Jussara
Germano - Qual é a relação de Fideralina Augusto na constituição da
sociedade lavrense? E quais aspectos ela significou à sua sociedade?
Dimas
Macedo – A relação de Dona Fideralina Augusto com a
sociedade lavrense é visceral e representa a afirmação e a arrancada definitiva
da vila e, depois, da cidade de Lavras para a sua inserção no quadro da cultura
nordestina. Desde os seus primórdios, o seu bisavô, Francisco Xavier Ângelo
Sobreira, os seus tios-vós e o seu avô materno, Manoel Rodrigues da Silva, se
fizeram baluartes da emancipação política do município de Lavras, e tomaram
partido nas lutas pela Independência no Ceará. Também o seu pai, o
tenente-coronel João Carlos Augusto, e o seu marido, o major Ildefonso Correia
Lima, contribuíram, de forma irreversível, com esses atos de constituição e de
crescimento de Lavras da Mangabeira. A ela coube o papel de continuadora dessa
tradição, mas é sob a sua égide que a vila de Lavras alcança o seu status de cidade e o apogeu do seu
sistema político, baseado em uma oligarquia que ela comandou com pulso de
ferro, cuidando da educação dos seus filhos e administrando, com rara
competência, o seu patrimônio político. Dona Fideralina não foi apenas uma
líder política extraordinária, mas uma latifundiária e uma empresária de grande
visão.
Jussara
- Fideralina viveu em uma época onde as mulheres não tinham tanta participação
social, o que você diria que possibilitou a ela o espaço na política, economia
e administração?
Dimas
– Na vila de São Vicente das Lavras a educação formal do sexo feminino somente
foi permitida em 1856, quando Fideralina Augusto tinha vinte e quatro anos, já
era casada e mãe de vários filhos. É interessante observar que ela ficou viúva
ainda jovem e que cuidou com esmero da educação dos seus filhos. Tudo, na sua
época, funcionava contra as aspirações e os direitos da mulher. Ela, no
entanto, soube furar esse bloqueio e firmar a sua personalidade. Nesse sentido,
ela foi uma pioneira. E uma pioneira ainda mal estudada, mal interpretada,
diluída entre fantasias e histórias que falam de um mito, mas que não se voltam
para a sua vida real. Daí me parecer oportuno o estudo da sua época e da sua
personalidade no âmbito da vida acadêmica, com os recursos da pesquisa de ordem
científica.
Jussara
-
Sendo mulher de decisões firmes, Fideralina possibilitou aos lavrenses e às
demais pessoas a criação de uma memória sobre a sua personalidade enquanto
figura pública e mulher. Diante de tantas pesquisas e da vivência lavrense, o
que possibilitou a criação desta memória? Qual é a memória que prevalece sobre
Fideralina Augusto Lima em Lavras da Mangabeira Ceará?
Dimas
– A disputa de memória em torno de Dona Fideralina Augusto está ainda
começando. O que se firmou, até agora, foi unicamente o mito e a fantasia,
apesar dos estudos de Joaryvar Macedo e das minhas contribuições. O roteiro
biográfico de Rejane Augusto (A Vocação
Política da Fideralina Augusto Lima, 1990) e a biografia de Melquíades
Pinto Paiva (Uma Matriarca do Sertão –
Fideralina Augusto Lima, 2008) são ainda embrionários e estes autores são
seus descendentes diretos, isto é, trazem dos seus ancestrais os fulgores da
herança e a força da tradição familiar. Esse ciclo precisa ser rompido. É o que
pretendo fazer nos próximos anos, com a publicação de um livro definitivo sobre
essa ilustre matrona. Um livro contextualizado, que tem como marcos os anos de
1773 (quando ocorre o matrimônio do bisavô materno de Fideralina, na Igreja
Matriz do Icó) e 1923 (data em que se verifica o assassinato do Coronel
Gustavo, última representação de Dona Fideralina, no centro comercial de
Fortaleza). Um ensaio escrito com as luzes da Ciência Política e da Sociologia
Política, mas que paga tributo à Historiografia e à verificação apodítica dos
documentos e dos fatos protagonizados por Fideralina Augusto e pelos seus
descendentes, na época em que ele atuou como soberana e como rainha sem coroa.
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