Conheci Mário Pontes em 1983, “numa
expressiva reunião de intelectuais”, no Lunas Bar, Rio de Janeiro, tal como
registrei no meu livro Leitura e
Conjuntura (Fortaleza: Edições Secult, 1984). Na época, eu já o admirava
como um dos meus escritores preferidos.
Lembro-me,
perfeitamente, dos fervores daquela agitação, e que eu sentei ao seu lado para
ouvir o elogio que ele fazia à produção de Luís-Sérgio Santos, meu editor no
suplemento de cultura do Diário do
Nordeste e que ali se achava presente.
Minha primeira viagem ao Rio de Janeiro, naquele
ano de 1983, se fazia pelas mãos de Roberto Pontes e a acolhida generosa de
Pedro Lyra e de Normanda, em cujo apartamento nos instalamos para conferir a I
Bienal Internacional do Livro, representantes
que éramos, Roberto Pontes, Luís-Sérgio e eu, da Associação Profissional dos
Escritores do Ceará.
Visitando, na oportunidade, a Editora Antares,
fomos presenteados com o livro Celebrações
do Outro (1983), de Ana Miranda, e com o romance O Coração é um Caçador Solitário, de
Carson McCullers, sobre o qual Mário Pontes tinha escrito uma resenha elogiosa.
Editor do suplemento literário do Jornal do Brasil, e antigo jornalista em
Fortaleza, onde publicou o seu primeiro livro (Brevidade, 1966) e ajudou a cozinhar a edição de vários jornais,
Mário Pontes já era, na época em que o conheci, o autor de Milagre na Salina (Rio: Ed. Brasília, 1977) e dos ensaios sobre literatura de cordel reunidos em Doce Como o Diabo (Rio: Codecri, 1979).
Entre os livros de Mário, destacam-se o
romance Ninguém
Ama os Náufragos (Rio: Nova Fronteira, 1981), a novela Chora Violão (1985) e os contos de Andante Com Morte (Rio: Bertrand Brasil, 1999), não esquecendo,
aqui, a sua dimensão de tradutor e o fato de que incluí o seu nome no meu livro
Crítica Imperfeita (Fortaleza:
Imprensa Universitária, 2001), entre os escritores que ilustraram o Ceará para
além das suas fronteiras.
Em
outubro de 2003, vinte anos após o nosso encontro no Rio de Janeiro, percebi
que Mário Pontes continuava muito próximo de mim. Preparando-me, então, para
viajar a São Luís, o poeta Natalício Barroso pediu-me que levasse comigo o novo
livro de Mário, Um Homem Chamado Noel
(Fortaleza: Funcet, 2003), com a sugestão de que eu escrevesse as minhas
impressões de leitura.
Recolhido
nos moinhos de vento da Praia do Calhau, em São Luís do Maranhão, eu comecei a
pensar, seriamente, no que é glória de ser escritor, fui lendo preguiçosamente
os contos do Mário e não fazendo nenhuma anotação. Limitando-me a ouvir uma
voz, a de Lucas, que me encantou desde o primeiro texto do livro, com suas
estórias e as suas insinuações.
Em cada uma das narrativas do volume, percebi
a voz onisciente de Lucas, e traços da personalidade do autor, ora como
testemunha, ora como narrador, mas no geral e
fundamentalmente, como estrutura polifônica da escritura literária de Mário.
Nos contos reunidos em Um Homem Chamado Noel, segundo o seu editor, “o leitor encontrará
algumas figuras curiosas, como o patético ancião que fez de seu velho automóvel
um jardim suspenso e festeja o 7 de Setembro percorrendo a cidade no lombo de
um pangaré, empunhando uma bandeira que desafia todas as leis da heráldica; a
mascote de um time de futebol com quem o destino foi particularmente impiedoso;
o soturno Noel, que vive de glórias irrecuperáveis”.
Nesse precioso livro de Mário, de alguma maneira, encontro o fechamento
de uma certa intenção literária que o autor semeou em Milagre na Salina, pois que em ambos se guardam um fio condutor das
narrativas e uma mesma unidade morfológica, elementos que se projetam, às
vezes, na sua estrutura estilística e na sua densidade semântica.
Claro
que se trata de um livro de contos, sem nenhuma dúvida. Contos com a melhor técnica da história
curta. Um Homem Chamado Noel,
contudo, pode ser lido também como um romance.
O romance de Lucas, possivelmente um alterego
do autor, que se reparte entre os muitos apelos da memória e os Fios de Ariadne
da escritura literária.
Uma teia
de fragmentos que se unificam, contraditoriamente, em face do desenho da letra
e da escrita polifônica de Lucas. Estórias que vão desde a descoberta do mundo
do personagem principal de Um Homem
Chamado Noel, até o limite maduro da condição humana com que se defronta o
narrador no último texto do volume.
Um poema? Talvez. Possivelmente um
gênero ou qualquer coisa de corte literário elevado (e refinado) com o qual
venha o leitor a se satisfazer. Pois a
literatura, quando muito pouco, é fundamentalmente isto: entretenimento e
representação; e quando muito grande, como aquela que nesse livro se lerá, é
tudo o que acima falei e muito mais: é aquilo que se faz com as formas da
estética, para que as linhas da estética se façam os fios da memória e o tecido
maduro da arte literária.
Hoje, passados trinta e cinco anos,
percebo que Mário Pontes continua vivo como romancista; que Pedro Lyra se tornou
um dos ícones da sua geração; e que Luís-Sérgio Santos e Roberto Pontes se
edificaram na literatura como dois escritores de talento: o primeiro, como
editor e ensaísta; e o segundo como um dos maiores poetas do Brasil.
Belo texto!
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