Dimas Macedo
Escultura de Ana Costalima
A louvação do ensaio, enquanto
testemunho pessoal e reflexão obsessiva, para um fim específico do
conhecimento, constitui uma das formas (talvez a mais autorizada) de elogio da
arte literária. Colocando-se entre a ficção e a investigação de ordem filosófica,
o ensaio foi sempre o gênero de que se valeram pensadores, críticos de
literatura e empreendedores da metacriação, em todos os planos da cultura.
O que é o ensaio? O que seria o
ensaio, numa síntese conceitual apertada, apta a justificar a sua aplicação a
um conjunto de escritos, feitos talvez à margem de exigências formais e de
recursos de viés acadêmico?
A arte do pensamento por imagens, os
assomos da intuição, a busca de um sistema de objetos indissociados, os
domínios expressionais de afinidades, o movimento e a oscilação da escrita,
entre a ficção e a reflexão, talvez respondam, em parte, o que seja o sentido
supremo do ensaio.
É de conhecimento comum que o
ensaio caracteriza-se pela vantagem de ter nascido para o risco, especialmente
porque associa ou aproxima dados conceituais e históricos à liberdade de
criação autoral. O ensaísta sabe que enfrenta um objeto cultural muito maior do
que ele, isto porque o conhecimento sobre o mundo e a realidade é sempre opaco
e superficial.
A leveza significante e a linguagem da
experiência, conjugadas com o teor da verdade, perseguido pelos operadores da
crítica, para aqui me valer dos ensinamentos de Walter Benjamim, são os
elementos que se conjugam no trabalho de todos os ensaístas, os quais perseguem
não a totalidade do conhecimento, mas as formas usuais da estética, com as
quais o cotidiano se consola.
Os movimentos e as oscilações da
escrita, em busca da modulação e da montagem do texto, estão presentes no
ensaio como em nenhum outro gênero literário. A ferramenta de trabalho do
ensaísta é o pensamento e a sua transformação por força da palavra e da
atividade criadora.
Para Pedro Paulo Montenegro, “o
ensaio vem-se tornando sinônimo de estudo: crítico, histórico, político
filosófico”, mas para esse autor o que importa considerar é que “no ensaio é o
estilo que marcha para o pensamento e o traduz (...), sem precisar de qualquer
artifício intermediário para expressar a realidade que está na alma do
artista”.
A fluência quase musical da linguagem
do ensaio aproxima-se mais da literatura do que de qualquer outra forma de
manifestação. A linguagem do ensaio é
menos escarpada ou vazia de sentido do que os argumentos filosóficos que se
operam no campo da razão. E é certo, também, que o ensaio constitui uma forma
de conhecimento e uma categoria metódica que nos permite interagir com o mundo.
Sainte-Beuve, de quem, certamente,
deriva a compreensão moderna do ensaio, entendia, assim como os arautos da
crítica dialética, que o ensaio não admite deduzir previamente as configurações
culturais a partir de algo que lhe é subjacente.
A força do ensaio, para Leandro
Konder, estaria “muito mais naquilo que ele recusa do que na clareza e na coerência
daquilo que propõe”. Seria paradoxal, portanto, a sua situação. E o paradoxo,
ao que penso, constitui a parte essencial da sua natureza.
Para Roland Barthes, o ensaio é um
“gênero incerto onde a escritura rivaliza com a verdade”. Isto é, o ensaísta é
uma espécie de cientista ou de filósofo que se esmera em elevar o texto à
categoria de engenho literário.
O gozo do signo, na construção do
ensaio, antecipa o prazer da leitura, ao mesmo tempo em que aproxima os
leitores, tanto do texto quanto da sua verdade. Não se trata de tese ou de
estudo monográfico sobre um referencial da cultura, mas de um discurso que
questiona um dogma específico da verdade.
O ensaísta não depende do sistema
de ideias no qual se encontra inserido o seu objeto de reflexão, mas das
possibilidades de estabelecer uma ponte entre o conhecimento e a sua
comunicação com o futuro.
No terreno específico da prosa, a ficção e a crônica, pelo seu
compromisso com o real e o concreto ou com as incertezas do cotidiano, nunca
responderam, de forma objetiva, sobre a representação e a vontade enquanto
impulsos da metacriação.
O ensaio, pelo seu
transbordamento e pela sua transgressão, sempre se prestou a remarcar os
sentidos maiores da escrita. Sainte-Beuve, Hume, Emerson, Montaigne, Barthes,
Cioran, Octavio Paz e Albert Camus (no plano do sistema literário), e Gustav
Jung (no campo da escritura do inconsciente) são os arautos dessa sintaxe a que
me refiro e a cujo desvelo a cultura do ensaio se acha vinculada.
No meu livro – A Letra e o Discurso – reúno um conjunto de prefácios, resenhas e
perfis, escritos entre 2005 e 2013 e que se enquadram no gênero literário a que
me refiro nesta tentativa de conceituação.
Trata-se de ensaios díspares ou
desconectados, talvez, com aquilo que se convencionou chamar de pós-moderno,
porém sintonizados com a estética do desejo e da recepção, o que me faz
acreditar na permanência e na afirmação da sua linguagem literária.
De último, registro que sou grato a Deus por
sua proteção: para com a minha condição de poeta e, de forma muito especial,
para com a minha condição de ensaísta, pois o ensaio é tudo o que importa e é
tudo o que empresta sentido e unidade aos acertos da minha produção.
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