domingo, 3 de novembro de 2013

A Ficção de Raduan Nassar


                Dimas Macedo


            No universo da nova ficção brasileira, onde se destacam, entre os melhores exemplos, os nomes de Márcio de Souza, Sílvio Fiorani e João Gilberto Nool, parece assumir posição privilegiada a obra de Raduan Nassar, cuja produção transita do sopro tradicional da técnica do romance para o sentido da pós-modernidade que a tragédia lírica dos nossos dias pretende desenhar.

           Repartindo entre as insinuações do novelesco e do lírico, Lavoura Arcaica constitui, sobretudo, um romance sem precedentes e certamente sem paralelo entre nós, uma saga, por assim dizer, “dessas que marcam a história da nossa prosa narrativa”, como diria Alfredo Bosi, endossando, neste ponto, o argumento de Alceu Amoroso Lima, que divisou nesse “drama tenebroso” de Raduan Nassar uma atmosfera literária “dominada por um sopro universal da tradição clássica mediterrânea”.

            Mas se isto basta para consagrar a tragédia novelesca de Raduan Nassar, não serve, por outro lado, de anteparo para que nos privemos de penetrar no universo que o autor nos quis revelar, através de uma linguagem que representa uma interrogação e um desafio sobre realidade e as possibilidades do ser da escritura ficcional.

             Se Lavoura Arcaica “representa, sobretudo, uma aventura com a linguagem”, a qual, além de fundar a narrativa, se prestaria, igualmente, como instrumento apto a desorganizar “o vigor das verdades pensadas como irremovíveis”, não menos verdade seria afirmar que o poder de denúncia representado pela escritura de Raduan Nassar ultrapassa à dimensão do insólito e se consolida como uma instigante proposta do refazer o exercício do nosso tirocínio existencial.

             O relato trágico e contundente, veiculado nas páginas de Lavoura Arcaica, impressiona, principalmente, pela concisão do estilo que tenta restaurar o dilema existente entre a tentação da ruptura e a herança da tradição. No romance, de forma bastante cristalina, revela-se o avesso da família cuja história o narrador teria sido encarregado de contar, e desvendando a máscara da impostação familiar, o narrador como que expõe o avesso de si mesmo e nos induz a pesquisar os abismos da nossa precária condição.

              Já em Um Copo de Cólera, o autor interfere nas reservas que alimentam o nosso desespero emocional. Partindo da montagem de um cenário que pouco tem a ver com os motivos da sua primeira longa ficção, Raduan Nassar, através de um diálogo alucinante, reconstrói as paixões e os recursos detectáveis no relacionamento explosivo entre um homem e uma mulher, após a plenificação do orgasmo para a cuja conquista ambos concorreram com o seu potencial de afetividade e a sua irresistível atração.

              Do diálogo tenso entre o refinamento cultural de uma jornalista com um solitário e encolerizado cidadão, nascem os eixos de polarização da segunda novela de Raduan Nassar, através dos quais se confrontam os valores da intelectualidade sensibilizada com a estupidez da animalidade que o protagonista esbanja até capitular diante da fragilidade da sua melancólica condição.

               Raduan Nassar é natural de Pindorama, interior de São Paulo, onde vivenciou os tempos inquietos da infância, incorporando, posteriormente, ao seu currículo profissional, os cursos de Filosofia e bacharelado em Direito, atividades a que juntaria as suas habilidades de jornalista e de escritor. 

              Todavia, apesar do êxito incomum alcançado pela sua produção literária, inclusive com traduções em diversos idiomas, Raduan Nassar referiu abandonar a literatura para se dedicar à vida do campo no interior. Isto, no entanto, não impede que a sua obra continue a ocupar a atenção da crítica e a preferência do seu crescente número de admiradores, entre os quais o autor desta resenha se autoriza inserir.

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