terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Bruno Paulino - A Menina da Chuva


 Dimas Macedo


           Chovemos de alegria quando a palavra renasce, ou quando o sol se apresenta na nossa janela, anunciado a chegada do novo. A lua clareia o nosso esquecimento e a chuva nos redime diante da memória, refletindo em nós a incerteza dos nossos idiomas.

          Existiríamos, afinal, se não fosse a força da palavra ou a nossa vontade de potência? Seríamos o que, se não pudéssemos ouvir o canto de um pássaro ou o silêncio da chuva, tamborilando na nossa consciência?

          Seria mesmo o vento aquilo que anuncia a chuva? Ou seria a chuva uma menina que nasce, saltitando como um passarinho? Seria a Literatura um ninho de avoantes, Lá nas Marinheiras, ou seria a escritura uma rede que nos faz sonhar com A Menina da Chuva?

         Uma luva: eis um pouco daquilo que a palavra enobrece. Eis como se tece a espessura de um livro: um siso, talvez, retirado da boca de um Anjo, ou de um Arcanjo de gestos femininos, tais aqueles que Bruno Paulino projeta para os seus leitores.

         Bruno Paulino, com A Menina da Chuva (Fortaleza: Expressão Gráfica, 2017) usa de tal forma o vocábulo que nos faz cativo do seu texto. Não o leio de supetão; leio-o de sofreguidão e de ternura, alisando uma ostra com os dedos e sentindo gosto do texto literário que a sua palavra reinventa.

          Ponho água benta no bolso e lambo com o rosto a linguagem da sua tessitura. A ternura de Bruno Paulino é uma língua e as suas viagens passam pela prosa, onde uma rosa se põe em cada persona que traceja, e uma bandeja de linho recolhe aí as suas vestes.

         A literatura de Bruno é uma coisa rara que nos traz de volta para a vida. É como se aí existissem a despedida e o regresso, a crosta de um verso ou um cabrito saltitando na neve.
         Bruno Paulino e A Menina da Chuva colaram em minha língua o sêmen de uma ostra e untaram meus dedos de mel e porcelana. Passei uma semana na rede, sentindo uma paixão intensa pela arte.

          E, de parte a parte, enquanto lia o seu texto, um rouxinol cantou para mim uma canção de gesta e de estio. Fez-se um frio morno em minha pele e eu sonhei que estava flutuando nas águas de um rio.

         Senti febre e frio lendo o texto desse grande poeta, desse esteta de coisas impassíveis, como se legíveis fossem os tecidos da sua urdidura polifônica. Resolvi, então, escrever uma crônica para Bruno. E decidi, também, que sou uma Menina que tem uma dúzia de uvas no banheiro.

           A Menina da Chuva é um livro plural e pioneiro. Trata-se de um rosário nas contas de um terço, e de um livro mais claro que escuro. Ouço vozes, às vezes, quando tento esquecer a sua arte. Face a Face, eu compreendo A Menina da Chuva qual um jogo, qual a tela gráfica na boca de um rifle.


           Bruno Paulino é um escritor travesso. Tem um berço, uma louça e um camafeu de prata. Senta-se em cadeiras altas e faz literatura com gosto.

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