Na realidade, é um poema de desabafo contra a 2ª Guerra Mundial liderada pela Alemanha, mas também uma previsão do fim do mundo para 1999. Daí uma das estrofes: "Vê-se gente despedaçada / de uma e outra nação / um sem perna outro sem braço / rolados pelo canhão / uns doidos outros sem fala / todos varados de bala / rolando frios no chão.”

          Como se vê, Lobo Manso estava antenado com o que acontecia na Europa, Bahia e Lavras da Mangabeira. Agricultor, pouco letrado, deixou seus versos e sua honradez para os pósteros, como prova de seu tirocínio voltado para o futuro. Daí os valores intelectuais e morais de seus descendentes.                        

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  Diário do Nordeste.

                                                                                                                                      Fortaleza, 15.02.2011

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