Rumem Stoyanov
Em 1859, o Tsarigradski Vestnik (Jornal de
Tsarigrad, ou seja, Constantinopla) publica a novela curta Imigração ao
Brasil. O autor, cujo nome hoje ignoramos, narra as peripécias de uma
família camponesa que, por causa duma seca, vê-se obrigada a vender sua terra e
ir ao Brasil. Assim, com aqueles 18 folhetins, traduzidos por Mikhail Zafirove
Iossif Dainelov, inicia-se a temática brasileira em língua búlgara. É o começo
da brasilística búlgara. Devido ao reduzido espaço destas linhas não cabe
explicar por que o primeiro livro brasileiro editado na Bulgária data apenas de
1938: Dona Paula, contendo contos
de Machado de Assis e Artur Azevedo, trazidos por Krum Iordanoav, provavelmente
via francês.
A
poesia brasileira estreia ainda mais tarde: 1962. Naquele ano o semanário Literaturen
Front, órgão da União dos
Escritores Búlgaros, no seu número 12, inclui versos de Ribeiro Couto e
Drummond de Andrade, junto ao artigo “A poesia Contemporânea Brasileira”,
assinado por Caetano da Silva. Os textos foram vertidos por Gueorgui Mitskov,
através do francês. Porém já são dezenas os livros brasileiros em búlgaro, a
partir de 1955, trabalhados diretamente do português.
Nesta
crescente presença literária do Brasil na Bulgária, o Nordeste tem seu lugar
cada vez de maior destaque, tanto na prosa como na poesia. Os dados existentes
permitem e exigem uma pesquisa detalhada sobre a presença do Nordeste na Bulgária. Nesta
oportunidade, limito-me apenas a mencionar nomes e fatos, sem entrar em
interpretações e conclusões.
Jorge
Amado é o pioneiro das letras nordestinas na Bulgária. Em 1948, o diário Izgrev
publica Terras do Sem Fim, em 82 números, com o título O Direito
do Forte. A tradução, do inglês, pertence a Sider Florin. O romance
reaparece com outro nome, Cacau e Sangue, no ano seguinte.
Curiosamente houve outra versão (1956), desta vez por Jeliaz Tsvetanov, também
através do inglês. Desde 1948, temos numerosos textos de Jorge Amado, inclusive
O Cavaleiro da Esperança, a biografia de Luis Carlos Prestes. Atualmente
o baiano está sendo reeditado. Durante decênios Jorge Amado foi o principal
representante das letras brasileiras na Bulgária, a tal ponto que houve um
período no qual a quantidade de seus livros superava o resto dos brasileiros e
ainda hoje ele é o campeão da literatura brasileira entre os búlgaros.
Josué
de Castro chegou a ser Presidente do Conselho da Organização da Alimentação e
Agricultura da ONU. Talvez isto, contribuiu para a edição do seu impressionante
trabalho sociológico: Geopolítica da Fome, cuja tradução ao búlgaro data
de 1956, sendo tradutor Todor Neikov.
De
1963 é o romance O Sol do
Meio-Dia, que pertence à pena de Alina Paim, sendo tradutor Todor Tsenkov.
Surpreende que naqueles tempos de lenta e difícil comunicação tenha aparecido
apenas dois anos mais tarde que o original.
Em
1969 sai Vidas Secas de Graciliano Ramos, traduzido por Rumen Stoyanov,
com um breve posfácio deste. Numa antologia e na imprensa há três contos de
Ramos, devidos ao mesmo brasilista: “História de um Bode”, “Uma Canoa Furada” e
“A Espingarda de Alexandre”.
A
prestigiosa editora Narodna Cultura (Cultura Popular) lança em 1968 a antologia
Poesia Latinoamericana. Os tradutores Alexandre Muratov e Atanas
Daltchev escolheram oito brasileiros: Manuel Bandeira, Mário de Andrade,
Joaquim Cardoso, Murilo Mendes, Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Vinícius
de Moraes, Ferreira Goulart. Das 30 peças, 11 pertencem a Bandeira, mais de um
terço. E se acrescentamos os de Cardoso (três), veremos que quase a metade dos
títulos é de nordestinos.
Em
búlgaro temos textos de Câmara Cascudo, que Rumen Stoyanov traduziu de História
de Nossos Gestos, e uma revista para cegos os imprimiu em braile. Mas um
dos brasileiros mais conhecidos mediante contos avulsos é Osman Lins.
Poetisa
e pintora, nascida em Maranhão, Josélia Costandrade visitou a Bulgária com
meninos brasileiros que participaram da Assembleia Mundial da Paz e assim
nasceram três poemas relativos ao país balcânico.
Em
1989, foi traduzido Norte das Águas, coletânea de narrativas (tradutores
Gueorgui Alexandrov e Margarita Drenska) e versos (Gueorgui Belev) de José
Sarney, com reproduções de quadros dele, com o título de Curso das Águas.
O
ano 1996 deixa mais um livro brasileiro: Solo Para Quinze Vozes (seleção,
tradução, prólogo e notas Rumen Stoyanov). Delas quatro vieram de nordestinas:
Manuel Bandeira (5 trabalhos), Ledo Ivo (2), Jorge de Lima (1), Odilo Costa
Filho (7), Ferreira Goulart (4). Quer dizer, dos 62 poemas 19 são de
nordestinos.
O
teatro Sava Dobroplodni, na cidade de Silistra, à beira do Danúbio, em 2005
incluiu no seu repertório o Auto da Compadecida de Ariano Suassuna,
traduzido (do alemão) por Stefan Staitchev, que é o diretor da encenação.
A
partir de 1992, na Universidade de Sófia São Clemente de Ojrida, funciona um
curso de graduação em filologia portuguesa. O titular é Rumen Stoyanov. Os
alunos obrigatoriamente estudam, durante dois semestres, letras brasileiras.
Nele são tratadas as obras de Lins do Rego, como integrante do regionalismo.
Naturalmente, comentam-se também Graciliano Ramos, Jorge Amado, Os Sertões de
Euclides da Cunha. Outro curso de Stoyanov, sobre relações culturais
búlgaro-brasileiras, contém numerosas referências a livros relacionados com o
Nordeste.
O
cearense Márcio Catunda é, de longe, o poeta nordestino mais divulgado na
Bulgária, pois viveu nela durante anos, até 2000, como diplomata. De 1999 ficou
À Sombra das Horas, bilíngue. Rumen Stoyanov realizou a escolha dos 33
títulos, tomados de 6 coletâneas, a versão dos originais em português e
espanhol e fez o prólogo àquelas páginas. Na segunda capa, lê-se um fragmento
duma resenha de Francisco Carvalho sobre o autor. Em 2000 encontramos 73 peças
intituladas London Gardens And Other Journeys vertidas ao inglês pela
búlgara Donka Mangatcheva e pelo autor. Naquele ano, tão fértil editorialmente
para Catunda e a poesia nordestina na Bulgária, vemos ainda Crescente, CD
e livro, contendo 14 canções na voz de Juliana Areias, as letras de Márcio
Catunda, ao igual que algumas das músicas. O incansável Márcio produziu mais um
CD, Noites Claras, e agora foram 16 letras e músicas dele, cantadas por
Stefka Onikian e Mitko Onikian.
Começando
em 2003, a Embaixada Brasileira em Sófia vem apoiando edições de livros
bilíngues. Abre a série Sete Contos Brasileiros. A seleção, introdução e
notas sobre os autores são do Embaixador José Augusto Lindgren Alves. O
Nordeste está representado por Clarice Lispector com “Feliz Aniversário”.
Coloco-a aqui porque a escritora viveu a infância em Alagoas e Pernambuco e deu
os primeiros passos literários no Nordeste. A tradutora foi Iordanka do
Nascimento.
Dois
anos mais tarde temos Outros Contos Brasileiros, igualmente escolhidos,
prefaciados e anotados por Lindgren Alves. Desta vez os narradores são doze,
traduzidos por Vera Kirkova. Rachei de Queiroz figura com “Tangeriene-Girl”.
Novamente
com a ajuda da Embaixada, é publicada a antologia Poesia Contemporânea
Brasileira (2006), selecionada
por Lindgren Alves, Flora Kleiman e Rumen Stoyanov, que fez a tradução e um dos
prefácios; o outro é de Lindgren
Alves. Entre os doze escolhidos, dois são nordestinos: Manuel Bandeira, que
abre a lista, e João Cabral de Melo Neto, respetivamente, com 9 e 5 textos.
Maria
da Guia Silva Lima, cearense, professora aposentada da UFC, casada com o
búlgaro Zahari Krivochiev, escreveu a nota “O Ciclo Brasileiro de Elissaveta
Bagriana” e traduziu os poemas dessa poetisa: “Whisky com Gelo e Lágrimas” e
“Punhado de Neve”, dedicados a Pedro Rousseff, pai da Presidenta Dilma (Rio de Janeiro, 2011). E aqui paro este
brevíssimo resumo das letras nordestinas na Bulgária.
Graças
à iniciativa da Universidade Federal
do Ceará, o presente livro – Poemas do
Nordeste, de Dimas Macedo e Francisco Carvalho, sai com o selo da
Universidade de Sófia, em 2012. Ela foi fundada em 1888 e leva o nome de São
Clemente de Ojrid (840-916), razão pela qual o rastro dele figura no logo. O
santo foi o discípulo mais importante de São Cirilo e São Metódio, criadores da
escrita glagolítica (glagolati significa falar), tradutores (do grego ao
búlgaro) da Bíblia e de escritores. Os dois irmãos e monges, junto com São
Benedito, foram proclamados pelo Vaticano Padroeiros Celestes da Europa. São
Clemente é um dos escritores de maior relevo na literatura búlgara antiga (ela
nasce em 852) e personagem central na difusão do cristianismo na Bulgária e
também entre os demais povos eslavos. A segunda escrita búlgara, chamada de
cirílica, em homenagem a São Cirilo, é atribuída pela paleoeslavística à
autoria de São Clemente de Ojrid.
Com
Poemas do Nordeste, quer dizer, com
os versos de Dimas Macedo e Francisco Carvalho, a literatura do Nordeste dá um
passo diferente na Bulgária, já que pela primeira vez trata-se duma colaboração
entre duas universidades. Tomara que ele seja o início dum labor sistemático e
mutuamente proveitoso.
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