segunda-feira, 15 de agosto de 2016

A Fideralina de Jussara Germano



             Dimas Macedo


Jussara Germano - Qual é a relação de Fideralina Augusto na constituição da sociedade lavrense? E quais aspectos ela significou à sua sociedade?

Dimas Macedo – A relação de Dona Fideralina Augusto com a sociedade lavrense é visceral e representa a afirmação e a arrancada definitiva da vila e, depois, da cidade de Lavras para a sua inserção no quadro da cultura nordestina. Desde os seus primórdios, o seu bisavô, Francisco Xavier Ângelo Sobreira, os seus tios-vós e o seu avô materno, Manoel Rodrigues da Silva, se fizeram baluartes da emancipação política do município de Lavras, e tomaram partido nas lutas pela Independência no Ceará. Também o seu pai, o tenente-coronel João Carlos Augusto, e o seu marido, o major Ildefonso Correia Lima, contribuíram, de forma irreversível, com esses atos de constituição e de crescimento de Lavras da Mangabeira. A ela coube o papel de continuadora dessa tradição, mas é sob a sua égide que a vila de Lavras alcança o seu status de cidade e o apogeu do seu sistema político, baseado em uma oligarquia que ela comandou com pulso de ferro, cuidando da educação dos seus filhos e administrando, com rara competência, o seu patrimônio político. Dona Fideralina não foi apenas uma líder política extraordinária, mas uma latifundiária e uma empresária de grande visão.

Jussara - Fideralina viveu em uma época onde as mulheres não tinham tanta participação social, o que você diria que possibilitou a ela o espaço na política, economia e administração?
Dimas – Na vila de São Vicente das Lavras a educação formal do sexo feminino somente foi permitida em 1856, quando Fideralina Augusto tinha vinte e quatro anos, já era casada e mãe de vários filhos. É interessante observar que ela ficou viúva ainda jovem e que cuidou com esmero da educação dos seus filhos. Tudo, na sua época, funcionava contra as aspirações e os direitos da mulher. Ela, no entanto, soube furar esse bloqueio e firmar a sua personalidade. Nesse sentido, ela foi uma pioneira. E uma pioneira ainda mal estudada, mal interpretada, diluída entre fantasias e histórias que falam de um mito, mas que não se voltam para a sua vida real. Daí me parecer oportuno o estudo da sua época e da sua personalidade no âmbito da vida acadêmica, com os recursos da pesquisa de ordem científica. 
 
Jussara - Sendo mulher de decisões firmes, Fideralina possibilitou aos lavrenses e às demais pessoas a criação de uma memória sobre a sua personalidade enquanto figura pública e mulher. Diante de tantas pesquisas e da vivência lavrense, o que possibilitou a criação desta memória? Qual é a memória que prevalece sobre Fideralina Augusto Lima em Lavras da Mangabeira Ceará?

Dimas – A disputa de memória em torno de Dona Fideralina Augusto está ainda começando. O que se firmou, até agora, foi unicamente o mito e a fantasia, apesar dos estudos de Joaryvar Macedo e das minhas contribuições. O roteiro biográfico de Rejane Augusto (A Vocação Política da Fideralina Augusto Lima, 1990) e a biografia de Melquíades Pinto Paiva (Uma Matriarca do Sertão – Fideralina Augusto Lima, 2008) são ainda embrionários e estes autores são seus descendentes diretos, isto é, trazem dos seus ancestrais os fulgores da herança e a força da tradição familiar. Esse ciclo precisa ser rompido. É o que pretendo fazer nos próximos anos, com a publicação de um livro definitivo sobre essa ilustre matrona. Um livro contextualizado, que tem como marcos os anos de 1773 (quando ocorre o matrimônio do bisavô materno de Fideralina, na Igreja Matriz do Icó) e 1923 (data em que se verifica o assassinato do Coronel Gustavo, última representação de Dona Fideralina, no centro comercial de Fortaleza). Um ensaio escrito com as luzes da Ciência Política e da Sociologia Política, mas que paga tributo à Historiografia e à verificação apodítica dos documentos e dos fatos protagonizados por Fideralina Augusto e pelos seus descendentes, na época em que ele atuou como soberana e como rainha sem coroa.

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