quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Improbidade Administrativa


                Dimas Macedo

               Jurista Rosaura de Brito Bastos



    Jürgen Habermas, o filósofo por excelência da modernidade, afirma – com bastante propriedade, aliás –, que o esgotamento dos paradigmas, quer no campo da pesquisa doutrinária, quer na área da reflexão sobre os objetos múltiplos do conhecimento, aponta para a crise generalizada que afeta os valores da cultura e da civilização.

    Somente a edificação de novos paradigmas, inclusive no espaço da ética e das convenções do mundo do direito, se bastaria, no caso, a emprestar sentido ao recorte maduro do humano e às suas formas plurais de convivência e de alteridade.

   A ética da discussão e a questão (sempre renovada) da busca da verdade interessariam mais ao campo do direito do que os modelos tradicionais do positivismo e da legislação. A retomada da filosofia (e da filosofia em todos os ramos do direito) como ponto de partida da democracia: eis o que importaria abordar, tanto na hermenêutica jurídica de ordem positiva, quanto nos processos jurídicos em fase de mudança.

   E enquanto a reflexão jurídica, no Brasil, não chega a esse nível de discussão e aprimoramento, urge avaliar os avanços e as estimativas verificadas nos nossos mestrados em Direito, locus privilegiado onde as boas novas são anunciadas, e de onde se espraiam para as livrarias e para o mercado (cada vez mais competitivo) dos operadores do direito.

   Do cerne de um desses Cursos de Mestrado – no caso o Curso de Mestrado em Direito da UFC – é que surge o livro – Improbidade Administrativa – Conteúdo Jurídico e Dimensão Jurisdicional (Belo Horizonte, Editora Fórum, 2004), de Rosaura Bastos, minha aluna fraterna na graduação e, por último, minha colega de Magistério Universitário.

   Louvo, de primeiro, a sua sede de conhecimento, o seu ministério de Procuradora e de Advogada, e a sua postura de professora de Direito Constitucional e Ciência Política; e assinalo, de agora, a oportunidade para recomendar ao leitor o tirocínio jurídico e os vernizes formais e linguísticos que perpassam o conteúdo e a estética da sua produção.

  Com a probidade administrativa um novo universo jurídico definitivamente foi instaurado entre nós, quer pelo fato de que a probidade é exigência inafastável da moralidade, quer pelo fato de que a Constituição é o seu novo parâmetro no campo normativo.

  As normas da moralidade e da probidade administrativas possuem hoje o seu acento constitucional indiscutível. E mais: constituem vetores da Constituição Federal de 1988; e vetores principiológicos de autoridade hermenêutica vinculante, mormente tendo-se presente a questão dos princípios e dos direitos constitucionais deles decorrentes.

  Há de se ponderar, igualmente, que a questão da probidade entende com a eficácia do direito administrativo, uma vez que elege o mérito, o conteúdo e a finalidade do Ato como forma de concretização dos Princípios da Administração. Não é mera exigência legal, tão-somente. É exigência de ordem pública que se imbrica com a qualidade e a eficiência do discurso da Constituição.

   No plano da legislação infraconstitucional, faz-se indispensável que se ponha em destaque a Lei Federal nº 8.429, de 02 de junho de 1992, que disciplina a tutela da improbidade administrativa, tipifica a conduta ímproba dos agentes públicos e assim também as sanções de natureza penal e civil que lhe são correlatas. Constitui, referida lei, um sistema normativo de alcance nacional e de aplicabilidade geral e indistinta, explicitando, a seu turno, como se pode igualmente observar, os casos de responsabilidade disciplinar que importam em dano ao erário e ao patrimônio de ordem oficial.

    A improbidade como delito disciplinar, os tipos disciplinares que configuram enriquecimento ilícito e que causam prejuízo ao erário, os tipos disciplinares que atentam contra os Princípios da Administração, a prescrição dos atos de improbidade e a reparação dos danos cometidos contra os entes estatais: eis a matéria que a Lei Federal em comento elevou ao plano de norma jurídica cogente, com poder de aplicação geral e imediata.

   No início da sua exposição, de forma muito inteligente, a autora aborda os princípios constitucionais que regem o desenho da matéria, no caso os princípios da Moralidade, da Legalidade, da Impessoalidade, da Publicidade e da Eficiência, revelando-nos a importância desses princípios para a abordagem do texto legal mencionado, e para a compreensão segura da doutrina que lhe é consequente.  

   Em seguida, discorre a Professora Rosaura sobre os mais diversos sistemas de controle que regem a eficácia da probidade administrativa, enfocando os controles de natureza interna e externa e os seus desdobramentos na área do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, pondo em destaque o controle da atividade discricionária e o controle dos atos políticos nos chamados crimes de responsabilidade.

   Já no pertinente à Lei 8.429, de 02 de junho de 1992, a autora lhe empresta, neste ponto, um tratamento jurídico respeitoso e uma exegese normativa excelente, analisando, ademais, todos os aspectos possíveis que remarcam as dimensões subjetivas e objetivas do problema.

            A aferição da bibliografia, a meticulosidade da pesquisa, o domínio dos conceitos e a hermenêutica da legislação e da jurisprudência, que cercam o conhecimento do assunto, fazem desse livro um dos melhores textos que, no Brasil, se editaram sobre o assunto; e fazem da sua autora também uma das nossas juristas mais argutas, quer pelos conhecimentos que veicula, quer pelo trato que dá ao seu objeto de pesquisa.

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