Dimas Macedo
Chovemos de alegria quando a palavra
renasce, ou quando o sol se apresenta na nossa janela, anunciado a chegada do
novo. A lua clareia o nosso esquecimento e a chuva nos redime diante da
memória, refletindo em nós a incerteza dos nossos idiomas.
Existiríamos, afinal, se não fosse a força da palavra ou a nossa vontade
de potência? Seríamos o que, se não pudéssemos ouvir o canto de um pássaro ou o
silêncio da chuva, tamborilando na nossa consciência?
Seria mesmo o vento aquilo que anuncia a chuva? Ou seria a chuva uma
menina que nasce, saltitando como um passarinho? Seria a Literatura um ninho de
avoantes, Lá nas Marinheiras, ou
seria a escritura uma rede que nos faz sonhar com A Menina da Chuva?
Uma luva: eis um pouco daquilo que a palavra enobrece. Eis como se tece
a espessura de um livro: um siso, talvez, retirado da boca de um Anjo, ou de um
Arcanjo de gestos femininos, tais aqueles que Bruno Paulino projeta para os seus
leitores.
Bruno Paulino, com A Menina da
Chuva (Fortaleza: Expressão Gráfica, 2017) usa de tal forma o vocábulo que
nos faz cativo do seu texto. Não o leio de supetão; leio-o de sofreguidão e de ternura,
alisando uma ostra com os dedos e sentindo gosto do texto literário que a sua
palavra reinventa.
Ponho água benta no bolso e lambo com o rosto a linguagem da sua
tessitura. A ternura de Bruno Paulino é uma língua e as suas viagens passam
pela prosa, onde uma rosa se põe em cada persona que traceja, e uma bandeja de
linho recolhe aí as suas vestes.
A literatura de Bruno é uma coisa rara que nos traz de volta para a
vida. É como se aí existissem a despedida e o regresso, a crosta de um verso ou
um cabrito saltitando na neve.
Bruno Paulino e A Menina da Chuva colaram em minha
língua o sêmen de uma ostra e untaram meus dedos de mel e porcelana. Passei uma
semana na rede, sentindo uma paixão intensa pela arte.
E, de parte a parte, enquanto lia
o seu texto, um rouxinol cantou para mim uma canção de gesta e de estio. Fez-se
um frio morno em minha pele e eu sonhei que estava flutuando nas águas de um
rio.
Senti febre e frio lendo o texto
desse grande poeta, desse esteta de coisas impassíveis, como se legíveis fossem
os tecidos da sua urdidura polifônica. Resolvi, então, escrever uma crônica
para Bruno. E decidi, também, que sou uma Menina que tem uma dúzia de uvas no
banheiro.
A Menina da Chuva é um livro plural e pioneiro. Trata-se de um
rosário nas contas de um terço, e de um livro mais claro que escuro. Ouço
vozes, às vezes, quando tento esquecer a sua arte. Face a Face, eu compreendo A Menina da Chuva qual um jogo, qual a
tela gráfica na boca de um rifle.
Bruno Paulino é um escritor
travesso. Tem um berço, uma louça e um camafeu de prata. Senta-se em cadeiras
altas e faz literatura com gosto.
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