terça-feira, 25 de dezembro de 2012

O Rumor e a Concha

 
  Dias da Silva                                                                                                                                           
 
 
Vale das Nuvens (Guaramiranga - Ceará)
Foto de Lúcia Cidrão
                     
               É de Bayron esta compreensão: “para um homem tornar-se poeta, é preciso que esteja apaixonado ou desgraçado.” Ele se dizia ser as duas coisas juntas.  Dimas Macedo é um apaixonado (desgraçado? Com certeza, não no sentido que, em geral, se empresta ao termo) pela Poesia. Que sabe falar a linguagem artística. Que tem a fala poética, distinta da habitual por expressar-se em imagens especiais. É que faz da poesia uma espécie de filosofia, de atitude e de constante maior em sua vida.
 
            Deparo Paulo Leminsk com esta idéia: “Cada vez que a linguagem se volta sobre si mesma para produzir prazer – não apenas conteúdo e significados –, neste momento temos poesia.” Assim, tem-se poesia nas páginas de O Rumor e a Concha (Fortaleza, Edições Poetaria, 2009), de Dimas Macedo. Poesia transcendência, com o imaterial vencendo o material. Poesia transbordamento espontâneo de sentimentos poderosos.
 
            E S. Y. Agmon vem aqui para dizer que, “Se não vale a pena ler um livro duas vezes, não é preciso nem lê-lo uma única.” Ora, amigo leitor, digo-lhe que já reli – e reler é fazer redescobertas – O Rumor e a Concha e valeu a pena pelo encantamento de sua incessante novidade.
 
            É verdade: nem há procurar e o leitor já encontra, às claras, palpável, na maioria dos versos, premente novidade de páginas rigorosamente marcadas pelo domínio da síntese e da economia lingüística, pelas conquistas poéticas. Neste livro, o Poeta chega bem mais alto: até a conquistas filosóficas e de densidade humana à flor da pele, em versos curtos e rápidos, diga-se, versos faísca, versos relâmpago. É uma poesia dosada de sensualidade, cheia de corpo (o signo “corpo” vem às páginas por 28 vezes) e de pele. É o império da voz do corpo e da voz do sensual que é de todo mundo, da voz da alma, de voz de gente.
 
            Quem disse isto – adianto-lhe o nome: Ernest Hemingway – fê-lo acertadamente: “O escritor que para de observar está acabado.” Em relação ao poeta, cabe dizer-se: o poeta que para de emocionar-se e emocionar está no fim. O verso de Dimas Macedo deixa emoção na gente e a gente no estado estético.
 
            Além disso, tem-se o poeta do vir-a-ser, isto é, sempre no caminho do aperfeiçoar-se e melhorar. Dimas Macedo não está acabado. Nunca: feito escafandrista, está mergulhado no existencial, em observação contínua dos sentimentos e dores mais profundos do ser humano. Confirma-o O Rumor e a Concha: é uma poesia para melhor. Para mais poesia. Para máquina mais perfeita de produzir emoção.
 
            É, tudo isso é O Rumor e a Concha.  Até no título há mais poesia. Mais música. E mais mistério. É verdade: o rumor da concha lembra mistério e grandeza. O Autor tem esta compreensão: “(...) pois ser poeta/ é ouvir um trovão/ a cada milésimo de segundo.” É o tempo para sua pulsação materializar-se no verso. Poucos versos, em O Rumor e a Concha, se concebem em 10 sílabas poéticas. A maioria se distribui entre duas e sete. Assim, tem-se uma poesia síntese, pelas tantas e bem postas elipses verbais e mentais. Emoção, sentimentos, sonhos e música (e significados) concentram-se em poucos signos linguísticos. São versos rápidos com densa carga emocional e significativo-indireta.
 
            Os tercetos (32) – estrofes de três versos – lembram haicais, o que fazem também os quartetos, bastando, para tanto, a eliminação de um dos versos. O haicai tem, por excelência, a forma breve, e as formas breves atraem o olho do leitor que vai aos versos como a algo que não vai aborrecê-lo.
 
             Roland Barthes escreveu: “O terceto do haicai exerce sobre nós uma fascinação – não pela métrica mas por seu tamanho, sua tenuidade, isto é, metonimicamente pela aeração com que ele gratifica o espaço do discurso.”
 
            A poesia de Dimas Macedo deixa no leitor essa fascinação pela síntese e rapidez do verso e o leva à reeleitura pela condensação da emoção. Cada verso é um todo de palavras que se renovam parecendo nunca ouvidas. O Poeta reconhece que “dizer de antemão é destruir; nomear cedo demais é atrair a má sorte”. Daí por que sua poesia é mais para ser sentida e ouvida. Dimas Macedo faz-se mestre na arte de reduzir à essência o que leva o leitor ao prazer de estar emocionado.
 
            Digo Dimas Macedo o poeta da infância, da infância feliz que é de todo mundo. Mas não há infância em O Rumor e a Concha, senão estados e sentimentos outros, também de todo mundo: o sorriso é de todo mundo. O corpo (sensual) é de todo mundo. O amor viceja em todo mundo. Beijar é de todo mundo.
 
            Entretanto, o Poeta não pode fugir à própria dimensão de preocupado com o outro. Com a dor do outro. Com a dor existencial. Dir-se-ia que não está em paz enquanto houver dor ao lado: “(...) e sinto as dores do mundo/ como se fosse adivinho.” É verdade, Dimas Macedo tempera a vida com sentimentos de preocupação e de solidariedade ao ser humano.
 
            Em O Rumor e a Concha, o Poeta varre as lembranças infantis. Em contrapartida, refugia-se em corpo e pele, em assumida crença na força sensual.
 
            O Rumor e a Concha é um livro só de poesia: é sem prefácio e nada nas dobras, mas cheio de tudo. Ouça-lhe os rumores: eles levam você ao prazer estético e à emoção.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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