Dimas Macedo
As fraudes eleitorais, no Brasil, continuam
decorrendo dos absurdos da legislação e da distorção com que a Justiça
Eleitoral vai confirmando no poder uma elite política cada vez mais criminosa.
Os partidos falam em financiamento público das campanhas, mas esquecem que a
corrupção que nasce desde a existência do Fundo Partidário e dos valores que
decorrem das liberações do Orçamento, já são o usufruto de uma engenharia
vergonhosa.
A corrupção no Brasil, neste ponto,
está oficializada, e de forma que as propinas das obras licitadas, como no caso
do Petrolão e de outras quadrilhas dessa natureza, já seriam a permissão de um
ajuste de contas, culminando com a extorsão e um crime de maior gravidade,
porque fundamentados numa máfia que desafia a lógica do Poder.
Um charco, uma cloaca, uma situação
asquerosa e abjeta, uma trapaça ou um jogo que se joga na vala de algum
prostíbulo: tudo isso perfaz o objeto da corrupção dos partidos políticos
brasileiros.
O sistema político no qual nos inserimos
é um antissistema todo ele eivado de dislexias, de impontualidades e de
exceções que terminam não confirmando as regras. Daí as reticências do Poder
Judiciário; daí a inclusão de todos os partidos num mesmo caldeirão; daí a
existência permitida da fraude em todo o espaço desse tabuleiro.
A representação e a questão eleitoral
e partidária são pontos de estrangulamento da nossa Reforma Política. Vivemos
um verdadeiro Estado de Exceção nessa seara, e os poderes Judiciário e
Legislativo ainda não nos deram um caminho, pois sempre que avançam, recuam,
ou, quando não recuam, jogam para o eleitor um retrocesso, porque a crise
política brasileira, desgraçadamente, não é uma crise constitucional, mas
constituinte, crise da empáfia e do personalismo.
Não temos, no Brasil, uma lei
eleitoral definitiva. A instabilidade e a imprevisão são os faróis que, a cada
eleição, vão sendo acesos para caçar os incautos ou para abrir uma janela para
a fuga, em demanda dos partidos de aluguel ou dos partidos criados para agradar
ao presidente de plantão.
A infidelidade partidária é uma
tentação e uma prática nefanda. As leis e as decisões da Justiça Eleitoral são
modificadas pelos interesses daqueles que se vão acomodando nos postos de
comando. Se as cláusulas de barreiras já foram, no Brasil, uma conquista, hoje
elas são peças de museu, que permitem a sobrevida dos partidos pequenos que
nascem para agradar os donos do poder ou recolher as migalhas do Fundo
Partidário.
O Supremo Tribunal Federal proibiu,
recentemente, as doações de pessoas jurídicas para o processo eleitoral, mas o
Parlamento também não indicou, de forma coerente, que os financiamentos devem
ser abertos e que os lobbies devem ser divulgados, como nos países de maior firmeza
democrática.
As formas de claridade da Democracia
exigem o conhecimento daquilo que se joga nos bastidores de uma disputa pela
posse da máquina política. O “caixa dois” e as “sobras de campanha” são
resíduos infecciosos e crimes eleitorais que necessitam ser eliminados; são
tumores malignos do poder político brasileiro; são imperfeições que precisam
ser corrigidas pela lei eleitoral e pelo Poder Judiciário.
Mas que Poder Judiciário de grau
superior temos em Brasília? Que balcões de negócios se erguem ou se dissolvem
pela sutileza nos corredores jurídicos do Planalto? Que trapaça se arma em
Brasília, em muitos gabinetes?
A burocracia e as procrastinações, no
âmbito do Poder Judiciário, são a retórica e o abuso com que os magistrados e
os operadores do Direito se lançam no discurso da não-decisão e na frieza das
suas convicções elitistas, que não respondem ao clamor da Pós-Modernidade.
São atitudes criminosas contra o
Humanismo e os Princípios da Constituição; constituem parte da Corrupção, por
meio da interpretação, como já esclareci no meu livro Direito Constitucional (Rio: Lumen Juris, 3ª ed., 2020); são golpes de
poder contra o Estado de Direito.
No Brasil, a Soberania da
Constituição tem sido atacada, também, por essa mentalidade predadora; por essa
miopia que não enxerga o universo sistêmico do Direito e as relações de
alteridade que se tercem entre as necessidades e as aspirações de Justiça dos
marginalizados.
O discurso jurídico brasileiro, em
algumas das suas práticas mais obtusas, é tão enfadonho e verboso quanto o
discurso parlamentar e partidário. E como se isso não bastasse, o excesso de
recursos tem sido, entre nós, uma lástima, quando, na realidade, precisamos
apenas de algumas regras recursais que possam ser obedecidas por todos, com as
garantias que a Constituição já nos oferece.
Pensamos, também, que a inserção do
STF na estrutura do Poder Judiciário, e não como Corte Constitucional e poder
de moderação ou de equilíbrio entre os demais poderes, é uma incongruência no
corpo da Constituição, servindo, tanto mais, como balcão de negócios e de
proteção para autoridades.
Diante da existência do STF como órgão
de proteção do colarinho branco, fica-nos a impressão de que a corte
constitucional brasileira se encontra, talvez, sufocada ou, quem sabe, refém de
toda a nossa crise jurídico-política.
Onde, no Brasil, reside a Justiça
para os pobres? E para onde fluiu o Direito Constitucional dos Oprimidos?
Pensamos que apenas o Direito Constitucional de Lutas e de Resistência e a
Desobediência Civil serão as formas de Direito que irão servir, no futuro, ao
tecido político da Nação, já tão corroída pela fraude e a corrupção.
Defensores que somos da Constituição
Material, temos a convicção de que os parlamentares e ministros e aqueles que
cometem crimes de conexão com esses titulares de cargos de maior escalão, não
deviam usufruir da Prerrogativa de Foro, uma categoria política que já não se
enquadra nas constituições dos dias de hoje.
A criação de uma Vara Criminal, em
Brasília, para julgar esses malfeitores, como já proposto por um ministro do
Supremo, não nos parece uma solução adequada. A justiça federal comum, que tem
como cúpula o Superior Tribunal de Justiça, já se prestaria a esse papel. E no
ápice do processo já temos o Supremo Tribunal Federal para resolver os desvios
constitucionais acaso cometidos.
Como instância original para o
processamento de autoridades, é que o Supremo Tribunal Federal não deve
permanecer. Essa competência, de configuração tanto mais ordinária, enfeia a
nossa corte máxima e desvirtua o Guardião da Constituição. Bastam-lhe as
competências recursais ordinárias e seu Recurso Extraordinário, pedra de toque
da Constituição.
Assim sendo, urge que possamos pensar
o Brasil de uma forma totalmente nova, mas não contra o texto da Constituição,
que é a nossa maior garantia. A Reforma Política que propomos é, de partida, um
artigo jurídico precioso, um Princípio que não se pode postergar, uma urgência
de primeira linha, com a qual se devem costurar todas as reformas.
Mas o Brasil não necessita apenas de
uma Reforma Política; espera das suas elites uma revisão das suas práticas
criminosas e a mutação do seu discurso jurídico, especialmente aquele de
caráter judicial e decisório, estuário por onde a Constituição se derrui e a
norma de Direito se transforma em norma de Poder, outorgada por quem apenas
defende os privilégios e os valores da corrupção.
O
Direito de Cidadania e de Mudança Política ao qual aspiramos, infelizmente, não
é uma dádiva do Estado; será uma conquista de todos ou nunca seremos um Estado
Social de Direito.