quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Sobre a Teoria do Ensaio


            Dimas Macedo

                                                                                          Escultura de Ana Costalima

            A louvação do ensaio, enquanto testemunho pessoal e reflexão obsessiva, para um fim específico do conhecimento, constitui uma das formas (talvez a mais autorizada) de elogio da arte literária. Colocando-se entre a ficção e a investigação de ordem filosófica, o ensaio foi sempre o gênero de que se valeram pensadores, críticos de literatura e empreendedores da metacriação, em todos os planos da cultura. 

            O que é o ensaio? O que seria o ensaio, numa síntese conceitual apertada, apta a justificar a sua aplicação a um conjunto de escritos, feitos talvez à margem de exigências formais e de recursos de viés acadêmico?

            A arte do pensamento por imagens, os assomos da intuição, a busca de um sistema de objetos indissociados, os domínios expressionais de afinidades, o movimento e a oscilação da escrita, entre a ficção e a reflexão, talvez respondam, em parte, o que seja o sentido supremo do ensaio. 

            É de conhecimento comum que o ensaio caracteriza-se pela vantagem de ter nascido para o risco, especialmente porque associa ou aproxima dados conceituais e históricos à liberdade de criação autoral. O ensaísta sabe que enfrenta um objeto cultural muito maior do que ele, isto porque o conhecimento sobre o mundo e a realidade é sempre opaco e superficial.

            A leveza significante e a linguagem da experiência, conjugadas com o teor da verdade, perseguido pelos operadores da crítica, para aqui me valer dos ensinamentos de Walter Benjamim, são os elementos que se conjugam no trabalho de todos os ensaístas, os quais perseguem não a totalidade do conhecimento, mas as formas usuais da estética, com as quais o cotidiano se consola.

             Os movimentos e as oscilações da escrita, em busca da modulação e da montagem do texto, estão presentes no ensaio como em nenhum outro gênero literário. A ferramenta de trabalho do ensaísta é o pensamento e a sua transformação por força da palavra e da atividade criadora. 

             Para Pedro Paulo Montenegro, “o ensaio vem-se tornando sinônimo de estudo: crítico, histórico, político filosófico”, mas para esse autor o que importa considerar é que “no ensaio é o estilo que marcha para o pensamento e o traduz (...), sem precisar de qualquer artifício intermediário para expressar a realidade que está na alma do artista”.

             A fluência quase musical da linguagem do ensaio aproxima-se mais da literatura do que de qualquer outra forma de manifestação.  A linguagem do ensaio é menos escarpada ou vazia de sentido do que os argumentos filosóficos que se operam no campo da razão. E é certo, também, que o ensaio constitui uma forma de conhecimento e uma categoria metódica que nos permite interagir com o mundo.

            Sainte-Beuve, de quem, certamente, deriva a compreensão moderna do ensaio, entendia, assim como os arautos da crítica dialética, que o ensaio não admite deduzir previamente as configurações culturais a partir de algo que lhe é subjacente.

            A força do ensaio, para Leandro Konder, estaria “muito mais naquilo que ele recusa do que na clareza e na coerência daquilo que propõe”. Seria paradoxal, portanto, a sua situação. E o paradoxo, ao que penso, constitui a parte essencial da sua natureza.
 
          Para Roland Barthes, o ensaio é um “gênero incerto onde a escritura rivaliza com a verdade”. Isto é, o ensaísta é uma espécie de cientista ou de filósofo que se esmera em elevar o texto à categoria de engenho literário. 

             O gozo do signo, na construção do ensaio, antecipa o prazer da leitura, ao mesmo tempo em que aproxima os leitores, tanto do texto quanto da sua verdade. Não se trata de tese ou de estudo monográfico sobre um referencial da cultura, mas de um discurso que questiona um dogma específico da verdade.

             O ensaísta não depende do sistema de ideias no qual se encontra inserido o seu objeto de reflexão, mas das possibilidades de estabelecer uma ponte entre o conhecimento e a sua comunicação com o futuro. 

              No terreno específico da prosa, a ficção e a crônica, pelo seu compromisso com o real e o concreto ou com as incertezas do cotidiano, nunca responderam, de forma objetiva, sobre a representação e a vontade enquanto impulsos da metacriação. 
  
              O ensaio, pelo seu transbordamento e pela sua transgressão, sempre se prestou a remarcar os sentidos maiores da escrita. Sainte-Beuve, Hume, Emerson, Montaigne, Barthes, Cioran, Octavio Paz e Albert Camus (no plano do sistema literário), e Gustav Jung (no campo da escritura do inconsciente) são os arautos dessa sintaxe a que me refiro e a cujo desvelo a cultura do ensaio se acha vinculada.

              No meu livro – A Letra e o Discurso – reúno um conjunto de prefácios, resenhas e perfis, escritos entre 2005 e 2013 e que se enquadram no gênero literário a que me refiro nesta tentativa de conceituação.

              Trata-se de ensaios díspares ou desconectados, talvez, com aquilo que se convencionou chamar de pós-moderno, porém sintonizados com a estética do desejo e da recepção, o que me faz acreditar na permanência e na afirmação da sua linguagem literária. 

                De último, registro que sou grato a Deus por sua proteção: para com a minha condição de poeta e, de forma muito especial, para com a minha condição de ensaísta, pois o ensaio é tudo o que importa e é tudo o que empresta sentido e unidade aos acertos da minha produção.

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