Dimas Macedo
Marcel Bursztyn
O fenômeno do coronelismo – como,
de resto, toda a problemática do mandonismo local na vida política brasileira –
continua à espera de sua interpretação e de sua sistematização conceitual e
teórica. O livro Coronel Dono do Mundo
(Rio, Editora Cátedra, 1983), de Luiz Luna
(1915) e Nelson Barbalho (1918-1993),
que até hoje, me parece, procedeu ao melhor inventário em torno do assunto, se
propõe apenas como “uma síntese histórica”, não descendo a outras investigações
de natureza interdisciplinar.
E até mesmo os trabalhos pioneiros
de Victor Nunes Leal (1914-1985) e Maria Isaura Pereira de Queiroz (1918-),
apesar de suas irrecusáveis contribuições, pecam, ainda assim, pela análise
conjuntural que quiseram emprestar à compreensão de uma temática que, no meu
entender, se tem caracterizado pelas suas peculiaridades regionais, em que pese
aos coronéis terem sempre assimilado um ponto de vista em comum.
Aliás, Coronelismo, Enxada e Voto (São Paulo, Editora Alfa-Ômega, 1976),
de Victor Nunes Leal, é mais um estudo sobre e a organização e a representação
municipal do que propriamente um périplo em torno da influência e do poder
político do coronel. O mesmo se diga com relação ao livro Arraial e Coronel (São Paulo, Editora Cultrix, 1978), de Lena
Castelo Branco Ferreira Costa, que não vai muito além daquilo que o seu
subtítulo sugere: “dois estudos de história social”, onde a figura do coronel
aparece mais ou menos desvinculada da perspectiva tradicional que a tem
caracterizado.
Mas isto já não acontece com os
livros Dos Velhos aos Novos Coronéis
(Recife, Editora Pines, 1974), de Maria Auxiliadora Ferraz de Sá (1947-), com certeza um autêntico
“estudo das redefinições do coronelismo”; e O
Mandonismo Local na Vida Política Brasileira (São Paulo, Editora
Alfa-Ômega, 1976), de Maria Isaura pereira de Queiroz, que não é propriamente
um ensaio sobre o coronelismo, mas que assombra pelo poder de argumentação.
É claro que em alguns Estados, em
face de um mais fácil acesso às fontes de pesquisa, algumas obras
significativas foram produzidas, tais os casos de O Coronelismo em Goiás (Goiânia, Editora da UFG, 1987), de F. Itami
Campos (1941-); As Origens do Coronelismo (Recife,
Editora Universitária, 1984), de Robinson Cavalcanti (1944-2012), sobre o
coronelismo no Estado de Alagoas; e Coronel,
Coronéis (Rio, Editora Tempo Brasileiro, 2ª ed., 1978), de Marcos Vinícius
Vilaça (1939-) e Roberto
Cavalcanti de Albuquerque, este último um estudo de caso sobre o desempenho
sócio-político de quatro coronéis
pernambucanos: Chico Romão, José Abílio (1885-1969), Chico Heráclito
(1885-1975) e Veremundo Soares (1878-1973).
No Ceará, entretanto, que foi o
Estado onde o fenômeno do coronelismo melhor se produziu, com exceção de Império do Bacamarte, de Joaryvar Macedo
(Fortaleza, Casa de José de Alencar, 1990), nenhum outro trabalho foi realizado
até o presente, razão pela qual a sua motivação continua a desafiar os nossos
historiadores. E como ponto de partida e chegada dessa investigação, aponto a
Região do Cariri, não pelo fato de ali se haver instalado uma verdadeira
república confederada de coronéis, mas por ter sido o Cariri o palco do chamado
ciclo das deposições, em que a força do bacamarte substitui a legitimidade das
eleições e em que o poder das oligarquias falou mais alto do que qualquer outra
forma de patrimonialismo e reivindicação.
No entanto, não é dessa modalidade
de coronelismo que nesta exposição pretendo discorrer. Quem estiver interessado
em aprofundar-se no trato do assunto, principalmente no que tange ao Estado do
Ceará, o melhor mesmo é ir consultando o livro de Joaryvar Macedo (1937-1991), acima referido, ou
debruçar-se sobre as memórias de Alberto Galeno
(1917-2005), corporificadas em Território
dos Coronéis (Fortaleza, Editora Henriqueta Galeno, 1988), onde o leitor
encontrará um relato fiel daquilo que foi a prática política de alguns coronéis
cearenses.
Quem pretender uma visão mais
panorâmica deve compulsar a bibliografia ora referida e se deter, de forma
demorada, nos livros de Victor Nunes Leal e Maria Isaura Pereira de Queiroz,
atentando para as agudas observações de Marcos Vinícius Vilaça e Roberto
Cavalcanti de Albuquerque, no sentido da identificação do processo de ruptura
verificado nos mecanismos de sustentação da influência e do prestígio dos
coronéis.
Tal como institucionalizado pela
política de interdependência entre poder local e poder central, e como todo
sistema político-governamental autoritário, o coronelismo nordestino também
desfrutou de fases distintas de declínio e de apogeu. Contudo, ao contrário de
outras práticas políticas oligarcas, o que se pode dizer é que ele ainda não
assistiu à sua superação.
O coronelismo se modernizou: é isto
o que afirma Marcel Bursztyn (1951-). No seu livro O Poder dos Donos (Petrópolis, Editora Vozes, 1984), Bursztyn
presenta a nova roupagem do coronel: um senhor ao mesmo tempo autoritário e
paternalista, a par de assessorado por uma nova estratégia possibilitadora da
sua eficiência e continuação.
Em O Poder dos Donos, partindo de uma visão histórica, Bursztyn propõe
a superação da antiga polarização existente no núcleo das formulações teóricas,
no sentido de que a hipertrofia ou a atrofia do poder local implicava, em
contrapartida, um processo de enfraquecimento ou de fortalecimento do poder
central.
E, para justificar a existência
dessa superada polorização, o autor cita, de um lado, as formulações de Raimundo
Faoro (1925-2003) e, de outro,
justamente as contribuições de Victor Nunes Leal (1914-1985), Gilberto Freire (1900-1987), principalmente em Casa-Grande e Senzala (Rio, Editora José
Olympio, 17ª ed., 1975), e Maria Isaura Pereira de Queiroz, esquecendo-se, ao
que parece, de que a única aliança brasileira que possibilitou a
institucionalização prática e teórica da política dos coronéis foi feita
exatamente no sentido de favorecer o predomínio do poder local, e que Raimundo
Faoro, apesar de atribuir “ao nível central um extraordinário poder,
progressivamente centralizador”, disseca em sua obra, especialmente em Os Donos do Poder (Porto Alegre, Editora
Globo, 6ª ed., 1984), exatamente as raízes regionais alimentadoras dessa mesma
dicotomia política.
Confrontando as instâncias regionais e
centrais do poder político no Brasil, e principalmente tomando como objeto de
observação a região nordestina, Marcel Bursztyn assegura-nos que a manutenção
do clientelismo político no Nordeste já não mais permite a sobrevivência dessa
antiga polarização, uma vez que, nos dias de hoje, surge uma “reciprocidade de
legitimação entre essas instâncias”, de forma que “a hipertrofia de uma delas
não implique necessariamente na atrofia da outra”.
O estudo de Marcel Bursztyn, como
adianta o seu editor, “permite avaliar novas formas de ação do Estado no
Nordeste, onde o nível econômico é apenas um marco explícito de uma estratégia
muito mais ampla de modernização”. O seu questionamento ao mesmo tempo em que
se faz em torno do assistencialismo e da hipertrofia estatal, procura
privilegiar uma discussão em torno da manutenção e da importância do
coronelismo, concluindo que essas linhas de ação política não são antagônicas,
mas complementares.
A nova face paternalista,
configuradora da presença do Estado brasileiro na região nordestina, espelharia
“alguns aspectos específicos dos mecanismos de intervenção do poder central no
meio rural”, tais como o crédito agrícola e cooperativo, as obras contra as
grandes estiagens, os programas regionais de desenvolvimento, as políticas de
reforma agrária e as estratégias de marketing
político regional.
O autor faz uma interrogação a
respeito da permanência das estruturas tradicionais do poder local no Nordeste
“paralelamente à concentração política dirigida a nível nacional por outra
região e por outro grupo social”, e conclui que as evidências empíricas
demonstram que, “apesar da crescente importância da centralização, onde poucos
se tornaram realmente donos do poder, ainda persiste o peso político
representado localmente pelo poder dos donos”.
Em síntese, quer o autor teorizar a
ideia de que a antiga dicotomia poder local versus
poder central não induz na verdade uma cadeia de antagonismos, mas um elo de
complementação, justificador por si mesmo da manutenção da política dos
coronéis, ao mesmo tempo que responsável pela sua modernização e pelo reforço
das suas estruturas de poder.
Do Estado planejador e
assistencialista, pois, emerge o moderno clientelismo regional. Da aliança dos
contrários teoricamente inconciliáveis, ressurge e transforma-se a política dos
coronéis. O Poder dos Donos, em
aliança com Os Donos do Poder, lança
as bases de um novo coronelismo e explicita a lógica de uma nova estratégica
política, estabelecendo um novo tipo de interdependência, em cujo esteio o
poder político do Estado, ao mesmo tempo autoritário e assistencialista, busca
justificar a sua tão sonhada legitimação.
Legal esse título! Tem um livro (dissertação) antigo "Dos Velhos aos Novos Coronéis" de Maria Auxiliadora Ferraz de Sá
ResponderExcluirMariana Costa Lima, abraço grato.
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