O Direito Constitucional Material, de forma
indiscutível, compreende o núcleo essencial no qual se concentra a temática da
Constituição. Não é regido por critérios formais, mas unicamente por normas de
dimensão substantiva, aí alinhando-se as normas pertinentes à estrutura do
Estado, à sua forma de governo e ao reconhecimento das liberdades públicas e
garantias de direitos fundamentais, individuais e coletivos.
No campo dos direitos materiais da liberdade,
emerge, desde os primórdios da vida social, o princípio da Resistência Política
à Opressão, exercida, esta última, por governos tirânicos e atrabiliários. Trata-se
de instituição constitucional conectada com a ética, no campo específico da
Política.
Não compreende apenas uma recusa ao
cumprimento de deveres de caráter jurídico, mas quer significar, também, uma
potência de vontade capaz de criar uma ordem jurídica transformadora, em
substituição aos regimes de tirania e opressão configurados pela situação
política anterior.
As suas vinculações com a democracia e com a
soberania popular, coloca esse princípio de viés democrático na linha de frente
do Poder Constituinte, aí, pressupondo-se o exercício da legitimidade em
contraposição à legalidade de matriz positivista, produzida pelo aparelho do
Estado.
Enquanto princípio
jurídico e filosófico, o Direito Político de Resistência foi contemporâneo dos
povos da Idade Antiga, ganhou vitalidade tendo-se em vista os direitos humanos
de origem cristã e, em Santo Tomás de Aquino, encontrou a sua formulação doutrinária
de maior relevo. Foi restaurado pela filosofia política do liberalismo e pelos
movimentos em prol da Justiça Social que tanto abalaram o século precedente.
O Direito Constitucional de Resistência sempre
despertou um grande interesse, quer na área da resistência política
propriamente dita, quer no plano do discurso filosófico das últimas décadas. Hannah
Arendt e Norberto Bobbio, no campo internacional, e Machado Paupério e Celso
Lafer, no Brasil, são exemplos de pensadores que acostaram aportes doutrinários
de monta à essa discussão filosófica.
Não vou me referir, aqui, aos princípios da
cidadania e da participação, à manifestação idealista de Rousseau, à
manifestação realista de Hobbes, nem aos aportes da nova hermenêutica ou à
filosofia do materialismo histórico e dialético, que dão um sentido doutrinário
novo ao trato do assunto.
Registro,
contudo, que Cláudia de Rezende Machado de Araújo, com o seu Direito
Constitucional de Resistência (Porto Alegre: Sérgio Fabris, 2002); Maurício
Gentil Monteiro, com Direito de Resistência na Ordem Jurídica Constitucional
(Rio: Renovar, 2003); e Ronald Fontenele Rocha, com Direito Democrático de Resistência (Belo Horizonte: Fórum, 2009),
integram um conjunto de juristas que têm dedicado ao estudo do assunto as suas
energias.
O dever de obediência, em um plano, e o
direito de resistência política, alocado no extrato exatamente oposto; a
liberdade do indivíduo e a autoridade do Estado; a desobediência civil e a
objeção de consciência como princípios constitucionais, posicionados entre os
Direitos Fundamentais de terceira geração, constituem pontos de inflexão dessa
temática.
Considerando que a desobediência civil e a
resistência política à opressão são princípios legitimadores do regime
democrático, devem os seus pesquisadores, partir de premissas filosóficas
antigas e modernas, aí incluindo-se os conceitos de Lei, Direito, Justiça,
Legitimidade e Ideologia.
O Direito de Resistência em face do
Estado de Justiça, o Direito de Revolução, o Direito de Resistência como
Direito Natural, o Direito de Resistência como Direito Fundamental e, de forma mais
acentuada, o Direito de Resistência como corolário de uma Sociedade Aberta de
Intérpretes da Constituição compreendem desafios temáticos para qualquer
jurista ou sociólogo do Direito.
A Resistência Política à Lei Injusta e a sua
Inconstitucionalidade Substancial devem, também, ser consideradas pelos pesquisadores,
especialmente, porque o Direito Constitucional dos dias de hoje, vê a
Constituição e a sua defesa pelo viés de uma ótica nova, antenada com a
Democracia e com os Direitos Fundamentais de última geração.
A soberania popular, por seu turno,
expressa-se como legitimidade e justificação do poder político do Estado. A sua
usurpação, para além dos limites razoavelmente estabelecidos, implica violação
constitucional inadmissível, nascendo daí os direitos fundamentais de Resistência
Política.
Aspecto ainda mais contemporâneo do Direito
Político de Resistência, seria o instituto da Desobediência Civil, o qual,
também constitui um núcleo bastante expressivo dos Direitos Constitucionais
Materiais. O ponto de partida da sua discussão, no campo da teoria política,
deve-se ao livro de Henry Thoreau, justamente intitulado Desobediência Civil.
No
Brasil, eu ponho em destaque os livros de Geovani Tavares, Desobediência Civil e Direito de Resistência Política (Campinas: Edicamp,
2003), e de Nelson Nery Costa, Teoria e
Realidade da Desobediência Civil (Rio: Forense, 1990), os quais se
expressam como vertentes teóricas significativas acerca do assunto. Compreendem pesquisas que não se baseiam
apenas na ótica política dos autores, mas nas reflexões com que olham o mundo e
a cena política contemporânea.
O recurso ao desforço possessório e à exclusão
de ilicitude como forma legítima de defesa por parte do posseiro, parece-me um
argumento bastante legitimador da pesquisa de Geovani Tavares, pois esses
institutos jurídicos brasileiros nada mais são do que a materialização de normas
constitucionais albergadas, respectivamente, pelo Código Civil e pelo Código
Penal e de comprovada eficácia na prática dos nossos tribunais.
O livro de Geovanni Tavares concilia pesquisa
de campo com reflexão doutrinária haurida nas melhores fontes, fazendo lembrar,
neste ponto, outro texto denso da vida acadêmica brasileira: Espaço Público e Representação Política (Rio:
Universidade Federal Fluminense, 2000), de Maria Arair Pinto Paiva, livros nos
quais são discutidos assuntos da maior relevância para a temática da
desobediência política.
As premissas teóricas da
Desobediência Civil e do Direito de Resistência Política, podem ser buscadas em
filósofos como Montesquieu e Rousseau, Gomes Canotilho e Paulo Bonavides, e na
atitude política de desobedientes célebres como Henry Thoreau, Luther King e
Mahatma Gandhi.
No Brasil, devemos destacar o pioneirismo de
Machado Paupério (O Direito Político de
Resistência. Rio: Forense, 1978) e de Maria Garcia (Desobediência Civil – Direito Fundamental. São Paulo: RT, 1994),
pensadores que deram, respectivamente, à Resistência Civil e à Desobediência
Política, tratamento teórico de grande significado.
A pouca importância
atribuída ao direito de resistência no paradigma da Filosofia do Direito, em
vista a legitimidade da legalidade, como bem acentuou Celso Lafer, no seu livro
A Reconstrução dos Direitos Humanos
(São Paulo: Companhia das Letras, 1988), aponta para a questão de que a
desobediência civil à lei injusta é uma das formas mais eficazes de defesa da
Constituição.
Penso que a discussão dessa
temática aponta para o domínio do espaço público, locus privilegiado onde palavra e ação complementam-se, como quer
Hannah Arendt em A Condição Humana
(Rio: Forense-Universitária, 1987), e Jürgen Habermas, fundamentalmente, em Mudança Estrutural da Esfera Pública (Rio:
Tempo Brasileiro, 1984).
De último,
espero que a Desobediência Civil e o Direito Político de Resistência não caiam
no vazio, especialmente, neste momento da história do Ocidente, no qual a
Política, cada vez mais, vem se tornando uma mercadoria manipulada pelos
interesses econômicos, e não um aparelho do Interesse Público e de
transformação da ordem social.
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