Dimas Macedo
Em Lavras da Mangabeira
poeta Dimas Macedo
um irmão da coronela
morreu por mim.
(Gerardo Mello Mourão)
1. Introdução
Primeira filha de Isabel Rita de São José e do tenente-coronel João
Carlos Augusto, nasceu Fideralina Augusto Lima em Lavras da Mangabeira (CE),
aos 24 de agosto de 1832, e faleceu nessa localidade, aos 16 de janeiro de
1919.
Conhecida como figura de destaque do coronelismo, cujo espírito encarnou
com a sua armadura de guerreira, Fideralina sempre levou às últimas
consequências as vinditas com os seus adversários, ganhando ou perdendo as
demandas com as quais se envolveu.
E por tudo isso, Fideralina passou para
a história como uma das maiores simbologias do mandonismo e uma das grandes
expressões políticas do Ceará, difundindo-se a sua fama de mulher destemida e
audaz em todos os estados do Nordeste.
A riqueza pessoal de Dona Fideralina não foi inferior à sua fortuna
política. Por ocasião da morte do Major Ildefonso, em 1876, foram inventariadas
vinte e uma propriedades agrícolas e dezesseis residências na sede urbana da
comuna. E como se isso não bastasse, ela requereu à Assembleia Provincial (e
lhe foi deferido) o usufruto do mercado público por quarenta anos.
Em Lavras, Dona Fideralina estabeleceu residência em casarão localizado
na então Rua do Cortiço, hoje Major Ildefonso, e sua residência de campo foi
encravada no sítio Tatu, no qual, além da casa-grande, foram construídos o
engenho, a senzala e a capela dedicada à Nossa Senhora da Conceição.
Símbolos máximos da autonomia latifundiária, esses equipamentos sempre
estiveram de pé, cobrindo-se de lendas não apenas a senzala, mas também o
quarto do cuvico, localizado no coração da casa-grande, e o açude, talvez o bem
de maior estimação da velha matriarca.
Sobre a parede desse açude, Fideralina costumava rezar o seu rosário e
recitar as suas ladainhas, sob a invocação dos santos dos quais era devota:
Nossa Senhora da Conceição, São Francisco de Assis e Santa Teresinha, mas numa
noite de intensa tempestade os seus fiéis protetores não atenderam às suas
preces e ela resolveu, então, desafiar o tempo, não mais se recolhendo à sua
residência enquanto a chuva não passou.
Viúva ainda muito jovem, assim permaneceu até a data do seu desenlace,
sublimando a sua solidão e, possivelmente, a sua libido, com a energia que
movimenta o mundo da política, mas surpreendendo pelo gosto que demonstrou
pelas coisas da cultura, tendo sido, em Lavras da Mangabeira, correspondente da
revista Estrella, fundada em
Baturité, em outubro de 1906, pela poetisa Antonieta Clotilde.
Um fato curioso que acho oportuno agora revelar, é que a escritora
Francisca Clotilde, mãe de Antonieta Clotilde e autora do romance A Divorciada, era concunhada de
Fideralina Augusto, em face do seu casamento com Antônio Duarte Bezerra, que
foi professor do Liceu do Ceará e fundador do Ginásio Cearense.
Antônio Duarte Bezerra e Ildefonso Correia Lima, marido de Fideralina,
eram filhos do coronel Raimundo Duarte Bezerra, conhecido por Papai Raimundo, o
grande civilizador de Várzea Alegre e ascendente de quase todas as famílias
daquela região.
No sítio Tatu, Fideralina não apenas criou negros para o seu deleite,
mas os transformou em expressões de relevo da vida social do município,
exportando-os também para outras regiões do Ceará, tais os casos de José
Ferreira da Silva (o Zé Rainha), personagem de destaque do carnaval de
Fortaleza; e de Luís Preto, que foi imortalizado pela arte de Bruno Pedrosa e
pela poesia de Batista de Lima.
Duas quadras anotadas por Joaryvar Macedo, no seu livro Ensaios e Perfis (Fortaleza: Casa de
José de Alencar, 2003), têm a seguinte redação: a) “O Tatu pra criar negro,
/ Sobradim pra criação, / São Francisco pra fuxico, / Calabaço pra algodão”; b) “Caraíba é prata fina, / Sussuarana,
ouro em pó, / Xique –Xique é mala veia, /
e o Tatu é negro só”.
Vivendo num momento marcado pelo banditismo das hordas facínoras de
cangaceiros, Fideralina Augusto não deixou de preservar em torno dos seus
interesses e na defesa do seu código de honra, homens ágeis no manejo do
trabuco, tais os casos de Antônio Preto e de Nego Bento, ou de cangaceiros
destemidos do porte de um Miguel Garra.
Para ser cabra do Tatu, no entanto, era preciso saber trabalhar com os
seus bacamartes. Essa exigência, contida numa quadra popular, dá-nos a dimensão
dessa conhecida figura cearense que se tornou, com o tempo, o nosso mito
político de maior expressão: “Para ser caba do Tatu / precisa trazer a sina /
de manejar o bacamarte / da Velha Fideralina”.
Estórias sobre Dona Fideralina ou Histórias
do Tatu, como quer o seu descendente Emerson Monteiro, é o que não falta
entre os habitantes da sua região, contando-se entre elas, a desventura do
Preto Luís, filho de um dos seus escravos, o qual teria tomado banho numa
cacimba destinada à serventia pessoal da velha matriarca, sendo por isso
açoitado, de tal forma, que decidiu não mais se banhar enquanto viveu.
Luís Preto, após a morte de Dona Fideralina, em 1919, passou a residir
em sítios e engenhos do distrito de São José (hoje Mangabeira), sendo
imortalizado pelo escritor Batista de Lima no seu primeiro livro de poemas – Miranças, publicado em 1977.
Bruno Pedrosa também desenhou o perfil de Luís Preto, tanto com o
engenho da sua arte figurativa, quanto com a descrição da sua vida e da sua
transfiguração após a morte, nas páginas seu livro – Sertão Ser Tão Sertão (Bassano del Grappa - Itália: Fundação Bruno
Pedrosa, 2011).
Contavam os mais antigos habitantes daquela região que o Preto Luís, de
tempos em tempos, era atacado por alucinações, mas que nunca reclamava do seu
infortúnio. O sangue que uma escrava de Fideralina deixara numa das paredes da
senzala, depois de uma noite açoites, era por ele relembrado, em apoio a uma
lenda ainda mais antiga.
Essa mancha de sangue teria impregnado com tanta força a cal e o reboco
da senzala que, por mais que a parede fosse pintada, ela sempre voltava à tona,
reclamando, talvez, a reparação de uma grande injustiça.
No município de Lavras, o imaginário popular se encarregou de divulgar
muitas histórias, em cujo epicentro está a figura da velha matriarca. Uma
dessas lendas, acerca da botija de Dona Fideralina, é narrada pelo escritor
Emerson Monteiro, seu descendente, e nela são relatadas fantasias e
superstições, mal-assombros e atmosferas soturnas que pairam ao redor dessa
botija fantástica.
2. Dona
Fideralina e a Crônica Histórica
Muito mais vasta do que a lenda e o mito de Dona Fideralina, tem sido a
crônica histórica a seu respeito, valendo destacar algumas opiniões de
conhecedores da nossa história política, selecionadas entre a complexa
bibliografia que regista a sua trajetória.
Em torno da sua pessoa disse Antônio Barroso Pontes: “Dona Fideralina,
que na sua época dominou toda a região sul do Ceará”. E Joaryvar Macedo:
“Mulher forte, Dona Fideralina tornou-se uma das maiores expressões da política
cearense do seu tempo”.
Assim opinaram Antônio Martins Filho e Raimundo Girão: “Valente espírito
feminino a quem muito interessava a política cearense”. Já para Hugo Victor
Guimarães foi Dona Fideralina uma “mulher extraordinária como expressão de
bravura e coragem” e “uma das mulheres que tiveram maior projeção na vida
política do Ceará”.
Para o pesquisador João Alves de Albuquerque, foi Dona Fideralina a
“respeitável senhora que durante longos anos dirigiu a política de Lavras, cuja
chefia lhe fora arrebatada pela morte, pois, só assim, lhe seria abatido o
grande prestígio que sempre desfrutou em sua terra”.
João Gonçalves de Lemos, conterrâneo de Dona Fideralina, destacou o seu
espírito de luta e o seu destemor e afirmou que ela “se revelou uma grande
política, prestigiada na sua região e no Estado”.
O poeta Gentil Augusto Lima, em conferência proferida na Associação de
Imprensa da cidade de Campos (RJ), em 1955, assim se manifestou sobre ela:
“Mais brava e de muito mais valor do que Bárbara de Alencar, e ainda do que
Anita Garibaldi”. Já o historiador Valdery Uchôa afirmou ser Dona Fideralina
uma “mulher notável pelo seu destemor e pela sua bravura”.
João Clímaco Bezerra, em artigo estampado na revista Manchete (em 1976), buscando um paralelo
para Marica Lessa, que inspirou o romance – Dona
Guidinha do Poço –, de Oliveira Paiva, assim expressou o seu ponto de
vista: “uma dessas mulheres que dominaram os sertões no tempo do império e que
passaram ao lendário cearense como Dona Fideralina das Lavras da Mangabeira”.
O historiador fluminense João Medeiros, em passagem de um dos seus
livros, registrou que Dona Fideralina, em face de suas atitudes e coragem,
merecia o respeito de toda uma vastidão rural. E argumentou: “Daí ser acatada
sua palavra nos pronunciamentos políticos da região, pois conseguia ter seus
filhos na representação do governo municipal, Assembleia Estadual e Câmara Federal”;
afirmando também que o Padre Cícero, certa feita, chegou a ponderar que “não se
podia escrever a história do Cariri sem se deter na pessoa dessa digna
matrona”.
No seu livro – Considerações a
Invasão a Lavras em 1910, João Tavares Calixto Júnior considera Dona
Fideralina uma “matrona absoluta” e “um mito verdadeiro, por ter sempre vivido
com os pés no chão, sem a veleidade que lhe atribuem alguns transcritores de
sua história de vida”, [fazendo] “valer a sua fama pela intrepidez de sua palavra
e o garbo de suas ações”.
Uma crônica importante a seu respeito, fica por conta de Rachel de
Queiroz, que, em artigo estampado na revista O Cruzeiro, do Rio de Janeiro, de 07 de agosto de 1946, afirma que
Dona Fideralina foi “a mais famosa dona do Nordeste e a senhora de maior cartaz
do seu tempo”, acrescentando ter sido a velha matrona lavrense “uma espécie de
rainha sem coroa”.
Ainda segundo as palavras de Rachel, “Das margens do São Francisco aos
seringais do Amazonas a palavra de Dona Fideralina era lei. Sendo de corpo uma
fraca mulher como nós todas, tinha, entretanto, uma alma de varão, e como varão
era não apenas reconhecida, mas temida”.
E prossegue a autora de O Quinze:
“Como toda pessoa que cai no folclore, acontece que a figura de Dona Fideralina
foi algumas vezes deformada, envenenada, pois a boca do povo sempre altera o
que repete, para o bem e para o mal. E assim, porque Dona Fideralina não tinha
medo de ninguém, porque sendo apenas uma mulher, sabia fazer-se respeitada como
um coronel de bigodes; porque, num tempo em que o cangaço era a lei única e nem
o exército podia direito com um bando de jagunços (exemplo: Canudos, Juazeiro,
Princesa), Dona Fideralina também se cercava de cabras para a defesa dos seus e
da sua casa”.
Na fase mais criativa da maturidade, ao publicar a sua obra-prima – Memorial de Maria Moura (São Paulo:
Siciliano, 1992) – Rachel de Queiroz foi incisiva ao dizer que se tratava de um
romance à clef, inspirado em Dona
Fideralina. E mais: chegou a publicar um folheto intitulado: Dona Fideralina das Lavras (Rio: UFRJ,
1990), de parceria com Heloísa Buarque de Holanda.
Além das fontes acima referidas, opiniões sobre Dona Fideralina podem
ser vistas na obra de Fátima Lemos, Olga Monte Barroso, Raimundo de Oliveira
Borges, Melquíades Pinto Paiva, Maria do Carmo Fontenele, Lindemberg Aquino,
Emerson Monteiro Lacerda, Rejane Augusto e Joaryvar Macedo, que escreveram
retratos ou perfis dessa destemida matrona cearense.
3. A
Paixão Pela Política
Apaixonada pela Política e pelas decisões que brotavam da sua vontade,
em Lavras, investiu-se com todas as prerrogativas no poder local, fazendo o
jogo dos interesses políticos com a posição da Intendência; e, não conseguindo
demover o seu filho, Honório Correia Lima, da chefia do partido governista, em
26 de novembro de 1907, retirou o mesmo do poder pela força do velho bacamarte,
cobrindo-se depois de luto e se enfurnando em sua fazenda, durante certo tempo.
Esse fato, como bem salientou o
escritor Joaryvar Macedo, trouxe consequências funestas, não somente para os
membros da família Augusto, da qual Dona Fideralina era o pedestal máximo de
referência, mas para todo o Município de Lavras.
Essa vocação de Dona Fideralina para as coisas da Política, ela recebeu
como herança dos seus ancestrais. Seu pai, João Carlos Augusto, antigo deputado
provincial, fez-se, na região do Vale do Salgado, um dos maiores políticos do
seu tempo.
Manteve Dona Fideralina relações de amizade com o Padre Cícero, e com os
maiores coronéis do Cariri, colocando-se contra ou a favor dos que rezavam ou
não rezavam pela sua cartilha, mandando e desmandando nas coisas da política
sempre que achava que assim devia proceder.
E o vulgo popular compreendeu, e a literatura de cordel registrou que
Dona Fideralina Augusto, diferente dos grandes coronéis do Cariri, queria
mandar nas coisas da Política para além de sua região: “O Belém manda no Crato/
Padre Cícero em Juazeiro/ Em Missão Velha Antônio Róseo/ Barbalha é Neco
Ribeiro/ Das Lavras Fideralina/ Quer mandar no mundo inteiro”.
Esse improviso de cunho popular, atribuído ao poeta José Pinto de Sá
Barreto, de Barbalha, não é superior, contudo, a esta sextilha de Fausto
Correia de Araújo Lima, de Lavras da Mangabeira: “Nós temos quatro governos/
que assim se discrimina:/ do País e do Estado/ que nos rege e nos domina / o
governo do Município/ e a Velha Fideralina”.
Na sua terra de berço, jamais admitiu que alguém tivesse mais poder do
que ela, vivendo sempre às turras com o Monsenhor Miceno Linhares, político
cearense da maior expressão e que foi vigário de Lavras durante o apogeu do seu
mandonismo. Fideralina vasculhou de tal forma a vida desse sacerdote, que
terminou descobrindo, em Tauá, um deslize por ele cometido, dando ciência do
feito a seus paroquianos, através de um panfleto bastante audacioso.
Na primeira década do século precedente, Dona Fideralina tomou partido
em várias refregas no sul do Ceará, e de todos esses conflitos saiu-se muito
bem, fazendo, em Lavras da Mangabeira, o casamento da sua filha Josefa com o
Juiz de Direito da Comarca – Dr. Gilberto Ribeiro de Saboia –, ameaçando-o com
uma severa imposição.
Quando o Padre Cícero foi destituído das ordens de sacerdote, no final
do século dezenove, Dona Fideralina empenhou-se em abrigá-lo na casa de um dos
seus sobrinhos – o Padre João Carlos Augusto – na cidade de Salgueiro
(Pernambuco), e não podemos esquecer que o seu filho, Ildefonso Correia Lima,
foi um dos integrantes da comissão designada para a verificação científica dos
milagres de Juazeiro, tendo ele atestado a sobrenaturalidade dos fatos.
Em 1898, Dona Fideralina já se encontrava envolvida numa das primeiras
deposições de coronéis no extremo sul do Ceará, em face, sobretudo, da sua
ligação com o Padre Cícero, em cuja cartilha realizou os seus estudos de
graduação, no campo da Política.
Em 1901, entrelaçou-se essa matriarca com a deposição de Antônio Róseo
Jamacaru, em Missão Velha, posicionando-se ao lado do Coronel Santana; e, em
1908, participou da expulsão do coronel Totonho Leite de Oliveira do comando
político de Aurora
Em 1902, como registra Joaryvar Macedo, no seu livro – Império do Bacamarte (Fortaleza: Casa
de José de Alencar, 1990) –, a velha matriarca de Lavras determinou a invasão
de Princesa, no Estado da Paraíba, para vingar a morte do seu neto, Ildefonso
Augusto, constituindo, na época, o Batalhão de Dona Fideralina, comandado pelo
coronel Zuza Lacerda.
Os restos mortais do Dr. Ildefonso foram removidos do cemitério de
Princesa, enterrados no cemitério de Recife e depois conduzidos até à cidade de
Lavras, onde receberam honrosa sepultura, sobre a qual ressumbra o símbolo do
seu credo político – a Maçonaria. Não muito longe desse monumento, Dona
Fideralina veio a ser enterrada, em túmulo revestido de mármore de Carrara.
Em 1911, convidada pelo Padre Cícero a participar do conhecido Pacto dos
Coronéis, nesse ato Dona Fideralina se fez representar pelo seu filho, o
célebre Coronel Gustavo, que enviou a Juazeiro o coronel João Augusto, neto da
velha matriarca.
Num dos seus poemas sobre a Revolução de 1914, que derrubou o Governo
Franco Rabelo, no Ceará, o Cego Aderaldo oferece-nos um retrato dessa brava
sertaneja, quando diz: “Goesinho rolou no chão / temendo a bala ferina / mas
quando ele percebeu / que ali havia ruína / correu com medo dos cabras / de
Dona Fideralina”.
Goesinho, nessa conhecida disputa política, alistou-se, ainda muito
jovem, nas tropas da Polícia Militar, e passou a combater junto ao comandante
J. da Penha, mas foi justamente nesse combate lembrado pelo Cego Aderaldo, que
J. da Penha foi assassinado.
A sua participação nessa rebelião de coronéis do sul do Ceará, conhecida
por Sedição de Juazeiro, foi das mais decisivas para a vitória do Movimento. De
uma só empreitada, segundo Floro Bartolomeu, ela teria colocado cinco mil
cartuchos à disposição dos que lutavam contra o Governo de Franco Rabelo.
O Sítio Tatu, de sua propriedade, em Lavras da Mangabeira, foi utilizado
como acampamento daqueles que se dirigiam para Fortaleza, e ali, segundo o
registro de historiadores, quatrocentos homens teriam sido acrescentados ao
movimento sedicioso.
Floro Bartolomeu destaca o papel de Dona Fideralina nessa grande peleja
do sertão cearense contra o litoral, mas os historiadores sabem que o filho
ungido dessa coronela – o célebre Coronel Gustavo – saiu dessa refrega como o
principal inimigo desse grande caudilho.
O Coronel Gustavo, após a derrubada de Franco Rabelo, instalou as
colunas por ele comandadas no piso inferior do Palácio da Luz, tornando-se
depois deputado estadual e vice-governador do Ceará.
Otacílio Anselmo, que se refere a essa fase da vida cearense, no seu
livro – Padre Cícero: Mito e Realidade
(Rio: Civilização Brasileira, 1968) –, e historiadores do porte de João
Brígido, Lira Neto, Joaryvar Macedo e João Tavares Calixto Júnior atribuem um
papel político de destaque a Dona Fideralina, ao tempo da Sedição de Juazeiro e
da Primeira República.
4. O
Entorno de Dona Fideralina
O entorno familiar de Fideralina Augusto fez-se, todo ele, cercado de
tragédias e acontecimentos que chamam de palno a atenção: seu tio-avô, pelo
lado materno, José Joaquim Xavier Sobreira, vigário da freguesia de Lavras, foi
envenenado; sua tia paterna, Cosma Francisca de Oliveira Banhos, assim como seu
pai, João Carlos Augusto, e o seu irmão, Ernesto Carlos Augusto, foram
assassinados; e seu primeiro neto a formar-se em Medicina, Ildefonso Augusto
Lacerda Leite, foi trucidado de forma violenta na vila de Princesa (Estado da
Paraíba), em 1902.
O assassinato do seu irmão, Ernesto Carlos Augusto, foi atribuído ao
Padre Joaquim Machado da Silva, vigário coadjutor da Paróquia de Lavras; a
morte do seu neto, Ildefonso Augusto, teve o Padre Raimundo Nonato Pita como
coautor; e a sua tia, Cosma Francisca de Oliveira Banhos, envenenou o seu
enteado, o Padre Joaquim Xavier Sobreira.
Em todos esses crimes, o elemento passional aflora na primeira leitura,
incluindo-se no rol das paixões políticas, os assassinatos dos seus demais
parentes, em todos, revelando-se um modo de agir bastante temeroso.
Mas Dona Fideralina, com os fulgores da sua fortaleza, sobreviveu a
todas as tragédias, à ferrenha oposição da sua irmã, Dulcéria Augusto de
Oliveira, e a todas as circunstâncias difíceis da sua trajetória. Teve que
tomar decisões que lhe fizeram sangrar o coração, tal aquela de optar por um
filho, o Coronel Gustavo, e derrubar o outro – o Coronel Honório – do comando
político, pelo uso da força.
Episódios verificados na cidade de Lavras entre 1907 e 1910 e,
especialmente, entre 1911 e 1914, trouxeram-lhe vários dissabores, e dividiram
definitivamente os descendentes da família Augusto, ao preço de assassinatos
memoráveis, tal aquele perpetrado contra o seu próprio filho – e o mais querido
de todos –, o célebre Coronel Gustavo.
O crime que vitimou o Coronel Gustavo teve precedentes dolorosos na
cidade de Lavras, no ano antecedente, quando dois dos seus sobrinhos (sendo um
deles, seu genro) foram fuzilados, juntamente com o seu primo, Eusébio Tomaz de
Aquino, que ali comandava a Guarda Nacional.
Esses dois últimos fatos, verificados no pós-enterro de Fideralina,
estão conectados com o conflito por ela protagonizado, mas com eles a dívida de
sangue, própria da civilização lavrense e da família Augusto, não ficou quitada
totalmente, mas podemos dizer que aí Dona Fideralina deu o último suspiro.
5.
Conclusão
Figura lendária e até certo ponto mitológica, em seu município e na
região sul do Ceará, a sua condição de matriarca de uma prole que por diversas
razões se tem destacado no Ceará e além-fronteiras, imprime-lhe respeito ao
nome e aos valores da sua tradição.
Conhecida também por Fidera, ou Didinha, como ainda hoje lhe fazem
referências alguns membros da família, o certo é que Dona Fideralina Augusto
tem presença assegurada na história das transformações políticas por que passou
o Ceará nas primeiras décadas da República.
Em Dona Fideralina, a vocação maior foi sempre a Política, que recebeu
como herança dos ancestrais e que tão bem soube transmitir como legado aos seus
descendentes. Três dos seus filhos tomaram assento como deputados na Assembleia
Legislativa estadual, tendo dois deles exercido o cargo de vice-presidente do
Estado, e dois dos seus bisnetos chegaram ao Senado Federal.
Diversos membros da sua estirpe memorável têm exercido postos de
destaque na vida política, administrativa e econômica do Estado, bem como em
outros setores da vida social do Ceará.
No meu livro Lavrenses Ilustres
(Fortaleza: RDS, 3ª ed., 2012), nas memórias de Antônio Martins Filho – Menoridade (Fortaleza: Casa de José de
Alencar, 1991) e nos livros de Joaryvar Macedo: São Vicente das Lavras (1984), Império
do Bacamarte (1990) e Ensaios e
Perfis (2001) existem dados confiáveis acerca dessa curiosa personagem da
vida política cearense.
Entre livros e opúsculos a seu respeito, sugiro a remissão às seguintes
fontes: Dona Fideralina das Lavras
(Rio, 1990), de Heloísa Buarque de Holanda e Rachel de Queiroz; Uma Matriarca do Sertão – Fideralina Augusto
Lima (Fortaleza, 2008), de Melquíades Pinto Paiva; e A Vocação Política de Fideralina Augusto Lima (Fortaleza, 1991),
de Rejane Monteiro Augusto Gonçalves.
Cabe também uma referência aos documentários da TV Assembleia do Ceará –
A Vocação Política de Fideralina Augusto
Lima e de Seus Descendentes, produzido por Ana Célia Oliveira e Ângela
Gurgel, em 2011; e da TV Diário – Memórias
do Nordeste – Fideralina Augusto Lima, realizado por Mayara Aragão, em
2016.
Em meados da década de 1980, o cineasta Hermano Penna pensou em produzir
um filme sobre de Dona Fideralina Augusto, a partir do perfil que eu acabara de
publicar no meu livro – Lavrenses
Ilustres –, mas o projeto não foi realizado, o mesmo acontecendo com as
intenções de Francis Vale, no final da década de 1990.
No início de 2013, o cineasta Karim Ainouz manifestou o desejo de fazer
um filme acerca dessa velha matriarca, de cujo roteiro eu seria coautor. Nesse
caso, a família Augusto teria que pagar o seu maior tributo ao gênio absoluto
desse cineasta, que é trineto dessa coronela.
Lavras da Mangabeira, com a passagem do tempo, vem se tornando a Terra
de Dona Fideralina, mas ali não existe nenhum monumento em sua homenagem; uma
travessa, apenas, na periferia da urbe, faz o registro do seu nome. E nesse
ponto, espero que a edilidade lavrense lhe faça as honras do reconhecimento,
assim como a Casa de Juvenal Galeno, que a elegeu patrona de uma das Cadeiras
da sua Ala Feminina.
O tempo e o espaço de Dona Fideralina transcendem o momento em que ela
viveu e a geografia na qual ela atuou como mandatária. A lenda e o mito criados
em torno do seu nome crescem na mesma proporção em que a sua história vem sendo
revelada. Ela não é menor do que as grandes mulheres do Brasil, pois é bem
maior do que muitas guerreiras que admiramos.
Cognominada “a Dama de Ferro de Lavras”,
Dona Fideralina foi retratada num poema de Gerardo Mello Mourão, e louvada como
“Matriarca do Sertão” por diversos escritores, tendo sido eleita, em 2013,
ícone do projeto Cariri Cangaço, com
a difusão do seu nome em todos os Estados do Nordeste.
Na Universidade Federal da Paraíba, em 2013, duas monografias de
conclusão do curso de História foram dedicadas à sua personalidade, pelos seus
conterrâneos Raimundo Moura Filho e Jussara Germano; e também ali, no Núcleo de
Estudos e Pesquisa Sobre Gênero e Direito, vem sendo desenvolvido um projeto
sobre Dona Fideralina, pelo professor Rui Martinho Rodrigues, da Faculdade de
Educação da UFC.
Conferência no Instituto
do Ceará.
Fortaleza,
20.09.2013.
Casa de Dona Fideralina Augusto
em Lavras da Mangabeira (Ceará)
Casa de Dona Fideralina Augusto no Sitio Tatu
em Lavras da Mangabeira (Ceará)
Dona Fideralina - Bibliografia
3. ARAGÃO, M. Fideralina Augusto Lima, in http://lavrasce.com.br (site da Afalam).
Fortaleza: 2008.
4. BARBOSA, Honório. “Cariri Cangaço” Começa Amanhã com Cavalgada,
in Diário do Nordeste. Fortaleza,
17.05.2013.
5. BARROS ALVES. Das Lavras das Mangabeiras, in Tribuna do Ceará. Fortaleza:
11.07.1987.
6. BEZERRA, João Clímaco. As Obras-Primas Que Poucos Leram: Dona
Guidinha do Poço, in revista Manchete,
nº 1280. Rio: 1976.
7. BORGES, Raimundo de Oliveira. As Grandes Mulheres Cearenses: Dona Fideralina Augusto Lima, in A Província, nºs 23/24. Crato: julho de
2001.
8. DIÁRIO DO NORDESTE – Mulher na Literatura. Fortaleza: 27.03.2002.
9. DUARTE, Ana Rita F. Mulher-Macho, Sim Senhor: Histórias de
Mulheres que Romperam Limites no Ceará, in Bonito Pra Chover. Fortaleza: Ed. Demócrito Rocha, 2003.
10. GONÇALVES, Rejane Monteiro Augusto. O Coronel Gustavo Augusto Lima, in Diário do Nordeste. Fortaleza, 23 de agosto de 2011.
11. LIMA, José Batista de. Da Pátria Lavras, in O Catolé, nº 37. Fortaleza: outubro de
1981.
12. MACEDO, Dimas. Dona Fideralina Augusto Lima, in O Povo. Fortaleza: 21.06.1981
13. MACEDO, Dimas. Dona Fideralina Augusto Lima, in Itaytera, revista do Instituto Cultural
do Cariri. Crato: nº 27, 1983.
14. MACEDO, Dimas. Duas
Cearenses Ilustres e Pioneiras, in
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15. MACEDO, Dimas. “O Coronel Raimundo Augusto Lima”, in Revista Itaytera, nº 29. Crato, 1985.
16. MACEDO, Dimas. História
de Várzea Alegre, in Gente de Ação,
nº 91. Aracati, dezembro de 2011.
17. MACEDO, Dimas. Zé
Rainha: O Rei do Carnaval, in Gente de Ação, nº 100. Aracati, janeiro de
2013.
18. MACEDO, Joaryvar. Dona Fideralina: Negros e Cabras, in Desafio, Revista da Pró-Reitoria de
Extensão da UFC. Fortaleza: nº 1, Ano 02, Abril de 1989.
19. MACEDO, Joaryvar. A Família do Logradouro, in Revista da
Academia Cearense de Letras, nº
48. Fortaleza, 1989/1990.
20. MACEDO, Joaryvar. UFC /
Projeto de História Oral / Projeto das Matriarcas (Entrevista a Tereza
Frota
Haguette. Fortaleza, 30/31 de maio de 1999.
21. MATTOS, Tarcísio. Cearenses, Povo Pra Lá de Bom, in O Povo. Fortaleza: 13.12.2003.
22. MENEZES, Thiago. As Fideralinas de Lavras da Mangabeira, in
Anuário da Academia de
Cearense de
Ciências, Letras e Artes do RJ, Ano XX, nº 17. Rio: 2005.
23. MONTEIRO, Emerson. A Botija
de Dona Fideralina, in Blog do Crato.
Crato(CE), 20 de julho
de 2014.
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XXXIX (910). Brasília: 1984.
25. QUEIROZ, Rachel. Maneco, in revista O Cruzeiro. Rio: 07.08.1946.
26. QUEIROZ, Rachel de. Sinhá D’Amora, in Jornal do
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