Aurélia Teixeira Férrer (Irmã
Férrer, Madre Férrer ou ainda Tia Ledy, como era carinhosamente tratada pelos
seus sobrinhos e a quem cujo perfil me compete agora tracejar) nasceu em Lavras
da Mangabeira, aos 26 de novembro de 1905.
Aprendeu as primeiras letras no ambiente
familiar, tendo por professores Henrique Augusto de Aquino e Afonso César
Targino Filho, este último Juiz de Direito da Comarca de sua terra de berço.
Em seguida, matriculou-se na Escola
Pátria e Dever, do Professor Joaquim Genu, tendo, em 1923, ingressado no
Colégio Nossa Senhora do Sagrado Coração, em Fortaleza, dirigido pelas Irmãs
Doroteias, onde realizou os estudos secundários e o curso complementar.
A sua inclinação de Aurélia, para a
vida religiosa e espiritual, não se deve apenas à influência do irmão, o Cônego
Sandoval, que foi a amizade e o afeto que lhe tocaram de perto a sensibilidade.
Essa inclinação, por igual, atende a um jeito de ser de seus predecessores.
O ilustre sacerdote lavrense, João Correia da Costa Sobreira, por
exemplo, era irmão da sua bisavó Pulquéria; e da casa do seu trisavô, Francisco
Xavier Ângelo, provinham os célebres revolucionários lavrenses, padres José
Joaquim Xavier Sobreira, Cosme Francisco Xavier Sobreira e Francisco Xavier
Gonçalves Sobreira, todos, assim como o primeiro, formados pelo Seminário de
Olinda.
Alguns colaterais de Aurélia assumiram,
igualmente, funções sacerdotais. Mas nenhum deles, parece-me, e nenhum deles –
repito –, em grau de santidade e apego aos Evangelhos, foi superior àquele que
é, de fato, a glória do ramo materno da família, Tito de Alencar Lima (Frei
Tito), célebre dominicano brasileiro de renome internacional, e seu primo em
segundo grau.
Decidindo-se pela vida religiosa, em
Olinda (PE), cursou o noviciado da Congregação das Irmãs de Santa Dorotéia,
onde teve por professor de Latim o Monsenhor Pedrosa. Terminando o aprendizado
religioso em Olinda, seguiu para São Luiz do Maranhão, onde iniciou o seu
apostolado, vindo, em seguida, prestar serviços à congregação em Fortaleza.
No Colégio da Doroteias de
Cajazeiras (PB) esteve por um período de dez anos e, em Alagoa Grande, no mesmo
Estado, permaneceu durante os anos de 1954 e 1955. A Ordem das Doroteias
conduziu-a para Belém em 1956 e, em 1959, as exigências do apostolado a levaram
aos Estados Unidos, onde residiu por um período de quatro anos, regressando ao
Brasil em 1963.
Ali, estabeleceu-se na região da
Nova Inglaterra, mais precisamente em Bristol e New Betford, onde realizou parte
do seu trabalho social e os seus estudos superiores em Teologia e Psicologia na
Universidade da Providência, em East Providence.
Nos Estados Unidos, manteve relações de
amizade e de serviço comunitário com a família Kennedy, de cuja residência foi
hóspede, sendo, inclusive, correspondente de Jacqueline Kennedy no Brasil. Foi
também correspondente, no Brasil, de Dag Hammarsjöld, ex-Secretário das Nações
Unidas, a quem conheceu em uma de suas viagens à Europa, e cujo perfil cinzelou
em um de seus escritos em prosa
Dos Estados Unidos regressou diretamente
para Belém, onde viveu boa parte da sua vida de religiosa. Ali integrou o
núcleo regional da CNBB, por designação da Arquidiocese de Belém, e militou
como jornalista na imprensa da capital paraense, nos jornais O Liberal, A Província e A Folha do Norte, mantendo na Rádio
Liberal um programa de orientação religiosa.
Em 1966, a serviço da Congregação,
viajou por Portugal, Espanha, França, Itália, Suíça, Alemanha, Grécia e Israel,
registrando essa peregrinação em magistrais poemas tocados pela magia da fé. Mas
é certo que retornou para Belém, prosseguiu no seu apostolado, sendo transferida
para Fortaleza, em 1977.
Aqui desenvolveu parte da sua missão religiosa
e educativa, junto ao Colégio de Nossa Senhora do Sagrado Coração, do qual foi
professora e secretária. Junto à Arquidiocese de Fortaleza, dirigiu o Boletim
Informativo Arquidiocesano, por designação do Cardeal Aloysio Lorscheider,
de quem foi colaboradora em vários projetos de cunho social.
Nas lides do magistério, distinguiu-se
como professora de inglês, latim, francês, história e português. Além da
publicação Na Voz do Uirapuru e da
edição de outros folhetos, colaborou com a imprensa de Fortaleza e de outros estados.
Poetisa de extraordinários recursos e
prosadora bastante talentosa e erudita, em 1980, a Irmã Férrer publicou, em
Brasília, pela Gráfica do Senado Federal, o livro de poemas Em Busca da Plenitude, bastante elogiado
pela crítica e com ele propondo-se a restabelecer a poesia em Cristo, de quem
se fez amante fiel e fervorosa.
Estreando, aos 75 anos, com um livro
pleno de poemas maduros e desataviados, chamou, de logo, a atenção de grandes
escritores cearenses, tais como Jáder de Carvalho, José Valdivino, Moreira
Campos, Linhares Filho e Artur Eduardo Benevides, que escreveram, de forma
apaixonada (e cada um a seu modo), sobre o significado e a leveza estética da
sua linguagem literária.
Em 1986, atendendo a apelo de ordem
interior, publicou o livro Mensagens e Perfis, pela Editora do BNB, com
apresentações de Eduardo Campos e Joaryvar Macedo. Trata-se de um conjunto de
ensaios e reflexões, todo ele aberto à participação e ao diálogo e assestado
para a dimensão espiritual de grandes homens do seu tempo, que ali se acham perfilados.
Se Em Busca da Plenitude
reúne poemas tocados pela força do amor, pela transcendência da meditação, pela
magia da fé, pelo sortilégio do espírito e pela seiva vivificante da
sensibilidade e do afeto, Mensagens e Perfis, a seu turno, revela-nos
uma prosadora plenamente senhora da linguagem e da mundividência com as quais
apreende a composição do seu artesanato.
No livro com que a Irmã Férrer
assinala o seu ingresso no convívio das letras, eu diria que acha-se exposta a
fratura da sua incontrolada emoção e da sua mensagem de sensibilidade e de
encanto, ungida pelo sândalo da sua alegoria criativa e pelo compromisso com o
soerguimento de um novo amanhã.
A poesia com que ela nos brinda o
sentimento rebelado diante das asperezas do mundo, representa muito bem o
atestado de quem se deixou desabrochar poetisa em estágio de maturidade,
circunstância que se deixa fotografar em todo o conjunto da sua produção, em
cujo esteio a Madre Férrer se expõe como notável poetisa, até mesmo nos poemas
em que a rima e o ritmo de gosto popular predominam.
Prova-nos a Irmã Férrer a sua segurança
quando trabalha na feitura de poemas mais longos; entretanto, nada fica a dever
quando nos revela a sua perplexidade de artista na feitura de poemas de menor
dimensão, ou ainda quando parte para a montagem de um soneto do porte de “Mãos
Sacerdotais”, sendo proveitoso o efeito por ela extraído dessa modalidade de
composição.
Quanto aos textos, reunidos em Mensagens
e Perfis, não saberia o que melhor apreciar: se as suas crônicas, banhadas
pela leveza do cotidiano; se os seus ensaios, ungidos pelo lirismo e as
revelações. Sua linguagem parece-nos acessível a qualquer tipo de leitor, e
como função social os seus textos valem, sobretudo, pela mensagem com que a
autora imanta a sua produção literária.
Assegura-nos Joaryvar Macedo que as
crônicas da Irmã Ferrer, enfeixadas em Mensagens e Perfis, são
“reveladoras de uma prosa leve, suave, simples e, por isso mesmo, agradável e
aliciante”, tendo Eduardo Campos afirmado que Deus está presente nas páginas
descritas pela Irmã Férrer, “presente pela luminosidade de espírito de uma
religiosa que sabe ver, sentir e escrever com segurança”.
Quando fala de monstros sagrados
como Tancredo Neves, João Paulo II, Enrichetta Cesari, Teilhard de Chardin ou
João Gonçalves de Sousa, por exemplo, a Irmã Férrer parece chegar ao melhor
equilíbrio da sua produção. Contudo, não fica atrás quando descreve o drama dos
desamparados, o universo dos simples ou a angústia dos que se acham privado de
humanização.
Devo registrar, agora, que os seus
livros aqui referidos, com a ajuda de Miriam e de Zenilo Almada, foram por mim
lançados no Náutico Atlético Cearense, em 20 de junho de 1990. E sobre eles
escrevi um texto de crítica literária, que publiquei no Diário do Nordeste
e que reproduzi no meu livro Ossos do Ofício (Fortaleza: Oficina, 1992).
Orgulho-me também de ser o autor
do seu perfil biográfico, aquele que se pode ler num dos meus livros mais
afetuosos Lavrenses Ilustres (3ª ed. Fortaleza: RDS, 2012). Ali, de
forma didática e resumida, exalto a sua postura de poetisa e de mulher, a sua
trajetória exemplar de sertaneja que honrou a sua terra natal e o Brasil, mercê
da sua projeção internacional, e que faleceu em Fortaleza, aos 10 de dezembro
de 1995.
Lamento que seu último conjunto de
poemas, intitulado Poesias, ainda permaneça inédito, juntamente com o
seu Diário de Viagem à Europa e Oriente Médio, escrito em 1966. Sei que
essas relíquias e os seus objetos de uso pessoal foram recolhidos pela direção
da Província Religiosa a que pertencia.
Dali, em duas oportunidades, eu a carreguei
nos braços para a Assistência Municipal de Fortaleza e o Pronto Socorro dos
Acidentados, quando, sucessivamente, vítima de pequenos acidentes, fraturou o
fêmur e a bacia. Nessas ocasiões de dor e sofrimento, ela se limitava a sorrir,
olhava-me carinhosamente nos olhos e dizia: “Dimas, sempre você por perto
cuidando de mim”.
Não.
Não era. O amor filial que eu tinha pela Madre Férrer era que me permitia a
graça da aproximação, é que me havia dado o ensejo de levar os seus livros para
as editoras. Numa dedicatória/agradecimento que me fez no primeiro de seus
livros, registrou a minha participação no projeto. E quando publicou o segundo,
pediu-me que escrevesse a apresentação. Mas vendo que eu havia indicado
Joaryvar Macedo e Eduardo Campos para a tarefa, reservou-me a quarta-capa do
livro e não perdoou a minha sutilidade.
Pregoeira da mansidão e da bondade,
mestra da vida espiritual e afetiva e expressão de amor maternal que muito me
ensinou acerca da arte de viver, a Irmã Férrer constitui para mim o exemplo de
quem se faz luz para o mundo, e ancora em Deus o significado de sua existência
terrena.
Acho que a sua posição de líder
espiritual da família, deu-lhe uma posição de destaque entre todos os que
admiravam a sua postura de santa e de doutora. Convivi com ela não apenas nesta
condição, mas na condição de lavrense e de sócio privilegiado do clube de amigos
que partilharam com ela as atenções de cearenses com quem conviveu em sua
proveitosa existência.
Talvez me seja lícito apontar, entre
as suas admirações, o ex-ministro João Gonçalves de Sousa, Dona Risoleta Neves
e o industrial Edson Queiroz, de cuja intimidade privou com o maior entusiasmo.
E de forma muito especial, eu não posso deslembrar os nomes de Artur Eduardo
Benevides e Dona Yolanda Queiroz, registrando que ninguém despertou mais
bem-querer da sua parte do que Rachel de Queiroz, sua amiga e interlocutora
privilegiada.
Lembro-me
das nossas conversas com Dona Yolanda Queiroz, tanto na Província das Doroteias,
no bairro Dias Macedo, quanto na sede do Grupo Edson Queiroz, na Praça da
Imprensa. Quanto a Rachel de Queiroz, invoco o fato de que Rachel tinha grande
interesse por Fideralina Augusto, a célebre matriarca lavrense. E éramos
Joaryvar Macedo, eu e a Irmã Aurélia Férrer as fontes que Rachel, às vezes,
recorria enquanto finalizava o seu clássico Memorial de Maria Moura (São
Paulo: Siciliano,1992).
E tanto que, quando publicou o seu ensaio sobre
Dona Fideralina (Rio, 1990), Irmã
Férrer foi a escolhida para a distribuição do folheto entre os seus amigos
cearenses. Heloisa Buarque de Hollanda, coautora de Dona Fideralina das
Lavras, afirmou, certa vez, que um dos orgulhos de Rachel era ser
conterrânea de três mulheres que muito admirava: Fideralina Augusto, Sinhá
D’Amora e Aurélia Férrer, todas, coincidentemente, personagens do meu livro Lavrenses Ilustres.
Se, entre nós, sabemos ou não
sabemos o significado dessa poetisa estupenda e dessa cronista de escol, que o
Ceará legou à literatura do Brasil, talvez não importe tanto no momento, quanto
o fato de que, neste ano de 2005, a Sociedade Amigas do Livro (SAL) está
sintonizada com o seu centenário.
É a essa sociedade de mulheres que devemos a
homenagem que hoje se presta à sua memória. À Gláucia Férrer Pompeu, em
primeiro lugar, e à Glaura Férrer Dias Martins, sobrinhas diletas de Aurélia,
sou grato de uma forma muito especial. E à Regina Fiúza, também, que me
convidou, de forma prazerosa e sincera, para aqui falar sobre um dos esteios da
minha vida pessoal.
Estive presente nesse raro momento tão importante em que você amigo convidou-me para assim conhecer a história dessa ilustre lavrense
ResponderExcluirno Centro Cultural Oboé. Se o tempo nos permitisse seria importante a cada dois meses reunirmos na ALL para saborear de suas palestras.
Abraços
Rosa
Rosa Firmo, gratíssimo.
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