Aparentemente sem consciência do fenômeno
literário, Mário Gomes foi, entretanto, o mais espontâneo poeta que conheci,
uma vez que soube manejar as suas emoções com fluidez e sensibilidade,
encantando-nos com a sua poesia perdidamente terna e surreal.
O seu primeiro livro de poemas (Lamentos do Ego, 1981) esgotou-se pouco
tempo depois de editado, ainda que a sua distribuição tenha sido feita de forma
marginal. Mas o certo é que Mário Gomes passou a divulgar os seus escritos de
uma forma ainda mais alternativa, pedindo-me, certa feita, que sobre eles eu
manifestasse a minha opinião.
Expressei, então, que nada poderia
acrescentar à compreensão e análise de sua tessitura poética que, em verdade,
constitui algo de inusitado, sendo Mário Gomes, por isto mesmo, um poeta
inventivo e dimensional. Dimensional porque, possuindo o dom de criar, não
aceitou submeter-se às exigências da pesquisa estética ou filiar-se a qualquer
escola literária.
Assumindo-se poeta, buscou, antes de tudo,
realizar a poesia que lhe foi sendo ditada pela inspiração, sem se aperceber,
contudo, que o fabrico do poema está constantemente a exigir experimentos e
reinvenções.
Em Resquícios
de Uma Paisagem da Vida (Fortaleza: Artegráfica, 1988) não é possível negar
que Mário Gomes não tenha revelado uma poesia grave, espontânea, trágica e
contundente, assim como parecem ser os mecanismos da própria existência.
Daí a minha admiração pela sua arte, pela
sua poesia que, embora portadora de certos defeitos formais, é a mais criativa
e absurda de quantas afloraram na literatura cearense da sua geração.
Resquícios de Uma Paisagem da Vida me parece ser um livro perdidamente marginal, porém marginal, talvez, porque em contraposição às
posturas poéticas tradicionais e aos níveis de submissão e paralisia social que
elas representam.
Mário Gomes e as suas desventuras de poeta
sempre reclamaram um biógrafo à altura da sua trajetória. Em Mário Gomes: Herói, Santo e Bandido (5ª
ed. Lisboa: Aldeiabook, 2015), Márcio Catunda paga um imenso tributo à memória
desse grande poeta cearense, registrando em livro a vida e a autenticidade do
Poeta da Praça do Ferreira.
Márcio Catunda mostra-nos que
Mário Gomes não morreu, que é rica a sua tradição e que o Ceará vai continuar
se alimentando da sua memória e da sua vida aventurosa e errante, porque viva
para todos nós a claridade da sua criação e o rito dissoluto da sua verdade de
Poeta.
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