Dimas Macedo
1. Primeiro Fragmento
João Clímaco Bezerra nasceu em Lavras da Mangabeira, aos 30 de março de
1913. Filho de Raimundo Nonato Bezerra e de Maria da Costa Bezerra. As
primeiras letras ele aprendeu-as na terra natal, e as tomou no velho Grupo
Escolar, com as professoras Amélia Braga e Rosária Mota.
Em Lavras, trabalhou no comércio local,
transferindo-se depois para Fortaleza, onde estudou nos Colégios São João e
Liceu do Ceará, do qual saiu para matricular-se na Faculdade de Direito da UFC,
bacharelando-se em 1950.
Pela Escola de Comércio Padre Champagnat, diplomou-se contador, ali
iniciando a carreira de professor. Exerceu também o magistério no Instituto de
Educação Justiniano de Serpa, na Faculdade de Filosofia, na Faculdade de
Ciências Econômicas e Administrativas da Universidade Federal do Ceará, e na
Escola de Administração do Ceará.
Ocupou cargos importantes na vida pública do Ceará e do Brasil, tais os
de diretor técnico de educação da Secretaria de Educação do Ceará, o de chefe
de relações públicas do Banco do Nordeste e o de assessor técnico da
Confederação Nacional da Indústria, no Rio de Janeiro, para onde se transferiu.
Estreou, em 1948, com o romance Não Há Estrelas no Céu, bastante
elogiado pela crítica e com ele incorporando-se aos escritores tidos como criadores
do romance cearense, deixando nesse livro marcas indeléveis da infância.
Em 1952, apareceu o seu segundo romance – Sol Posto – que, assim como o primeiro, foi publicado pela Editora
– José Olympio, do Rio de Janeiro. Também de 1952 é a novela Longa é a Noite, considerada, por Sânzio
de Azevedo, uma ficção de corte
machadiano e de urdidura quase enigmática.
A terceira edição dessa
novela, em formato de livro, foi publicada em 2007, pelas Edições Poetaria, sob
minha responsabilidade. Orgulho-me, portanto, de ter concretizado esse grande
projeto.
No terreno da cônica e da curta ficção, é autor dos livros: O Homem e Seu Cachorro (Rio, Serviço de
Documentação do MEC, 1959) e O Semeador
de Ausências (Rio, Editora Record, 1967); e para a coleção nossos clássicos
da Editora AGIR, João Clímaco Bezerra escreveu os ensaios sobre Juvenal Galeno
(1959) e Humberto de Campos (1965).
De 1980 é o romance – A Vinha dos
Esquecidos. Mas um de livros de maior relevo, a longa ficção – Os Órfãos de Deus –, ainda permanece
inédito, desafiando a expectativa de seus leitores e admiradores.
Como jornalista, João Clímaco foi por longo
tempo editorialista do jornal Unitário,
de Fortaleza, órgão no qual manteve, diariamente, uma coluna de crônicas,
praticando também a crítica literária e o ensaio com muito sucesso.
Consagrado pela crítica nacional, João Clímaco Bezerra foi também ensaísta
e novelista; integrou a Academia Cearense de Letras, onde ocupou a cadeira nº
9, que tem como patrono Fausto Barreto, e faleceu no Rio de Janeiro, aos 4 de
fevereiro de 2006.
2.
Segundo Fragmento
João Clímaco Bezerra pertence à família dos nossos
melhores romancistas, aqueles que utilizaram a camada ótica e a densidade
psicológica de suas personagens para refletir sobre o tecido social que
acoberta as suas intenções subjetivas.
Autor de romances da maior
expressão, tais os casos de Sol Posto
(1952) e Não Há Estrelas no Céu
(1948), esse escritor estaria situado, segundo o julgamento da crítica, numa
linha intermediária entre Domingos Olímpio e Rachel de Queiroz.
Para Artur Eduardo Benevides,
teria sido João Clímaco “um mestre de alta qualificação”, reconhecendo também
Benevides, no autor de A Vinha dos
Esquecidos (1980), “um senhor absoluto da técnica de escrever e de
romancear os fatos e o destino, por vezes trágico, dos seres, numa perspectiva
de interpretar a dor de viver e o tempo perdido”.
Aclamado, quando da sua estreia,
como uma das revelações do romance brasileiro, por escritores como Jorge Amado,
Graciliano Ramos, Érico Veríssimo e Tristão de Atayde, esse consolidador das
intenções e das formas literárias mais puras do romance cearense, passaria à
posterioridade como um dos escritores que, no Brasil, assumiam a literatura
como vocação e destino.
Quer nos romances acima nominados,
quer nos livros de crônicas e nos ensaios que escreveu para a prestigiosa
coleção Nossos Clássicos, da Editora
Agir, acerca de Juvenal Galeno (1959) e de Humberto de Campos (1965), João
Clímaco Bezerra sempre demonstrou, de forma consistente, que a literatura fora
a sua grande miragem e a sua missão entre os vivos.
Assim sendo, neste ano de 2013, no qual o
autor de O Homem e Seu Cachorro
(1959) completa o seu centenário, a impressão que ainda me causa a sua obra é a
de que ela cada vez mais se impõe qual um projeto que resiste à corrosão do
tempo, e aos ventos plurais, com que os leitores e a crítica literária a
examinaram.
João Clímaco Bezerra é talvez o romancista
cearense de maior alcance universal e de estilo literário mais espontâneo e
apurado. A sua construção linguística lembra os referenciais e o legado de
escritores como Adolfo Caminha e Oliveira Paiva, e de contistas tais Moreira
Campos e Juarez Barroso.
É denso e profundamente refinado
o seu texto; é soberana a densidade psicológica das suas personagens, apesar da
atmosfera de solidão e abandono que ronda a construção de A Vinha dos Esquecidos, um romance talvez tardio e desnecessário
na bibliografia de João Clímaco.
Leitor atencioso da obra desse
grande escritor brasileiro, que me honrou com a sua amizade, tive o privilégio
de ler os originais do seu romance de maior ambição: Os Órfãos de Deus, inexplicavelmente inédito até o momento, por
preconceito de um círculo de amigos de João Clímaco, que nunca perdoaram as
transgressões da personagem central do enredo, como se a voz interior do
romancista viesse a interferir na sua afirmação sexual.
Todo escritor heterossexual, como
é o caso de João Clímaco, tem a liberdade artística de conduzir a construção de
sua obra a partir dos seus recursos formais e polifônicos, da sua perspectiva
de classe e de seus valores, e dele o que mais se espera é que seja realmente
um transgressor das normas de vida do cotidiano.
A introversão homossexual do
condutor da narrativa desse romance de João Clímaco remarca a conduta de uma
personagem, ainda que se trate de um romance escrito a partir do enfoque da
primeira pessoa.
Romance de técnica recorrente e de
enredo contado a miúde, a textura lírica de João Clímaco configura-se em Os Órfãos de Deus como discurso da
melhor qualidade, apesar de autor utilizar, às vezes, uma linguagem tradicional
que entra em choque com a dinâmica da narrativa.
O sentimento obsessivo da culpa e do pecado
ganha, nesse audacioso romance de João Clímaco, uma poeticidade e um vigor
literário impressionantes, mas o destaque vai mesmo para a segurança da
estrutura narrativa e para a visão do absurdo existencial, tão caro, aliás, à
obra literária desse romancista.
Mas, neste texto, o que quero
destacar é um pequeno livro de João Clímaco Bezerra; um livro que sempre me
tocou a sensibilidade de forma muito especial. Trata-se da novela Longa é a Noite, escrita em forma de
diário e publicada, inicialmente, no nº 11 da revista Clã de dezembro de 1951, e que teve uma segunda edição tirada em
parceria com uma novela de Stênio Lopes.
Considerada por Sânzio de Azevedo como sendo
um dos marcos da obra ficcional do autor, Longa
é a Noite também pareceu a esse autor ser uma novela costurada de intenções
e urdiduras quase enigmáticas. E, ainda segundo Sânzio de Azevedo, é nesse
enigma “algo machadiano” que “reside uma das forças que constituem a grandeza
dessa novela de João Clímaco Bezerra”.
A decisão de republicar essa longa
ficção de João Clímaco, tomada pelas Edições Poetaria, em 2007, constitui por
certo um momento sublime da vida cultural do Ceará, colocando-se assim, em
lugar de destaque, a densidade humana e a linguagem extremamente bela e
criativa desse conhecido escritor brasileiro.
Espero que o mistério e a
urdidura semântica, que a trama subjetiva e a perspectiva existencial e
ontológica dessa novela cearense – Longa
é a Noite – continuem seduzindo o leitor, assim como o fizeram, aliás,
quando ela foi publicada há mais de meio século.
A releitura da obra de João
Clímaco, neste ano do seu centenário, é um dos desafios que se colocam diante
da crítica literária brasileira. Integrante de uma geração de romancistas,
talvez a mais brilhante da nossa literatura, João Clímaco Bezerra precisa ser
urgentemente reabilitado. O Ceará lhe deve esse tributo; o Brasil precisa ouvir
a sua voz.
Imagem de Lavras da Mangabeira (CE)
Terra Natal de João Clímaco Bezerra