Dimas Macedo
Escultura de Ana Costalima
A
arte, diferentemente de outras formas de intervenção, tem o dom de restaurar os
sentidos essenciais da existência. A arte movimenta a vida antes de constituir
o registro do seu cotidiano mais afortunado.
A literatura, forma refinada de
convivência com a imagem e a palavra, faz-se comumente com a matéria-prima da
linguagem, exigindo de quem a empreende intuição e intelecção.
Sem a transfiguração do real, a
prosa de ficção nada representa; e, sem um mergulho nas formas superiores do
conhecimento, nada pode um novelista aspirar a não ser uma atitude criativa
vazia de significado.
A longa ficção constitui uma
imersão no tempo em que o romancista movimenta em sua objetiva. Se isto não
acontecer, o significado do romance será bem menor do que aquilo que esperamos
de cientistas sociais e historiadores.
No romance de estreia de André Lopez – As Areias Cantantes do Rio (Fortaleza,
Edições Poetaria) –, o drama social de uma geração revela-se a partir da
consciência de seus agentes pastorais e do sentimento de justiça que orienta a
sua militância.
Lopez situa a sua trama novelesca
(ou romanesca) no bojo da efervescência política do início da década de 1980. E
o argumento que conduz a sua narrativa prende-se à onda de assassinatos de
advogados por parte de grileiros e proprietários inescrupulosos, mancomunados
com os agentes do grande capital e com o beneplácito do Judiciário.
Ariré Ramalho, uma espécie de alter ego do autor, personifica o
ideário do jovem advogado que, designado pela OAB, representa o clamor da
família e da sociedade contra a violência do braço armado de latifundiários que
atentaram contra a vida de Ariestóbulo Cabral, militante dos Direitos Humanos.
A investigação do assassinato
conta com o apoio dos movimentos pastorais da Igreja Católica e das Comunidades
Eclesiais de Base e com as anotações do diário do advogado injustamente
vitimado.
A questão fundiária do Nordeste,
e especialmente a do Ceará, e o seu monitoramento a partir de sua conexão com
as forças de poder dos grandes proprietários estabelecidos nas entranhas da
Amazônia Legal, constituem o pano de fundo das denúncias formuladas pelo autor,
ao lado dos elementos pertinentes à trama e ao desfecho bem arquitetado do
enredo.
O romance de André Lopez convence
pela sua dimensão alegórica, que se instaura para além da tragédia que o enredo
documenta. A segunda parte do romance é dedicada a essa forma madura de
reconstrução e ancoragem das intenções do autor.
Elementos da antropologia
indígena e da semântica literária, pertinentes ao universo da fabulação, dão ao
romance de André Lopez um colorido todo especial. Mas o que remarca a unidade
do romance é o fecho da narrativa. Por sobre a tragédia da questão indígena e
fundiária e por sobre a luta em busca da justiça e da dignidade, firma-se a
política da emoção e do sentimento, com o triunfo da sensibilidade sobre os
imperativos da tirania e da coação.
Músico de gosto estético
refinado, advogado e procurador autárquico de renome, com marcante atuação no
campo do direito agrário e, acima de tudo, professor universitário e militante
político a quem muito devem os movimentos sociais e eclesiais do Ceará a partir
dos anos oitenta – fase madura e decisiva da sua militância –, André Lopez tudo
tinha para remarcar, com fervor e com indiscutível proveito, a sua estreia na
literatura.
Não pretendo roubar ao leitor o
prazer (e o direito) de mergulhar no texto do romance sem os anteparos e as
orientações (às vezes duvidosas) da apresentação. Não posso, no entanto, deixar
de recomendar a sua leitura, os acertos da sua pontuação estilística e a forma
particularíssima da linguagem com que o autor escreveu a sua narrativa.
É incrível como qualquer tipo de arte( literatura,dança, pinturas) conseguem expressar tão bem o que a alma de cada um sente, talvez seja o melhor caminho para liberar as agonias do ser humano. Por isso aprecio quem consegue colocar em palavras qualquer tipo de sentimento, acredito que de todas as artes seja a mais difícil, pois talvez, quase com certeza, não exista palavras suficientes para descrever algo que se sente. André Lopez em seu livro, As Areias Cantantes do Rio, deve conseguir fazer uma critica social e ainda criar uma trama que prenda o leitor, e faça ele desejar devorar cada página do romance. E isso é importantíssimo, principalmente nos dias atuais, na qual as pessoas se acostumaram a ler cada vez menos. Percebo como é mais difícil encontrar crianças se divertindo em livrarias e se sentindo completas por terem adquirido novas páginas para sonhar.
ResponderExcluirDefinitivamente, pela sinopse que foi exposta aqui, colocarei o nome da obra na minha lista de livros para ler, creio que será um experiencia válida e gratificante.
Talitha Nóbrega, gratíssimo pelo seu comentário acerca da minha resenha. Vale a pena, sim, ler esse belo romance do André Lopez. Forte abraço.
ExcluirDimas Macedo
O que seria de nós sem a arte? Especialmente: o que seria de nós sem a literatura? Escrever é um dos meios pelo qual o homem se renova, se inventa, se descobre. A literatura é o portal para a análise social. A sociedade se vê e se reconhece nos livros, os momentos históricos, as diversas formas de comportamento, os arquétipos sociais todos estão espelhados e bem desenvolvidos nas tramas dos escritores brasileiros. Muito importante se mostra esse incentivo à leitura que este blog trás em seu bojo.
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