domingo, 14 de agosto de 2016

A Bagaceira - Um Clássico da Nossa Ficção


         Dimas Macedo
             

          É sempre com alegria que retomo, de tempos em tempos, a leitura dos clássicos da literatura nacional, flutuando as minhas preferências ao sabor dos encantos com que descubro edições críticas ou fac-similares de livros consagrados pelo público ou aprovados pelo rigor metodológico da crítica.

          A vigésima segunda edição do romance A Bagaceira, de José Américo de Almeida (Rio: José Olímpio, 1985), que traz ilustrações de Poty e estudo crítico de M. Cavalcanti Proença, é bem um exemplo, tipicamente brasileiro, de livro que tem resistido à voragem do tempo e às circunstâncias eliminatórias da durabilidade e da tradição.

         Publicado, pela primeira vez, em 1928, A Bagaceira passaria para a nossa história literária como um dos momentos mais lúcidos da sua maturação, abrindo perspectiva nos processos de crise e de tragédia em que se encontrava hibernado o romance nacional, a ponto de renovar, inclusive, a elaboração estética que a literatura das secas havia instaurado entre nós.

         Ostentando uma trama simples e comovente, sem maiores complexidades psicológicas ou de natureza linear, esse romance de José Américo de Almeida empolga, principalmente, pela profusão de uma linguagem aliciante e metafórica, exibida como condição de denúncia dos cenários que o autor busca interpretar, tendo em vista a nossa estrutura social.

         O sentido possessivo e indominável da personalidade de Dagoberto; os conflitos que modelam a compreensão das diferenças experimentados por Lúcio Marçau; o instinto libidinoso e erótico, sempre palpitante e aceso no espírito e no corpo de Soledade; os valores referentes à reparação da honra ultrajada, vivenciada pela revolta de Valentim; o desejo de satisfação sensual permanentemente reprimido nas cogitações sexuais e afetivas de Pirunga; e a condição de subproduto social divisada na expressão submissa de Xinane – são situações que, incontestavelmente, emprestam ao romance de José Américo de Almeida uma envolvente beleza polissêmica e uma aliciante grandeza literal.

          O livro, todo ele costurado por uma simbologia sensorial e sugestiva, trescala como que o aroma da poesia brejeira e o perfume estonteante da simplicidade das coisas do sertão. 

           Em A Bagaceira, cada assunto aflorado na tessitura discursiva, recebe do autor um tratamento todo especial, quer seja de natureza estética ou estilística, quer seja de valorização da linguagem ou do conteúdo paisagístico vividos pelos seus personagens principais.

           Trata-se, pois, de um livro cuja leitura hoje mais do que nunca se impõe. Desfrutar aquilo que se esconde por trás da expressão dessa obra de José Américo de Almeida é vivenciar um exercício de admiração. Mais do isso: é penetrar num universo que somente os obstinados pela sugestão da arte literária sabem compreender e, integralmente, problematizar.
                                                          
                                        In Ossos do Oficio (Fortaleza: Editora Oficina, 1922)

Nenhum comentário:

Postar um comentário