quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Giselda Medeiros: Crítica Reunida



                    Dimas Macedo

 
                                                            
                                                                                        Giselda Medeiros

              A expressão da crítica literária cearense e a sua inserção na cultura brasileira é uma das nossas tradições mais afortunadas. O pioneirismo de Rocha Lima (1855-1878) e do seu clássico Crítica e Literatura (São Luiz, Typografia do Paiz, 1878) parecem-me exemplos que se bastam a remarcar essa tradição e essa tenacidade, próprias da nossa inteligência criadora.

           Em 1856, como sabemos, José de Alencar publicou a sua memorável Carta Sobre a Confederação dos Tamoios, de grande repercussão na crítica literária do Brasil, e, em 1872, Franklin Távora fez um ajuste de contas com o seu conterrâneo, com a edição das suas conhecidas Cartas a Cincinato.

            E como se isso não bastasse, Araripe Júnior, ainda no século dezenove, encarregar-se-ia de dar à literatura brasileira o seu estatuto definitivo no terreno da crítica. E bem assim os rumos que esse gênero literário tomaria entre nós.

            Depois, eu colocaria o papel relevante das Cartas Literárias (Rio, 1895) de Adolfo Caminha, o engenho crítico e a argúcia intelectiva de Frota Pessoa (Crítica e Polêmica, 1902), a essencialidade do exercício crítico de Braga Montenegro, as intuições estruturalistas de F. S. Nascimento e a crítica de base dialética de Ramos Tinhorão reunia em – A Província e o Naturalismo.

             A crítica literária de formação acadêmica tem-se desenvolvido no Ceará com algum desassombro. Lembro aqui os nomes de Linhares Filho, Batista de Lima, Lemos Monteiro e Sânzio de Azevedo, e ponho em destaque o nome deste último, que é o maior historiador da nossa literatura.

              Merece também uma referência memorável o recorte teórico que permeia o tirocínio crítico de Pedro Paulo Montenegro, e trago à discussão os nomes de alguns poetas que exerceram ou exercem, entre nós, a crítica literária. Aluísio Medeiros, Francisco Carvalho e José Alcides Pinto entre esses poetas a que me refiro.

            Agora, quem aspira a inscrever-se nessa tradição afortunada, é a escritora Giselda Medeiros, uma das mais argutas expressões da nossa intelectualidade e do nosso panorama cultural, reunindo, em livro, os seus artigos de crítica, escritos entre 2005 e 1999 e pulverizados em diversos espaços nos quais se fez presente com a sua inteligência e a sua sensibilidade criativa.

            Giselda já firmou o seu nome como poetisa e já se revelou, de permeio, como uma das nossas contistas mais imaginosas. Contista da condição humana e do imponderável, onde Eros e Tanatos se abraçam. Poetisa também de escol, que paga tributo à lírica e à arte literária de qualidade estética relevante. 

             Crítica Reunida – 2005/1999 é o livro da sua diversidade e do seu engenho sofisticado e ambicioso. Sei que falar em ambição, no caso de Giselda, é agredir um pouco a sua sensibilidade. Mas a sua ambição literária faz-se exatamente contra a sua vontade, e a partir da sensibilidade com que dissemina no texto as marcas do seu tirocínio teórico.

              Não raro, nos seus textos, fazem-se presentes o sistema literário e o contexto teórico em que insere o postulado das suas recensões, as quais saltam aos olhos como testemunho de erudição. Giselda não faz política de jornalismo literário tão-somente. Mais do que isso, ela nos mostra o seu viés estético e as suas linhas de pesquisa em busca das formas supremas da arte literária.

             A leitura para Giselda é um pretexto e não uma contingência aleatória. E o texto de crítica que a autora elabora é mais que uma instância comunicativa de acento verbal, pois nele se agrega igualmente um valor e, não raro, um sentido filosófico e uma perspectiva ontológica muito proveitosa. E esses traços me parecem ser aquilo que remarca o seu estilo e a sua discussão, a sua engenharia linguística e a sua busca incessante de conhecimento.

              Para Giselda Medeiros, a crítica literária é metacriação e não apenas desvelamento e argúcia para com a intelecção do texto literário. E, dessa forma, a autora nos vai revelando a poética da crítica literária que empreende, isto é, faz da estética do seu texto o pano de fundo das suas intenções e dos seus acertos no campo literário.

             O que destacar no seu livro? Creio que tudo em Crítica Reunida – 2005/1999 - está sincrônico com o pensamento literário de Giselda e com a expectativa do leitor que dele se acerca. O livro condensa um conjunto de recensões e ensaios de diversas épocas e oportunidades. 

            Em todos os textos reunidos, é possível vislumbrar a maturidade de Giselda Medeiros, a sua argúcia literária, a sua austeridade acadêmica, o seu potencial analítico e, acima de tudo, a sua possessão estilística e as marcas inconfundíveis do seu talento e da sua indiscutível leveza, em busca das formas puras da comunicação.

            O rigor metodológico está presente em Crítica Reunida – 2005/1999 - como em nenhum outro livro de crítica publicado no Ceará nos últimos anos. No livro existem referências bibliográficas de monta, alinhamento de uma bibliografia no final do volume e um índice onomástico que facilita em muito a consulta de cada um dos textos ou a localização do discurso teórico no qual Giselda apoiou as suas conclusões e os seus pontos-de-vista.

             Louvo, por fim, a decisão da autora de assumir, de público, a maternidade desse novo gênero literário, e a decisão também de incorporá-lo, definitivamente, ao estuário da sua multifacetada visão. Giselda não é escritora de poucos recursos literários. É proprietária de sonhos e de um patrimônio literário que todo o Ceará já aprendeu a cultuar. Que seja assim também o destino e a recepção deste indispensável Crítica Reunida – 2005/1999.

Um comentário:

  1. Dimas, muito obrigada pela publicação de sua crítica ao meu livro e, ainda mais, postada em seu rico blog.
    Amigo, você é o Cara!
    Abraços
    Giselda

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