Dimas Macedo
2017 foi um ano proveitoso para a minha
missão de escritor. Fugi o quanto pude das academias e dos seus rituais
enfadonhos, mas terminei refém do Instituto Cultural do Cariri, a cuja sedução
me rendi, na mesma proporção quanto o desejei, assim como seguimos a alma de
uma bela mulher.
Não postulei nenhuma das cadeiras
existentes no ICC, mas aquela de número um, da área de Filosofia, me foi
destinada pela conspiração de alguns amigos, entre os quais, João Tavares
Calixto Júnior, Heitor Feitosa Macedo e Emerson Monteiro.
Ali tomei posse com um discurso feito
de improviso, ao ensejo do lançamento, no Crato, do meu livro Dona Fideralina Augusto – Mito e Realidade.
Não me lembro daquilo que disse na ocasião, mas é certo que o coração tremeu e
as pernas saíram do lugar.
Percebi a presença de Joaryvar Macedo
no plenário, e na alma ecoaram as palavras de Antônio Martins Filho recitando
os poemas de Augusto dos Anjos, do Cego Aderaldo e de José de Mattos.
Afundei no passado, assim como
descemos nas águas de um rio, e ressurgi na Praça da Matriz, em Lavras da
Mangabeira, levado pela poesia de Filgueiras Lima, o maior poeta das canções de
ritmo de todo o Ceará, e meu patrono naquela casa de cultura.
Por ser nova a cadeira que passei a
ocupar, nela sentou-se apenas José Humberto Tavares de Oliveira (poeta e
professor, assim como o autor deste texto), filho da cidade do Crato e descendente
dos Tavares Filgueiras do Município de Lavras, de onde provieram os seus pais.
Autor de livros como Pintos de História do Brasil (trovas,
1979) e Versos de Saudade (poemas,
1999), nesta trilha, seguiu os passos do seu primo, Filgueiras Lima, e com ele
bateu-se pela Educação, em Fortaleza, e como estudante, no Ginásio do Crato.
Ambos foram grandes como educadores
e intelectuais e como seguidores de Antônio Martins Filho. Não sei se
conviveram com Joaryvar Macedo, mas aposto que se orgulhariam, se vivos
estivessem, do talento incomum desse grande lavrense.
O Instituto Cultural do Cariri faz
lembrar as figuras de Irineu Pinheiro, de J. de Figueiredo Filho e,
especialmente, do Padre Antônio Gomes de Araújo, o autor corajoso de O Apostolado do Embuste e de outros
escritos ancestrais que fizeram do sul do Ceará um território glorioso.
Teria o Padre Antônio Gomes escrito ou
influenciado a redação do livro de Otacílio Anselmo Padre Cícero – Mito e Realidade, ou o mundo de J. de Figueiredo
Filho seria realmente uma Farmácia? Pereira Filgueiras seria maior do que
Tristão Gonçalves ou, pelo contrário, qual o historiador do Cariri mais fiel às
fontes de pesquisa?
O
Cariri é um enigma. O sul do Ceará é uma região aquartelada, e da Chapada do
Araripe até o Boqueirão de Lavras, corre o sangue dos heróis que deram
significação ao Ceará, desde os índios da Nação Kariry até a saga dos
mineradores; desde os tangedores de gado do meridional até as guerras da
Independência e da Confederação do Equador.
Onde mais existe o Cariri? Na rebeldia
de Bárbara de Alencar, em 1817, na saga poética de Patativa do Assaré, no
engenho fabuloso construído pelo Padre Cícero, nos milagres de Maria de Araújo,
na Sedição de Juazeiro e na prepotência dos seus coronéis, no sacrifício de
José Lourenço e na eliminação do Caldeirão, e na mente, algo diabólica, do
Padre José Martiniano.
E se nada existe para além dos
historiadores, louvo, neste texto, o gênio absoluto de Joaryvar Macedo, que no
ICC, de primeiro, me antecedeu, e que, contra o ICC, se rebelou, para fundar a
historiografia do futuro em todo o Cariri, e porque, no Nordeste, ele foi o
maior dos genealogistas.
Volto para o Cariri sempre que
regresso a Lavras da Mangabeira, a terra, certamente, onde não nasci e o osso
mais difícil de roer, em toda a minha vida, a terra do meu coração e o berço
antológico dos meus pais, pelos quais, agora, sinto um desejo imenso de matar
alguém e de esquecer, para sempre, a velha Princesa do Salgado.
Fortaleza,
dezembro de 2017
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