Dimas Macedo
Poeta José Teles
A poesia popular, em Lavras da Mangabeira, constitui um dos mais
expressivos atributos daquele município. Ainda no final do século dezenove,
Fausto Correia de Araújo Lima tornou-se ali uma voz altissonante. Cantou com o
célebre Romano do Teixeira, na Paraíba, e se fez emissário do Padre Cícero
Romão de Juazeiro, de quem era compadre, em vários lugares do Nordeste, sendo
arrolado por Leonardo Mota no livro que intitulou Cantadores (Rio,
Editora Castilho, 1921).
Antônio Lobo de Macedo (Lobo Manso),
natural do Sítio Calabaço, ergueu também a sua voz para além do município de
Lavras e a fez extensiva a toda a região do Cariri. Trocou farpas e duelos em
versos com o seu conterrâneo Cabral da Catingueira (Antônio Cabral de Alencar)
e liderou uma plêiade de poetas da boemia lavrense de outrora, composta por
nomes como Antônio Aranha (o grande poeta fescenino do Vale do Salgado), Elisa
de Araújo Lima (filha de Fausto Correia), Otávio Aires de Menezes, Raimundo
Moreira de Macedo (Nonô), João Favela de Macedo, Tota Bezerra (presença
lavrense em grandes festivais de cantadores), Jesus Ramalho e Mundoca de Barba
(um dos aboiadores de peso do sul do Ceará).
No tempo em que funcionou em
Lavras o Botequim da Velha Chica, na praça da estação ferroviária, para ali
convergiram os bardos lavrenses de então, pois se tratava, no caso, “do maior
centro de poetas populares de todo o interior nordestino”, como registra,
aliás, F. Monteiro Lima, em O Botequim da Velha Chica (Maceió, Imprensa
Oficial de Alagoas, 1976). E menciona o autor os seus mais ilustres
componentes: Napoleão Menezes, Ugolino do Sabugy, Sinfrônio Martins Pedro, Luiz
Dantas Quezado, João Martins de Oliveira e Aderaldo Ferreira de Araújo (o
famoso Cego Aderaldo).
A boemia e a brisa serena do
Salgado exportaram para Belo Horizonte e Fortaleza, um menestrel da poesia
sertaneja (Vicente Ferrer Lima, por alcunha Vicente de Paroca) e um exímio
letrista e seresteiro da canção de gosto popular (Francisco Rodrigues Lima,
conhecido por Fransquinho de Etelvira), poetas de quem a velha guarda lavrense
muito se orgulha.
Resta-nos agora trazer à
discussão a figura singular do Cego Mangabeira, nome de destaque do Instituto
dos Cegos e orgulho máximo do seu município de origem. Em Poetas Populares e
Cantadores do Ceará (Brasília, Editora Horizonte, 1978), Alberto Porfírio o
eleva à condição de mestre e nos chama a atenção para a sua poesia muito
original.
Hernandes Pereira, assim como o
Cego Mangabeira, é outro poeta lavrense de estofo, nos domínios da métrica e do
repente que louvam a grandeza do sertão. Natural da fazenda Cachoeira,
Hernandes viveu a sua adolescência na cidade de Lavras e radicou-se depois em
Camocim, de onde difundiu o seu nome para o Ceará, transferindo-se em seguida
para Tianguá, onde exerce as funções de radialista e jornalista. Sonetista,
poeta e cordelista, é autor de poemas e folhetos de cordel, e de ações
culturais que o elevam no campo da poesia popular.
Chiquinho Bezerra Sampaio, como
poucos, afinou a lira em Quitaiús, ao lado de Quinco Limeira e Mundinho do
Banco; e, em Mangabeira, para não ir longe, eu cito os nomes de Franço Lemos,
Vicente de Paulo Lemos, Mundoca do Sapé e toda a pletora de poetas mapeados por
Dias da Silva, em Voz Verso e Viola em Mangabeira (Fortaleza, RDS
Editora, 2003).
Francisco de Mauro, Zeca Taveira,
Ismael Pereira, Bernardino Ribeiro Campos, Luiz de Janu, Quinco Ferreira,
Mundoca de Barba Neto e João Gonçalves Primo (Joca), este último em Arrojado,
são expoentes da poesia popular lavrense. Mas Vicente Correia, muito antes
desses timoneiros da poesia, já tinha o estatuto que lhe deu merecido destaque
em todo o município, fincando, no bairro do Além-Rio, a sua residência
acolhedora.
Ali recita de cor os versos sociais
de Lobo Manso, o seu mestre mais do que confesso e, bem assim, as trovas e
poemas populares do seu colega de ofício, Zito Lobo de Macedo, invocando, com
frequência, o nome de José Lobo de Macedo (Joary), que patrocinou, em Lavras,
durante toda a sua vida, a verve sertaneja de muitos poetas do Nordeste.
Manoel Mendes Ferreira (Manuel
Duda), natural de Belo Jardim, Pernambuco, fixou-se em fazendas ao leste da
cidade de Lavras e propagou o seu estro até o limite com a Paraíba e Ipaumirim.
Trata-se de aedo de fala requintada, cuja arte borbulha qual um sopro,
fazendo-se ouvir o seu gorjeio como se fosse um instrumento de rara percussão.
O seu amigo José Teles da Silva o
considera um dos maiores poetas do sul do Ceará. E Pereira de Albuquerque, em O
Ridículo das Coisas (Fortaleza, Edição do Autor, 2005), o tem na conta de
poeta muito original.
Ficam aqui registrados, também, os poetas
populares esquecidos, os autores de folhetos de cordel, os chamados poetas de
bancada e os cantadores de viola, porque os eruditos e os outros tantos
escritores do Salgado já foram relembrados e estudados até a exaustão.
José Teles da Silva ou Zé Teles,
como é largamente conhecido, tornou-se, com o tempo, o Príncipe dos Poetas
Lavrenses, e não somente o príncipe dos poetas populares da cidade de Lavras.
Trata-se de escultor do verso dos mais qualificados. É escritor que se lavra
nas formas do poema, mas em tudo o que faz ou realiza é poeta popular de grande
inspiração.
Nasceu na Fazenda Várzea Redonda, na
margem direita do Salgado, a 20 de outubro de 1938, em terras que já foram de
Senhor Pereira e de José Aleixo de Aquino, sendo filho de pais agricultores,
aferrados ao cultivo da terra, conhecidos por Silvério Teles da Silva e Maria
Geralda da Silva.
Foi marcado, desde cedo, pela
sinfonia dos bichos e das plantas e por tudo que se ia fazendo poesia ao seu
redor. Compreendeu, assim, o seu destino de poeta e os apelos da sua grande
vocação.
Quando tinha cinco anos apenas, a
família transferiu-se para o Sítio Carnaúba, onde viveu os folguedos da
infância e tomou contato com as primeiras letras, na escola de José Maria
Marinheiro, terminando aí o seu segundo ano primário. O terceiro ano ele o fez
com a Professora Dasdores, encerrando, assim, o seu aprendizado oficial,
diplomando-se tão-somente na arte de escrever e contar.
Trabalhando na agricultura, mas
sentindo a pulsação da verve de artista, deixou-se levar pelo engenho da
imaginação e da inteligência, logrando, muito cedo, o reconhecimento das suas
qualidades no trato com a vida, por parte de Raimundo Augusto Lima, o maior
político lavrense de então, que o convidou para o serviço burocrático das suas
fazendas de criar. E com zelo e dedicação sempre redobrados, conquistou do
coronel a confiança e admiração, tornando-se, os dois, muito próximos com o
passar do tempo, a ponto de tecerem o equilíbrio de uma grande amizade.
Em 1960, casou-se com Maria Nunes da
Silva e desse enlace nasceram os seguintes rebentos: Maria Gorete Teles, Eva
Maria Teles e Adão Teles (gêmeos, mas falecido este último), José Teles da
Silva Filho, Maria do Socorro Teles, Ivo Teles da Silva e Euclides Teles Nunes, todos admiradores do
seu grande talento de poeta.
Amante carinhoso da sua terra de
berço, despejou-se o poeta José Teles pelas entranhas da cidade de Lavras.
Contou a história do seu povo e a memória da velha Princesa do Salgado,
acompanhou a sua evolução e a sua decadência e cantou com afã a rebeldia e a
poluição do Rio que banha sua terra, tornando-se assim o Fernando Pessoa da sua
região.
Definir um marco para sua obra de
poeta é algo que já não se pode fazer com segurança, pois frutifica e aflora
dos seus lábios (e da sua pena) uma poesia que já nasce feita, porém pura, bela
e espontânea como todas as coisas sublimes do sertão.
Confessa, orgulhoso, que não
aprendeu a técnica da poesia erudita, nem a sua métrica, nem a sua erudição.
São fluentes e jorram como fontes, as visões profundas da sua solução
poemática, porque os versos, em José Teles, fazem-se repentinos e agudos e se
vão, em dilúvio, transformando em cordas musicais.
Gosta de cultivar a arte da paródia,
de improvisar o sopro do repente e sabe compor hinos e canções, ora de
linguagem mística, ora de apelo político e social.
Esse augusto menestrel do Vale do
Salgado é, em sua terra, a expressão mais viva da cultura popular. Inúmeros são
os folhetos de cordel que publicou e, desde o ano de 2008, tornou-se um dos
poucos imortais da Academia Lavrense de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 27, que
tem como patrono Cabral da Catingueira.
É devoto fervoroso de Jesus e do
padroeiro da Igreja de Lavras, São Vicente Ferrer. Gosta também de conversar, e
as suas histórias fabulosas são elaboradas com o tecido dos causos que se
contam.
Ir a Lavras e não conhecer José
Teles é como ir a Roma e não visitar o Vaticano. Não é apenas o Príncipe dos
Poetas Lavrenses: é o papa da cultura popular em sua terra e o seu mais respeitado
corifeu.
Dele guardo a amizade e a atenção
com que sempre me distingue. Sou admirador da sua musa e amigo da sua família,
por igual.
Quando vou a Lavras, é uma das
primeiras pessoas que procuro. E sempre encontro José Teles com uma boa
história pra contar. Alegro-me com seu jeito de ser. Para mim, o poeta José
Teles é um mestre na arte de dizer, pois é doutor em tudo o que produz.
Sonhos de um Poeta
(Fortaleza, Expressão Gráfica, 2010), o seu livro de estreia, reúne o essencial
da sua produção. Tive o prazer de trabalhar no projeto da sua poesia reunida,
ao lado de Eva Teles, a filha que talvez mais o admira. E foi para mim uma
honra escrever o prefácio desse livro.
Viva, pois, a Capital do Vale do
Salgado! Viva o Poeta José Teles! E vivas sejam dadas, por igual, às remansosas
águas do Salgado e ao Padroeiro da Cidade de Lavras, São Vicente Ferrer.
Mestre e amigo Dimas Macedo, parabéns pelo belo artigo sobre o poeta popular José Teles. Logo lhe
ResponderExcluirenviarei alguns artigos meus que, a convite do jornal, tenho publicado mensalmente n'O POVO. Rece-
ba um grande abraço deste seu admirador e amigo, Sânzio de Azevedo.
Mestre Sânzio de Azevedo, você está no meu coração. Gratíssimo por tudo.
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