Dimas Macedo
Uma nuvem densa de poeira cósmica inclinou-se um
pouco para reverenciar o enigma que dali se erguia e o céu encobriu-se de azul
para que os sinais ali aparecessem com toda a claridade. E a iluminação que
dele irradiava deixava-o de modo a predizer profecias, a ruminar obstáculos, a
erguer a voz até onde o silêncio se fizesse presente, até onde o amor fosse a
expansão de todos os deuses prematuros.
A solidão que dele se erguia estava
muito próxima do sol. Estava muito
próxima de Deus. Estava ali a sufragar a permanência de uma oferenda simbólica.
A que vinha do mais sólido castelo interior, da mais branca anatomia da alma. E
ele tinha a certeza do que anunciava a cada ligação que fazia, a cada
compressão do corpo sufocado pela falta de oxigênio.
Sentia-se
impotente quando queria escrever. Começava a falar e a voz chegava na garganta
sempre embargada. Lembrou-se então de um sonho antigo que o atormentava e que
um déspota assumira o poder para distrair sua cabeça atrabiliária, coroando de
ócio a sua dança de equilibrista.
Pensou
em soerguer de uma vez por todas a lassidão que se depositava em seu corpo, mas
não conseguia se livrar do aconchego da sua sentinela. Aumentou, então, a
vigilância e descobriu que estava em estágio de lucidez permanente, vez que
juntando os conhecimentos vários que ia armazenando, tinha construído uma
utopia fantástica para explicar uma explosão iminente.
O
sonho entrara pela segunda janela da alma. O fio da linguagem se inoculara
entre as vértebras do aparelho abdominal. Doía-lhe o coração cravejado pelas
espadas do apocalipse. E enquanto se ia distraindo viu um pássaro pousado no
fio do telégrafo, uma andorinha fazendo verão em seus lábios, um corpo de
mulher estendido diante da solidão dos seus olhos.
Não
era possível que o primeiro tanque de guerra não estivesse nas ruas e que a
praça, ali em frente, não estivesse contaminada por uma doença invisível.
Erradicou da alma a sonolência, sacudiu os chinelos quando atravessou a última
cancela e pressentiu que uma multidão viria abraça-lo a partir do mês de
agosto, o tempo onde costumava plantar algumas sementes de paixão, alguns
alqueires de dor, alguma esperança concreta que florescia no outono seguinte.
A
Associação dos Esculápios da Alma e a Margem Oculta do Rio Invisível da Face
levantaram um brinde ao cavalheiro que ainda permanecia de pé, com o brasão do
sol no lado esquerdo do peito, e cantaram matinas de amor para incensa-lo.
Queriam uma placa de ouro para ele. Mas ele quis apenas a luz que se
escorregava no silêncio, porque o seu arquétipo era uma lâmina de punhal
bastante fecundada, com a qual removia a pátina de lodo que escorria pelo
algeroz do enigma, pelo rosto compacto da esfinge, pela ilusão das vidas que
não havia criado.
Escalou
em seguida as pirâmides que os esculápios lhe haviam armado no deserto e
dedilhou as cordas de uma explosão desejável, a que não faz barulho, a que
caminha pelo coração dos ouvintes, a que ressoa na camada ótica do asfalto e um
dia será ouvida pela melhor assistência.
E
a inclinação da nuvem que passava tomava o sentido de uma alegoria festiva, tal
a policromia de luzes que se desenhava no horizonte distante. Viu, então, que a
luz era o anúncio de uma profecia e concluiu que a lágrima que escorre do olho
esquerdo do anjo não é surreal como se imagina. É um sinal, talvez, de que
estamos felizes e a felicidade é uma eterna nuvem passageira.
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