sábado, 2 de novembro de 2013

Bissextos de Luiz Teixeira



          Dimas Macedo

                                                                                   Tela de Vando Figueiredo

             Sou amigo e admirador de Luiz Teixeira. Fui seu cliente na década de 1980, quando ele ainda assustava o Ceará com os passos pioneiros da Homeopatia. Acompanhei, com curiosidade, o surgimento e o impacto do seu livro – A Dialética da Doença –, acho que em 1983.
 
            Reencontrei-me com ele, em circunstância diferente, no primeiro semestre de 2002. Eu havia, então, rompido com a alopatia e com os seus métodos de cura tradicionais e o Luiz já era, de longe, um dos novos pilares da psicoterapia cearense.

            Passamos, então, a conversar, algumas vezes, sobre as nossas trajetórias e, certa feita, perguntei ao Luiz se ele podia me aceitar na condição de cliente da sua nova especialidade. Luiz me respondeu falando sobre os métodos nos quais acreditava e eu argumentei, em defesa do seu ponto de vista, que a transcendência e a farmacologia, quando conjugadas, podem oferecer à psicoterapia, à psiquiatria ou à medicina curativa, excelentes respostas em qualquer dos seus campos de observação ou de experiência.

            Falei, em seguida, da minha afeição pela psicanálise de formulação junguiana, e Luiz Teixeira surpreendeu-me citando passagens de um dos meus textos de que mais me orgulho – “Confissão de Fé e Transcendência”. Entramos em templos antigos e modernos e repassamos oráculos e tradições religiosas: de Buda a São Francisco de Assis, da constituição da loucura, no alto Medievo, até a abertura das portas da percepção e das viagens lisérgicas que a arte moderna proporciona aos seus consumidores.

            Em seguida, a paixão derivou para a arte literária mais pura, para o meu lugar de crítico e de poeta e para a necessidade, por mim questionada, de que a sua produção de poeta viesse a ser divulgada, ainda que de forma atenuada. Luiz resistiu, dedicou-me os seus “Dois Poemas Quase Espirituais Para o Poeta Dimas Macedo” e encurtou a conversa sobre a legitimidade da sua criação.

            Descobri, com o tempo, que ele, Luiz, tinha introduzido o meu texto acima referido entre as leituras preferenciais dos seus pacientes e que “Confissão de Fé e Transcendência” era uma leitura de extensão nacional, no ambito da Vila Serena, com o meu consentimento, é claro, mas com o meu orgulho e a gratidão de estar servindo a uma causa na qual acreditava.

            Insisti na republicação do seu livro de ensaios – A Dialética da Doença – e percebi que devia recorrer a um amigo comum para retirar o poeta Luiz Teixeira da gaveta. O professor Henrique Beltrão, uma das maiores sensibilidades de músico e de poeta que conheço, aceitou o desafio.

            Beltrão amassou o pão que o diabo nunca quis amassar e arrancou do Luiz o seu caderno de poemas intitulado – Bissextos (Fortaleza: Edições Poetaria, 2007) –, que não é, propriamente, o seu livro de estreia, mas que não deixa de ser o livro com o qual o poeta se autoriza revelado.

             O que fez com a sua poesia que ainda não conseguimos acessar, é certo que não sei. Mas é certo também que não me esqueci de lhe dizer que não deixasse nada para as traças e o cupim. 

             A literatura é possível que não sirva mesmo para nada, como já afirmei em outra ocasião, pois trocar a vida por palavras é um absurdo, para aqui me valer do pensamento de Kafka. 

            Publicar um livro é sempre um ato de insanidade que nunca podemos prever. Quando não, será um desvio de rota do autor. No caso de Luiz Teixeira, no entanto, acho que é um ato de extrema lucidez, pois a sua arte, quando muito pouco, já constitui, em si mesma, uma bela aventura da razão.

               No entanto, se parasse por aqui a apresentação, o leitor, com certeza, iria talvez alegar que eu nada afirmei acerca da virtuose poética do autor, da sua escansão poemática ou da legitimidade dos seus procedimentos semânticos. É que os leitores acham que um prefaciador é alguém que se presta a fazer um resumo das intenções do autor ou do proveito que a escritura pode causar naqueles que dela se acercam.

            Mas não é isto o que penso e não é isto o que acontece na maioria dos casos. O prefaciador ou é um conhecido do autor ou é alguém contratado por uma Editora para fazer o elogio de um livro. No caso deste conjunto de Bissextos, acho que não sou uma coisa nem outra, pois prefiro assumir neste texto a minha condição de Editor. Mas o organizador deste livro, o poeta Henrique Beltrão, quis que o Luiz Teixeira soubesse o quanto eu o admiro como poeta, e o quanto eu considero um crime ele manter os seus poemas sob restrição.

            O resto é tarefa que cabe ao leitor. Um criador de textos literários, por menor que seja o seu alcance, jamais se aventura a publicar um livro sem que não espere a leitura que o recepcionará. Luiz Teixeira sabe disso. E eu acho que ele quer saber agora se vale a pena remoer palavras e expressões e esticá-las sobre tiras de papel, ou se vale a pena ser lido de verdade, superando assim a sua condição de escritor bissexto.


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