Dimas Macedo
No universo da nova ficção
brasileira, onde se destacam, entre os melhores exemplos, os nomes de Márcio de
Souza, Sílvio Fiorani e João Gilberto Nool, parece assumir posição privilegiada
a obra de Raduan Nassar, cuja produção transita do sopro tradicional da técnica
do romance para o sentido da pós-modernidade que a tragédia lírica dos nossos
dias pretende desenhar.
Repartindo entre as insinuações do
novelesco e do lírico, Lavoura Arcaica
constitui, sobretudo, um romance sem precedentes e certamente sem paralelo
entre nós, uma saga, por assim dizer, “dessas que marcam a história da nossa
prosa narrativa”, como diria Alfredo Bosi, endossando, neste ponto, o argumento
de Alceu Amoroso Lima, que divisou nesse “drama tenebroso” de Raduan Nassar uma
atmosfera literária “dominada por um sopro universal da tradição clássica
mediterrânea”.
Mas se isto basta para consagrar a
tragédia novelesca de Raduan Nassar, não serve, por outro lado, de anteparo
para que nos privemos de penetrar no universo que o autor nos quis revelar, através
de uma linguagem que representa uma interrogação e um desafio sobre realidade e
as possibilidades do ser da escritura ficcional.
Se Lavoura Arcaica “representa, sobretudo, uma aventura com a
linguagem”, a qual, além de fundar a narrativa, se prestaria, igualmente, como
instrumento apto a desorganizar “o vigor das verdades pensadas como irremovíveis”,
não menos verdade seria afirmar que o poder de denúncia representado pela
escritura de Raduan Nassar ultrapassa à dimensão do insólito e se consolida
como uma instigante proposta do refazer o exercício do nosso tirocínio
existencial.
O relato trágico e contundente,
veiculado nas páginas de Lavoura Arcaica,
impressiona, principalmente, pela concisão do estilo que tenta restaurar o
dilema existente entre a tentação da ruptura e a herança da tradição. No
romance, de forma bastante cristalina, revela-se o avesso da família cuja
história o narrador teria sido encarregado de contar, e desvendando a máscara
da impostação familiar, o narrador como que expõe o avesso de si mesmo e nos
induz a pesquisar os abismos da nossa precária condição.
Já em Um Copo de Cólera, o autor interfere nas reservas que alimentam o
nosso desespero emocional. Partindo da montagem de um cenário que pouco tem a
ver com os motivos da sua primeira longa ficção, Raduan Nassar, através de um
diálogo alucinante, reconstrói as paixões e os recursos detectáveis no
relacionamento explosivo entre um homem e uma mulher, após a plenificação do
orgasmo para a cuja conquista ambos concorreram com o seu potencial de
afetividade e a sua irresistível atração.
Do diálogo tenso entre o
refinamento cultural de uma jornalista com um solitário e encolerizado cidadão,
nascem os eixos de polarização da segunda novela de Raduan Nassar, através dos
quais se confrontam os valores da intelectualidade sensibilizada com a
estupidez da animalidade que o protagonista esbanja até capitular diante da fragilidade
da sua melancólica condição.
Raduan Nassar é natural de
Pindorama, interior de São Paulo, onde vivenciou os tempos inquietos da
infância, incorporando, posteriormente, ao seu currículo profissional, os
cursos de Filosofia e bacharelado em Direito, atividades a que juntaria as suas
habilidades de jornalista e de escritor.
Todavia, apesar do êxito incomum
alcançado pela sua produção literária, inclusive com traduções em diversos
idiomas, Raduan Nassar referiu abandonar a literatura para se dedicar à vida do
campo no interior. Isto, no entanto, não impede que a sua obra continue a
ocupar a atenção da crítica e a preferência do seu crescente número de
admiradores, entre os quais o autor desta resenha se autoriza inserir.
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