Amélia Rocha e Dimas Macedo
Em Defesa da Poesia
O estatuto da sensibilidade
fincou-se, há anos, na contramão da história. Assim como resistir é preciso,
faz-se indispensável que os potenciais de ternura não se percam nunca, e
que a arte, assim como a vida, seja a grande resposta a iluminar os caminhos do
homem.
O que é amor? A arte amorosa é um
nada quando se quer tão-só a pulsação do sexo e a deformação do corpo e de
todas as suas formas plurais de energia. O corpo é a matéria porosa mais
sofisticada e é totalmente iluminado pelas formas divinas do sagrado.
Poetas verdadeiramente grandes
como São João Evangelista e Santa Teresa de Jesus mostraram ao mundo que entre
a liturgia da carne e os sentidos supremos da renúncia a luz de Deus se coloca
e aí latejam todas as formas tormentosas da vida, pois Deus é solidão e é tudo
o que se basta, pois Deus, superior a tudo, é tudo o que termina.
Deus, portanto, muito antes do
homem, vem conduzindo, com esmero e talento, a solidão plural de todos os
poetas, a todos revelando a sua alegoria e os seus mistérios plurais e
insondáveis.
Amélias, teresas, bandeiras,
cecílias, pessoas, personas, presenças, ausências, talheres, ternuras,
vinhedos, espumas, conflitos, contrastes, tragédias, comédias, calcanhos,
carências, cafetos, poéticas, estéticas, no prato, seremos, um dia, quem sabe,
poetas, profetas, lilases, capazes, carecas, eurekas, gravadas no peito.
Sem jeito, pois, meus amigos, a
poesia: o imponderável que se revela no rosto por inteiro, como neste livro-Tempero, de Amélia Rocha, pois o que é a arte, em parte, é um mistério, e em
parte, também, a arte é um tinteiro; e por derradeiro vos digo: a arte é um
perigo; a arte pelo chão; a arte é um dragão cruzando com leoa.
E mais: que faz uma poetisa inteira
como Amélia? Não sei. Talvez sintaxe, a mais aberta na língua e no estilo. E
que Camilo Pessanha se maltrate, pois que Amélia tem tudo o que eu não faço:
nasço do tédio e Amélia é boi na chuva.
Cachos de uva suspensos no comboio.
Os elementos do sangue na garganta. A dor latente gravada na memória. E que se
faça o mito neste texto: Tempero com
sal grosso. É só picanha o texto de Amélia. É só caroço de manga a sua arte.
Sem mais disfarce proclamo para o
mundo: este Tempero de Amélia é coisa
rara. Essa alegria rara de Amélia é escritura. Essa candura de Amélia é coisa
nossa. É ferradura na sola do sapato. Tão abstrato o canto aqui exposto. Tal o
sol posto nos versos de um soneto. Tal um quarteto de cordas no armário. Tal o
sacrário da dor dentro do peito.
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