Dimas Macedo
O que seria a obra de arte
literária? Em que consistiria o êxtase do seu grande diálogo com a língua? Acho
que a unidade linguística de um livro e a permanência dos seus códigos
semânticos, respondem às perguntas acima; e que a literatura constitui a
representação mais profunda do ato de viver.
Um livro não é um arrazoado de
palavras. Não é um bloco de textos que se quer desgarrado da estética da vida e
da sua essencialidade. E disso nos dá a certeza Carlos Augusto Viana, no seu
inventário de poemas - Inscrições dos
Lábios (Fortaleza, Expressão Gráfica, 2002), livro que é bem o atestado de
como a arte literária impõe-se à inteligência de uma geração.
O autor de Primavera Empalhada (Fortaleza, Nação Cariri Editora, 1982) esperou
vinte anos para superar o seu livro de estreia, legando-nos agora os indícios
de uma nova escritura na qual os seus leitores não mais acreditavam. Mas é
certo que, dessa forma, fez uma revisão crítica e necessária da sua produção e,
sobre os seus inéditos, exerceu a prudência que a humildade e a sabedoria
recomendam.
Isolado que seja o aspecto da
prudência, pensávamos que Carlos Augusto, por algum reverso, estivesse
assustado com o público, ou cativo das prisões que o ensino da língua
portuguesa lhe havia imposto. Mas o poeta ressurgiu em 2002 com um sopro novo,
remarcando a palavra com o ferro da sua lírica genuína, e com a força viva e
trepidante da sua semântica literária, que é uma das melhores que se fez e,
ainda, se faz no Ceará.
O manuseio de imagens e metáforas,
feito com o engenho e a arte que lhe são absolutamente pessoais, constitui,
talvez, a qualidade mais exuberante desse poeta cearense. Mas o que quero
destacar, igualmente, é que Carlos Augusto Viana sabe, como poucos escritores,
dialogar com a imaginação do leitor, tamanha a sua sede de formas e a sua grave
intelecção criativa.
Carlos Augusto nos ensina, com os
seus poemas, que a arte não é um lenitivo para a vida, senão que a arte é a
suprema euforia da vida, e que a arte refaz o tecido essencial da vida por meio
do uso de imagens e de torneios alegorizantes.
A poesia de Carlos Augusto nos
conduz a uma intertextualidade sutil e seminal, dialogando abertamente, no
contexto de Inscrições dos Lábios,
com grandes poetas cearenses, arrolando-se Jorge Tufic, Linhares Filho,
Francisco Carvalho, José Alcides Pinto e Artur Eduardo Benevides, entre eles. E
vai além: transforma o cheiro, o frescor, o salitre, a memória, o azeite e o
trigo da mulher amada em escritura literária de fina estampa e abrangência.
Mel e porcelana, algodão e novelos,
óleo sobre tela, memórias e resinas, pele, gestos e anunciações, auroras e
paisagens, alvenarias e enlevos, tecidos, volições, tatuagens e lembranças,
entre outros afetos, constituem as inscrições murais e os elementos com que
Carlos Augusto Viana tece os seus lençóis de linho em busca da glória
literária.
Creio que já afirmei que Carlos Augusto Viana
é um dos estetas maiores e mais puros da poesia que ainda se quer revelar com
criatividade em busca de uma maturação definitiva. E, considerando-se o furor
criativo e o indiscutível domínio da linguagem que lhe são inerentes, podemos,
com certeza, dizer que Viana é uma das vozes mais altas e maduras da literatura
de sua geração.
Lembro, por oportuno, que Carlos Augusto foi
um dos raros poetas dessa geração a figurar, com acerto e louvor, na clássica
antologia de Assis Brasil: A Poesia
Cearense no Século XX (Rio, Editora Imago, 1996), apesar de possuir, na
época da feitura da mesma antologia, tão-somente um livro de poemas. E assim
foi o poeta firmando o seu nome até chegar a esse novo inventário de poemas,
que traz capa do artista gráfico Geraldo Jesuíno a partir de óleo sobre tela do
artista plástico Vando Figueiredo.
O seu primeiro conjunto de poemas,
quando publicado, levantou a curiosidade da crítica. E, na oportunidade,
escrevendo sobre o seu livro de estreia, divisei no conjunto dos poemas
coligidos “um livro cheio de metáforas e de símbolos”; e afirmei ser Primavera Empalhada “um livro sobremodo
envolvente, denso de cumplicidade e de lirismo, pleno de evocações e de
recursos criativos”.
E continuando na minha alocução,
ajuizei, em seguida, que, em termos de linguagem e de elementos semânticos,
seus poemas constituíam peças da melhor qualidade literária, revestidas de
experiências formais e ungidas de ressonâncias verbais e polifônicas,
destacando também, na oportunidade, a plasticidade da sua criação artística e a
riqueza dos signos linguísticos que recortavam a sua escritura literária.
Vejo, agora, que o autor de Inscrições dos Lábios apurou ainda mais
a harmonia verbal das suas criações estéticas, legando-nos um livro de poemas
todo ele feito de signos culturais e de essencialidade poética. A claridade, o
som, as cores, a música das palavras, a linguagem sublime do amor, a estética
do corpo e da memória, as estruturas verbais desdobradas em letras e fonemas,
entre outros elementos de figuração e estilo, formam o rio caudaloso da sua
sintaxe literária.
Trata-se de livro que merece ser lido,
pensado, quiçá examinado por estudantes e leitores de todas as idades, pois a
dignidade da grande escritura literária é o que nos resta preservar antes que a
cegueira se faça a solução de todos os nossos desejos e sentidos.
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