Dimas Macedo
Franklin Jorge - Em que circunstância surgiu o
seu interesse pela Literatura?
Dimas Macedo – Eis um assunto que se revelou
para mim em forma de mistério. Na infância, quando me perguntavam o que eu
queria ser no futuro, eu respondia que o meu desejo era ser escritor. Não sei o
que isso representava no meu caso. Eu não tinha livros de Literatura por perto.
O meio em que eu vivia era muito pobre e acanhado, assim como eram o mundo e as
condições de existência nas cidades do interior do Nordeste, no início da
década de 1960. Mas o meu avô – Antônio Lobo de Macedo, conhecido, ainda hoje,
como Lobo Manso – era um cordelista renomado e o meu tio Joaryvar Macedo já
despontava como pesquisador, firmando-se depois como um dos grandes
historiadores do Ceará, com passagens pela Academia Cearense de Letras e o
Instituto do Ceará.
Franklin – O que o levou a escrever?
Dimas – A inquietação existencial e
cosmológica, as figuras lendárias da política de Lavras da Mangabeira, as
histórias contadas pela minha mãe, o rumor das águas do Salgado que passava
próximo à nossa casa, a mania que eu tinha em querer contar as estrelas em noites
de muita claridade, a fuga do drama que eu via prosperando no seio da minha
família, o sino que plangia diariamente na torre da Igreja de Lavras, a
teimosia que eu tinha em aceitar os limites da educação formal que me era
imposta pelos meus pais, o medo de morrer de forma inesperada, assim como todas
as crianças que partiam e cujos enterros passavam pela minha rua, marcando a
minha voz e o meu jeito de ser com as suas despedidas.
Franklin – Como definiria o ato de
escrever?
Dimas – O ato de escrever para mim é e
será sempre será uma pergunta. A claridade das coisas e o absurdo da vida, no
meu caso, aguçam a necessidade de perguntar por que estou vivo, por que habito
essa fauna tão contraditória e indulgente que é a humanidade mergulhada na sua
hipocrisia e na falsificação da verdade. Minha literatura clama pela Viva e
pela Esperança, é contraditória, assim como são várias as minhas personas
diante da escritura e da palavra. Parece-me que o poeta, o crítico, o
historiador e o jurista estão em oposição diante do meu eu profundo. Seriam os
meus outros eus, para aqui me valer da expressão de Fernando Pessoa.
Franklin – Como transcorreu sua infância?
Alguma coisa, em particular, o marcou nessa fase de sua vida?
Dimas – A minha infância não foi nada
fácil. Como disse, certa feita, numa crônica publicada quando ainda era muito
jovem: “minha infância nunca teve graça”, pois, doente e com “sentença de morte
pela frente”, o jeito que tive foi fantasiar a existência durante a juventude e
abraçá-la com resignação na maturidade. Hoje a vida para mim é uma Esperança,
edificada na Fé e nas minhas convicções acerca existência do Amor. Mas eu não
acredito na salvação do homem pela Fraternidade, nem acredito que a Política ou
suas ideologias possam resolver os grandes problemas sociais. Nesse ponto, acho
que sou um cético, mas na minha essência profunda eu não me considero um
pessimista.
Franklin – Como descreveria a
contribuição do Ceará à Literatura Brasileira?
Dimas – O Ceará deu ao Brasil uma
grande contribuição à Literatura. Desde José de Alencar e Araripe Júnior,
passando por Domingos Olímpio, Adolfo Caminha, Antônio Sales e Oliveira Paiva,
tem sido expressivo esse contributo. José Albano é um poeta de grande inspiração
e elaboração estilística; os romances de João Clímaco Bezerra e Rachel de
Queiroz, os contos de Moreira Campos, a ficção de Herman Lima, a poesia de
Francisco Carvalho e Gerardo Mello Mourão, o teatro de Eduardo Campos, a
estética exemplar e simbólica de Alcides Pinto, sobre a qual escrevi o livro A Face do Enigma, e a criação literária
de Natércia Campos e Nilto Maciel fazem do Ceará um território literário
expressivo cujas marcas são a expressão da palavra levada às últimas
consequências.
Franklin – O que distingue, a seu
ver, os escritores cearenses contemporâneos dos escritores históricos? Há algum
traço discernível entre eles?
Dimas – Os escritores contemporâneos
afastaram-se um pouco do drama secular e da tragédia que remarcaram a nossa
formação, mas em poetas como Adriano Espínola e Luciano Maia (principalmente,
neste último) vemos o Ceará redesenhado, pela luminosidade do sol e pelo mito
da sua redenção através da transfiguração do Rio Jaguaribe. Carlos Emílio
Correia Lima é um escritor que me parece injustiçado e Audifax Rios é um romancista
que precisa ser avaliado. Nos dias atuais, eu citaria a poesia de Roberto
Pontes, Horácio Dídimo e Linhares Filho, e destacaria a ficção de Pedro Salgueiro
e Tércia Montenegro, elevando a um posto mais alto os romances de Ana Miranda.
Franklin Jorge – Como descreveria a vida
cultural do Recife em relação a de Fortaleza?
Dimas – Eis um pergunta que continua
nos desafiando. A vida cultural de Recife é pujante e em seus intelectuais se
pode colher uma maior consciência política. Fortaleza é mais provinciana e os
seus muros ainda são feitos de palhas de coqueiro, apesar dos seus grandes
achados culturais e estéticos, como é o caso da Academia Francesa e da Padaria
Espiritual. Coisas típicas da formação política dessas duas cidades, tão
próximas e tão distantes em face dos processos sociais, industriais e políticos
e que se diferenciam, também, desde a base das suas inserções em áreas mais ou
menos extensas do nosso semiárido.
Franklin
– Crê que o Jornalismo, como o conhecemos, caminha para a dissolução e
desaparecimento?
Dimas – Não acredito na hipótese da
dissolução do jornalismo tal como o conhecemos hoje. As suas formas de
expressão se transformaram, está havendo uma pluralidade de nichos editoriais,
a sua qualidade está muito pior, mas a dissolução que vejo no jornalismo é a
dissolução da verdade, a falsificação do fato, a negação da reportagem que já
não é a mesma e que se dissolve, também, pela necessidade de criação da
notícia, imposta pela velocidade da vida exposta nas redes sociais, que
precisam ser alimentadas, ainda que tenhamos que matar o nosso semelhante em nome
da cegueira que atravessa o espaço midiático. É, parece que já estou
concordando com a sua pergunta, e isso já é motivo para ressaltar que
precisamos discutir com mais profundidade esse tema de tão alta relevância.
Franklin – Como e em que circunstância
conheceu Nilto Maciel? Como vê a sua contribuição à Literatura e o seu trabalho
de divulgador dos escritores brasileiros? Como o descreveria?
Dimas
– Perdem-se no tempo as minhas andanças e os meus colóquios com Nilto Maciel.
Um dos raros escritores incomuns na Literatura brasileira das últimas décadas,
infelizmente, desaparecido. A nossa produção literária e a geração de
escritores seus contemporâneos muito devemos à sua liderança e influência. E
tanto mais, somos devedores da sua criação literária, original e desafiadora.
Nilto Maciel escreveu uma obra de gênio, uma escritura de corte sintético e de
alcance simbólico que primam pela correção gramatical e pelo refinamento
estético e estilístico. Sem nenhuma dúvida, Nilto é uma dos nossos maiores
escritores. Seu trabalho de divulgação dos autores brasileira talvez encontre
poucos exemplos com os quais possa concorrer. A criação da revista O Saco, em Fortaleza, ainda na década
de 1970, e a repercussão alcançada pela sua proposta, mexeram, profundamente, com
a nossa literatura. Depois, já residindo em Brasília, Nilto Maciel fundou a
Editora Códice e a revista Literatura,
cuja trajetória todos nós conhecemos. Associei-me a ele nesses dois últimos
projetos. Mantive com ele uma correspondência franca e proveitosa,
especialmente, na época que escrevíamos à mão ou de forma datilografada. Talvez
essa correspondência valesse alguns volumes, se ainda estivéssemos na época em
que a escritura feita dessa forma tinha o seu significado. Sempre irônico e
resignado com os tormentos da sua vida interior inquieta, Nilto Maciel era, no
entanto, uma viajante, e viajante em todos os sentidos. Não demorava muito em
um mesmo endereço. Trocou a cidade de Baturité, onde nasceu, por Fortaleza.
Depois, mudou-se para Brasília, onde desempenhou as suas funções de burocrata,
como funcionário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, lastreando-se no
seus conhecimentos de Bacharel em Direito. Mas isso conta muito pouco na sua
biografia, pois o que importa destacar na sua vida é a Literatura, que
fundamenta toda a sua vida enquanto destino e vocação.