quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Um Olhar Para o Nordeste Desde a Bulgária


           Rumem Stoyanov


 Em 1859, o Tsarigradski Vestnik (Jornal de Tsarigrad, ou seja, Constantinopla) publica a novela curta Imigração ao Brasil. O autor, cujo nome hoje ignoramos, narra as peripécias de uma família camponesa que, por causa duma seca, vê-se obrigada a vender sua terra e ir ao Brasil. Assim, com aqueles 18 folhetins, traduzidos por Mikhail Zafirove Iossif Dainelov, inicia-se a temática brasileira em língua búlgara. É o começo da brasilística búlgara. Devido ao reduzido espaço destas linhas não cabe explicar por que o primeiro livro brasileiro editado na Bulgária data apenas de 1938: Dona Paula, contendo contos de Machado de Assis e Artur Azevedo, trazidos por Krum Iordanoav, provavelmente via francês. 

A poesia brasileira estreia ainda mais tarde: 1962. Naquele ano o semanário Literaturen Front, órgão da União dos Escritores Búlgaros, no seu número 12, inclui versos de Ribeiro Couto e Drummond de Andrade, junto ao artigo “A poesia Contemporânea Brasileira”, assinado por Caetano da Silva. Os textos foram vertidos por Gueorgui Mitskov, através do francês. Porém já são dezenas os livros brasileiros em búlgaro, a partir de 1955, trabalhados diretamente do português. 

Nesta crescente presença literária do Brasil na Bulgária, o Nordeste tem seu lugar cada vez de maior destaque, tanto na prosa como na poesia. Os dados existentes permitem e exigem uma pesquisa detalhada sobre a presença do Nordeste na Bulgária. Nesta oportunidade, limito-me apenas a mencionar nomes e fatos, sem entrar em interpretações e conclusões. 

Jorge Amado é o pioneiro das letras nordestinas na Bulgária. Em 1948, o diário Izgrev publica Terras do Sem Fim, em 82 números, com o título O Direito do Forte. A tradução, do inglês, pertence a Sider Florin. O romance reaparece com outro nome, Cacau e Sangue, no ano seguinte. Curiosamente houve outra versão (1956), desta vez por Jeliaz Tsvetanov, também através do inglês. Desde 1948, temos numerosos textos de Jorge Amado, inclusive O Cavaleiro da Esperança, a biografia de Luis Carlos Prestes. Atualmente o baiano está sendo reeditado. Durante decênios Jorge Amado foi o principal representante das letras brasileiras na Bulgária, a tal ponto que houve um período no qual a quantidade de seus livros superava o resto dos brasileiros e ainda hoje ele é o campeão da literatura brasileira entre os búlgaros. 

Josué de Castro chegou a ser Presidente do Conselho da Organização da Alimentação e Agricultura da ONU. Talvez isto, contribuiu para a edição do seu impressionante trabalho sociológico: Geopolítica da Fome, cuja tradução ao búlgaro data de 1956, sendo tradutor Todor Neikov. 

De 1963 é o romance O Sol do Meio-Dia, que pertence à pena de Alina Paim, sendo tradutor Todor Tsenkov. Surpreende que naqueles tempos de lenta e difícil comunicação tenha aparecido apenas dois anos mais tarde que o original. 

Em 1969 sai Vidas Secas de Graciliano Ramos, traduzido por Rumen Stoyanov, com um breve posfácio deste. Numa antologia e na imprensa há três contos de Ramos, devidos ao mesmo brasilista: “História de um Bode”, “Uma Canoa Furada” e “A Espingarda de Alexandre”.                                                                                                  
A prestigiosa editora Narodna Cultura (Cultura Popular) lança em 1968 a antologia Poesia Latinoamericana. Os tradutores Alexandre Muratov e Atanas Daltchev escolheram oito brasileiros: Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Joaquim Cardoso, Murilo Mendes, Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, Ferreira Goulart. Das 30 peças, 11 pertencem a Bandeira, mais de um terço. E se acrescentamos os de Cardoso (três), veremos que quase a metade dos títulos é de nordestinos. 

Em búlgaro temos textos de Câmara Cascudo, que Rumen Stoyanov traduziu de História de Nossos Gestos, e uma revista para cegos os imprimiu em braile. Mas um dos brasileiros mais conhecidos mediante contos avulsos é Osman Lins. 

Poetisa e pintora, nascida em Maranhão, Josélia Costandrade visitou a Bulgária com meninos brasileiros que participaram da Assembleia Mundial da Paz e assim nasceram três poemas relativos ao país balcânico.
Em 1989, foi traduzido Norte das Águas, coletânea de narrativas (tradutores Gueorgui Alexandrov e Margarita Drenska) e versos (Gueorgui Belev) de José Sarney, com reproduções de quadros dele, com o título de Curso das Águas. 

O ano 1996 deixa mais um livro brasileiro: Solo Para Quinze Vozes (seleção, tradução, prólogo e notas Rumen Stoyanov). Delas quatro vieram de nordestinas: Manuel Bandeira (5 trabalhos), Ledo Ivo (2), Jorge de Lima (1), Odilo Costa Filho (7), Ferreira Goulart (4). Quer dizer, dos 62 poemas 19 são de nordestinos. 

O teatro Sava Dobroplodni, na cidade de Silistra, à beira do Danúbio, em 2005 incluiu no seu repertório o Auto da Compadecida de Ariano Suassuna, traduzido (do alemão) por Stefan Staitchev, que é o diretor da encenação. 

A partir de 1992, na Universidade de Sófia São Clemente de Ojrida, funciona um curso de graduação em filologia portuguesa. O titular é Rumen Stoyanov. Os alunos obrigatoriamente estudam, durante dois semestres, letras brasileiras. Nele são tratadas as obras de Lins do Rego, como integrante do regionalismo. Naturalmente, comentam-se também Graciliano Ramos, Jorge Amado, Os Sertões de Euclides da Cunha. Outro curso de Stoyanov, sobre relações culturais búlgaro-brasileiras, contém numerosas referências a livros relacionados com o Nordeste. 

O cearense Márcio Catunda é, de longe, o poeta nordestino mais divulgado na Bulgária, pois viveu nela durante anos, até 2000, como diplomata. De 1999 ficou À Sombra das Horas, bilíngue. Rumen Stoyanov realizou a escolha dos 33 títulos, tomados de 6 coletâneas, a versão dos originais em português e espanhol e fez o prólogo àquelas páginas. Na segunda capa, lê-se um fragmento duma resenha de Francisco Carvalho sobre o autor. Em 2000 encontramos 73 peças intituladas London Gardens And Other Journeys vertidas ao inglês pela búlgara Donka Mangatcheva e pelo autor. Naquele ano, tão fértil editorialmente para Catunda e a poesia nordestina na Bulgária, vemos ainda Crescente, CD e livro, contendo 14 canções na voz de Juliana Areias, as letras de Márcio Catunda, ao igual que algumas das músicas. O incansável Márcio produziu mais um CD, Noites Claras, e agora foram 16 letras e músicas dele, cantadas por Stefka Onikian e Mitko Onikian. 

Começando em 2003, a Embaixada Brasileira em Sófia vem apoiando edições de livros bilíngues. Abre a série Sete Contos Brasileiros. A seleção, introdução e notas sobre os autores são do Embaixador José Augusto Lindgren Alves. O Nordeste está representado por Clarice Lispector com “Feliz Aniversário”. Coloco-a aqui porque a escritora viveu a infância em Alagoas e Pernambuco e deu os primeiros passos literários no Nordeste. A tradutora foi Iordanka do Nascimento. 

Dois anos mais tarde temos Outros Contos Brasileiros, igualmente escolhidos, prefaciados e anotados por Lindgren Alves. Desta vez os narradores são doze, traduzidos por Vera Kirkova. Rachei de Queiroz figura com “Tangeriene-Girl”. 

Novamente com a ajuda da Embaixada, é publicada a antologia Poesia Contemporânea Brasileira (2006), selecionada por Lindgren Alves, Flora Kleiman e Rumen Stoyanov, que fez a tradução e um dos prefácios; o outro é de Lindgren Alves. Entre os doze escolhidos, dois são nordestinos: Manuel Bandeira, que abre a lista, e João Cabral de Melo Neto, respetivamente, com 9 e 5 textos. 

Maria da Guia Silva Lima, cearense, professora aposentada da UFC, casada com o búlgaro Zahari Krivochiev, escreveu a nota “O Ciclo Brasileiro de Elissaveta Bagriana” e traduziu os poemas dessa poetisa: “Whisky com Gelo e Lágrimas” e “Punhado de Neve”, dedicados a Pedro Rousseff, pai da Presidenta Dilma  (Rio de Janeiro, 2011). E aqui paro este brevíssimo resumo das letras nordestinas na Bulgária. 

Graças à iniciativa da Universidade Federal do Ceará, o presente livro – Poemas do Nordeste, de Dimas Macedo e Francisco Carvalho, sai com o selo da Universidade de Sófia, em 2012. Ela foi fundada em 1888 e leva o nome de São Clemente de Ojrid (840-916), razão pela qual o rastro dele figura no logo. O santo foi o discípulo mais importante de São Cirilo e São Metódio, criadores da escrita glagolítica (glagolati significa falar), tradutores (do grego ao búlgaro) da Bíblia e de escritores. Os dois irmãos e monges, junto com São Benedito, foram proclamados pelo Vaticano Padroeiros Celestes da Europa. São Clemente é um dos escritores de maior relevo na literatura búlgara antiga (ela nasce em 852) e personagem central na difusão do cristianismo na Bulgária e também entre os demais povos eslavos. A segunda escrita búlgara, chamada de cirílica, em homenagem a São Cirilo, é atribuída pela paleoeslavística à autoria de São Clemente de Ojrid. 

Com Poemas do Nordeste, quer dizer, com os versos de Dimas Macedo e Francisco Carvalho, a literatura do Nordeste dá um passo diferente na Bulgária, já que pela primeira vez trata-se duma colaboração entre duas universidades. Tomara que ele seja o início dum labor sistemático e mutuamente proveitoso.

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