segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Poética da Esfinge

    Dimas Macedo


             Uma nuvem densa de poeira cósmica inclinou-se um pouco para reverenciar o enigma que dali se erguia e o céu encobriu-se de azul para que os sinais ali aparecessem com toda a claridade. E a iluminação que dele irradiava deixava-o de modo a predizer profecias, a ruminar obstáculos, a erguer a voz até onde o silêncio se fizesse presente, até onde o amor fosse a expansão de todos os deuses prematuros.

          A solidão que dele se erguia estava muito próxima do sol.  Estava muito próxima de Deus. Estava ali a sufragar a permanência de uma oferenda simbólica. A que vinha do mais sólido castelo interior, da mais branca anatomia da alma. E ele tinha a certeza do que anunciava a cada ligação que fazia, a cada compressão do corpo sufocado pela falta de oxigênio.

           Sentia-se impotente quando queria escrever. Começava a falar e a voz chegava na garganta sempre embargada. Lembrou-se então de um sonho antigo que o atormentava e que um déspota assumira o poder para distrair sua cabeça atrabiliária, coroando de ócio a sua dança de equilibrista.

           Pensou em soerguer de uma vez por todas a lassidão que se depositava em seu corpo, mas não conseguia se livrar do aconchego da sua sentinela. Aumentou, então, a vigilância e descobriu que estava em estágio de lucidez permanente, vez que juntando os conhecimentos vários que ia armazenando, tinha construído uma utopia fantástica para explicar uma explosão iminente.

          O sonho entrara pela segunda janela da alma. O fio da linguagem se inoculara entre as vértebras do aparelho abdominal. Doía-lhe o coração cravejado pelas espadas do apocalipse. E enquanto se ia distraindo viu um pássaro pousado no fio do telégrafo, uma andorinha fazendo verão em seus lábios, um corpo de mulher estendido diante da solidão dos seus olhos.

           Não era possível que o primeiro tanque de guerra não estivesse nas ruas e que a praça, ali em frente, não estivesse contaminada por uma doença invisível. Erradicou da alma a sonolência, sacudiu os chinelos quando atravessou a última cancela e pressentiu que uma multidão viria abraça-lo a partir do mês de agosto, o tempo onde costumava plantar algumas sementes de paixão, alguns alqueires de dor, alguma esperança concreta que florescia no outono seguinte.

           A Associação dos Esculápios da Alma e a Margem Oculta do Rio Invisível da Face levantaram um brinde ao cavalheiro que ainda permanecia de pé, com o brasão do sol no lado esquerdo do peito, e cantaram matinas de amor para incensa-lo. Queriam uma placa de ouro para ele. Mas ele quis apenas a luz que se escorregava no silêncio, porque o seu arquétipo era uma lâmina de punhal bastante fecundada, com a qual removia a pátina de lodo que escorria pelo algeroz do enigma, pelo rosto compacto da esfinge, pela ilusão das vidas que não havia criado.

            Escalou em seguida as pirâmides que os esculápios lhe haviam armado no deserto e dedilhou as cordas de uma explosão desejável, a que não faz barulho, a que caminha pelo coração dos ouvintes, a que ressoa na camada ótica do asfalto e um dia será ouvida pela melhor assistência.

          E a inclinação da nuvem que passava tomava o sentido de uma alegoria festiva, tal a policromia de luzes que se desenhava no horizonte distante. Viu, então, que a luz era o anúncio de uma profecia e concluiu que a lágrima que escorre do olho esquerdo do anjo não é surreal como se imagina. É um sinal, talvez, de que estamos felizes e a felicidade é uma eterna nuvem passageira.

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